As intrínsecas questões políticas, de ordem internacional, que avassalam os povos e lançam as nações em perplexidade diante do dilema da paz e da guerra, originam-se de angústias sociais que parecem assinalar o período de transição em que a humanidade se esforça por adaptar-se a novas condições de vida, consequentes do desenvolvimento da técnica moderna.
No fundo, o tema que serve de objeto às controvérsias dos dois mundos — o mundo ocidental e o mundo oriental —, esse tema que se interpreta segundo dois critérios opostos (o do capitalismo burguês e liberal em contrapartida ao socialismo evolucionista ou revolucionário) é um tema cujas raízes se embebem num conceito de moralidade.
A luta que se desenha nas assembleias das Nações é uma luta entre duas concepções de Estado, ambas derivantes de uma única concepção de vida. Enquanto o capitalista industrialista e comercialista pretende sobreviver à inexorável revolução social mediante a imposição de um critério liberal aos governos e a aplicação de processos que constituem uma espécie de tecnocracia, tudo baseando num conceito materialista do homem e da sociedade, o socialismo por outro lado sacode as estruturas da chamada civilização ocidental, servindo-se do espírito de revolta que leva ao desespero as multidões menos favorecidas no que concerne à distribuição dos bens terrenos.
Ambos — o capitalismo e o socialismo — são intrinsecamente materialistas. A diferença entre um e outro está em que o primeiro não toma conhecimento de outros fins do homem e da sociedade, além dos meramente temporais, ao passo que o socialismo nega terminantemente quaisquer outros fins sociais ou humanos que não sejam aqueles mesmos fins temporais de que o capitalismo cogita. Além dessa diversidade, cumpre notar que o materialismo capitalista não objetiva nenhuma finalidade moral, ao passo que o materialismo socialista preocupa-se com o ideal da justiça, trazendo, pois, um conteúdo moral, ainda que essa moral tenha caráter exclusivamente utilitário.
Difícil, portanto, será às democracias capitalistas sustentarem-se no curso da atual transformação do mundo. O materialismo e essa civilização de que tanto nos orgulhamos — se não se embasar em alicerces espiritualistas e cristãos — não encontrará nenhum meio de manter-se.
Analisando a fundo as estruturas da civilização ocidental, verificamos que elas se deterioram por motivos incontestavelmente morais. E a causa mais direta desse esboroamento reside na incapacidade do homem do nosso tempo em se afirmar na plenitude da sua virilidade.
Se os Estados não sabem ou não podem governar-se e se entregam ao fatalismo dos acontecimentos históricos internacionais, que diretamente influem no próprio teor de sua vida interna, esse fato não deve causar admiração numa época em que o mesmo homem também não sabe mais governar-se.
A incapacidade de governo próprio em cada pessoa que constitui a coletividade nacional é uma consequência da inversão dos valores, com predominância de uma sensualidade grosseira, que leva o homem de nosso tempo à mais degradante situação de um comodismo fatalista, o qual o impede de rebelar-se contra as imposições crescentes de um industrialismo ganancioso.
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Mil instrumentos de dominação técnica amarram o homem dos nossos dias ao carro vitorioso da produção em massa. Falta a esse mísero ser do século XX a capacidade viril para quebrar as próprias algemas. Na classe média — onde se encontram aqueles que conduzem as massas proletárias pelos caminhos da revolução — agitam-se, bracejam, desesperam-se indivíduos cujos orçamentos domésticos são permanentemente deficitários. O aumento dos salários, a principiar pelos que vivem do erário público (senadores, deputados, ministros, secretários de Estado, diretores de repartição, chefes de seção, oficiais do Exército e da Marinha, magistrados, professores, até aos contínuos de repartição e praças) determina inapelavelmente o recurso da inflação, de que decorre o encarecimento das utilidades. Empobrecido o Estado, a sua miséria reflete-se na exiguidade dos transportes, na deficiência das vias férreas, das estradas de rodagem, dos navios mercantes, o que por sua vez determina a decadência das zonas rurais pela falta de estímulo e de assistência à agricultura. Como consequência, temos os espaços vazios, a evasão dos campos, a superpopulação dos centros urbanos, o que vem agravar o custo de vida.
Nessa situação de angústia, o homem da cidade é um desesperado; mas esse desespero eleva-se ao mais alto grau se considerarmos a tirania dos costumes burgueses, que forçam o chefe de família a curvar a cabeça diante das exigências da esposa, das filhas, as quais perderam completamente o bom senso cristão da vida, porfiando com a família do vizinho — que é outro desgraçado — na exibição de um padrão de vida em desconformidade com a renda do casal. As crescentes despesas levam o homem desvirilizado do nosso tempo a concordar com a mulher ou as filhas em que estas trabalhem fora do lar para que se aumente, dessa forma, a arrecadação da república doméstica. Mas aí começa o homem efeminado do nosso tempo a perder a sua autoridade. Nada pode objetar a novos gastos, porque afinal de contas o dinheiro não vem apenas por seu intermédio. Então, os vencimentos femininos vão se aplicando em novas superfluidades, que muitas vezes transcendem às possibilidades de toda a arrecadação da casa, avultando os déficits da família. E mesmo quando as mulheres da casa não trabalham há sempre o exemplo a citar das que trabalham, de sorte que, para evitar os queixumes, o homem moderno prefere não dar mais a sua opinião, sacrificando-se além de suas forças. Aí começa o demônio do desespero, com seus olhos vítreos e sua voz ciciante, a segredar ao títere os meios com que prover as cada vez maiores necessidades. Surgem os planos das negociatas em detrimento do tesouro público; arquitetam-se os meios de obter dinheiro através de subornos; engendram-se hábeis malversações e — o que é mais comum — as transações políticas pelas quais o homem do nosso tempo vende a sua consciência em troca de empregos e sinecuras rendosas.
O homem moderno sujeita-se aos papéis mais ridículos; vende os seus pareceres; mercadeja o seu voto; comercializa as suas decisões; trafica a própria alma com os banqueiros, com os políticos, com os poderosos das finanças ou do Estado; e, de tal forma anestesia sua sensibilidade, que já não encontra motivos de vergonha nos atos mais indecorosos que pratica.
Esse é o aspecto geral da sociedade burguesa, da civilização capitalista, onde o dinheiro vale tudo, a virtude vale nada e o homem ainda menos vale. Processa-se a destruição das personalidades de maneira tão veloz que dentro em breve não haverá mais resistências possíveis a contrapor-se à catástrofe socialista em que sucumbe, definitivamente, o orgulhoso “homo sapiens”.
Urge, por isso, uma revolução espiritualista profunda. Impõe-se a reconstrução do homem. Essa reconstrução deverá começar pela restauração da autoridade familiar, baseada num conceito de vida cristã. Porque — e assim reza o Evangelho — não é possível servir a dois senhores. Ou se serve a Cristo ou a Mamon. E Mamon é o terrível e trágico sentido do materialismo burguês capitalista, que nos conduz aos horrores do materialismo socialista de um Estado que assume as rédeas do governo de cada um, quando em cada um desapareceu a capacidade de governar-se.