Não basta destruir o que é mau; é preciso construir o que é bom. A formação da consciência de um povo não se pro­cessa pelo incitamento das forças negativas, mas pelo cultivo e pelo estímulo das energias afirmativas.

mal já é, ele próprio, o resultado de um longo pro­cesso de negações coletivas; e quando os resíduos de virtudes, que não entraram ainda na fusão de que procede a psicologia uniforme do grupo social, dão-se conta desse mal, é mister evitar sejam as derradeiras expressões do bem e do bom des­viadas da linha do seu legítimo desenvolvimento numa luta em cujo fragor se consomem os elementos positivos de construção.

Empenhando-se o bem na batalha contra o mal, corre o perigo de abandonar seu principal objeto, tornando-se apenas um termo na equação do contraste, pela perda do sentido su­perior que lhe é próprio.

Os povos, como as personalidades superiores, sabem que o mal não se destrói de outra maneira senão realizando o bem e ampliando as áreas do seu império.

Essa realização das formas belas, puras e boas da exis­tência, começa individualmente em cada espírito, soma-se a outras, produzindo-se a expressão típica dos agrupamentos hu­manos conduzidos pelas aspirações mais elevadas.

Então, o bem triunfa sobre o mal, não pela agressão, mas pela substituição.

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Parece estranho escrever e fazer ler estas palavras, numa hora em que há fatos na vida de um povo que estão a reclamar ingente combate e corajosas campanhas.

Não nego, porém, nem a urgência de uma luta imediata nem o valor da coragem que distingue os lutadores contra es­cândalos vergonhosos que nos degradam. O que pretendo dizer é que, além da necessidade imediata de romper a ofensiva aos males, impõe-se dar ao povo o sentimento e a consciência dos nobres ideais construtivos.

A esse mesmo povo, que revela instintivamente um po­tencial de justiça no seu coração, é preciso dizer — com maior audácia e mais rude franqueza do que as empregadas nas arremetidas contra o mal — uma palavra forte e sincera. É preciso dizer-lhe que o mal, ou o mau, cuja impudência lhe provoca as iras, não é outra coisa senão o seu próprio espelho.

Os homens públicos, os estadistas, os políticos, os escri­tores, os jornalistas, os banqueiros, os comerciantes, os funcio­nários, são frutos da árvore que se chama povo. Seria negar a irrefutável influência do meio admitir que esses expoentes da coletividade obedecessem a impositivos psicológicos e morais diversos do agrupamento em que nasceram, se desenvolveram e se realizaram.

Por conseguinte, destruir ou tentar destruir qualquer desses tipos representativos da sociedade a que pertencem, é tão inútil ao saneamento nacional como pretender matar moscas a tiros de pistola.

O essencial é ensinar o povo a ser idealista; a refutar as exclusivas e mesquinhas preocupações materiais; a dedicar-se às nobres causas do bem comum; a dar valor aos homens de virtude; a considerar mais o caráter e a moralidade do que o dinheiro e as posições brilhantes; a amar a sobriedade, a auste­ridade; a enaltecer os que se sacrificam, na pobreza, nas adver­sidades e no infortúnio, para sustentar o pendão dos altos sonhos arrebatadores; a estimar mais o trabalho do que os proventos, mais a honra do que a comodidade ou a ostenta­ção; a desprezar o luxo e as fátuas grandezas; a detestar a ociosidade; a execrar a sensualidade; a repugnar a inutilidade; a repelir a irresponsabilidade; a proscrever a covardia, a pre­guiça, a moleza, a indiferença, o fatalismo; a apegar-se às tra­dições da Pátria e pela Pátria cultivar as virtudes vivificadoras.

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Um povo que se deixou dominar pelo egoísmo e pela ex­clusiva preocupação do conforto; um povo que só produz ho­mens e mulheres sedentos de prestígio social que se mede pelo dinheiro auferido em negócios ou mediante ordenados astronô­micos em repartições públicas ou cargos eletivos; um povo que se constitui de indivíduos que só pensam em arranjar empregos e sinecuras de toda a espécie, aumentos de vencimentos, com arrecadação de atrasados colossais; um povo constituído de so­negadores de impostos e falcatrueiros do comércio e da indús­tria; um povo que se dirige em massa para as grandes capitais repudiando a vida sã do interior do país onde já não é “chic” morar; um povo em cujos lares os pais não ensinam aos filhos as noções dos deveres e a lição do ideal, mas só lhes falam em ganhar dinheiro; um povo, em cujos estabelecimentos de ensino os professores são coagidos a dar média e a aprovar analfabetos e incompetentes; um povo absorvido pelo Carnaval, pelo futebol, pelo cinema e pelas boates; um povo que se deixa conduzir pelo fogo de artifício dos demagogos e que deixa de lado os valores morais e culturais que ainda repontam do seu seio; um povo que vota por sugestão dos cartazes, do rádio e todos os instrumentos técnicos manobrados pelo dinheiro dos financiadores de candidaturas; um povo assim não pode pro­duzir senão aventureiros e escândalos públicos que se multipli­cam indefinidamente.

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A grande campanha desta hora é a do aproveitamento das forças morais que ainda nos restam num esforço supremo de criar uma nova mentalidade.

Estou nesta luta há 20 anos; nela me tenho consumido, nela continuarei. Porque se minha voz encontrar eco no cora­ção da juventude, tenho certeza de que o Brasil se salvará.

Uma Pátria se constrói devagar e com firmeza. E eu creio nas imensas possibilidades do povo brasileiro, hoje degradado pelos maus, mas amanhã elevada, redimida, ressuscitada pelos bons.