A identificação do Capitalismo com o Comunismo é uma consequência lógica do exame que fizermos:
- Da identidade das suas origens filosóficas;
- Da identidade das suas origens econômicas;
- Da unidade de direção no processo de desenvolvimento;
- Da unidade do objetivo final.
Examinemos, um a um, estes pontos e chegaremos à conclusão de que não é possível combater o Capitalismo sem combater o Comunismo, do mesmo modo que não é possível combater o Comunismo sem combater o Capitalismo. Pois tanto um como outro não passam de uma só cabeça, com duas caras, cabeça ligada ao mesmo corpo, que é o materialismo, a subordinação do Espírito Humano à brutalidade das forças cegas da Natureza, ou melhor, de uma das faces da Natureza, isto é, a material.
Assim, vejamos.
Identidade de origens filosóficas
O Capitalismo é uma consequência do Liberalismo. O Liberalismo é o império do Individualismo. O Individualismo é o rompimento com todas as disciplinas morais capazes de compor equilíbrios na sociedade, de acordo com os interesses superiores do Espírito.
Por consequência, o Individualismo é o Materialismo. E a prova de que o Individualismo é o Materialismo é o fato dessa concepção de vida ter tido como fonte os postulados epicuristas, estoicistas ou naturalistas que constituíram toda a trama do pensamento dos fins do século XVIII, da Enciclopédia e da Revolução Francesa.
O “homem natural” de Rousseau é o índice de todo o Individualismo que gerou o Liberalismo. Se o Homem devia ser “natural”, era lógico que a Economia fosse também “natural” e que nenhuma força interviesse, nem nos movimentos do Homem, nem nos da Economia. Tudo deveria ser subordinado às próprias leis da matéria.

Rousseau e a Revolução Francesa
Foi segundo esses princípios materialistas que a Burguesia se desenvolveu, como instrumento passivo nas mãos da Finança Internacional.
Lançada a luta livre no mundo, fechadas as corporações operárias, proibido o Estado de intervir nos fenômenos da produção, da circulação, da distribuição e do consumo das mercadorias, começou a verificar-se o que seria inevitável: os fortes a oprimirem os fracos.
A liberdade contratual, dando direitos e poderes a cada indivíduo para propor e aceitar salários, colocou o operário, isolado e fraco, diante do patrão imensamente forte. Coagido pela concorrência de outros operários, o ofertante de “trabalho” via-se na dura contingência de subordinar-se à oscilação dos preços. O “trabalho” foi transformado em mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura.
A livre concorrência, no campo comercial, conforme observa Marx, que é um sistematizador burguês, levava os detentores dos meios de produção a cortarem os salários e aumentarem as horas de trabalho. Essa dupla luta de cada produtor, de um lado com o seu adversário e do outro com os seus assalariados, determinava a derrota dos que apresentavam menores possibilidades de resistência e adaptabilidade.
Sendo injusta, imoral, semelhante situação, o Capitalismo precisou de arranjar uma justificação. Esta encontrou seus fundamentos no materialismo. O estudo da evolução natural abriu novos horizontes à brutalidade do Capitalismo. Enquanto Haeckel explica a origem da vida no mistério das “moneras”, enquanto Darwin desenvolve a teoria do “struggle for life“, que justifica o triunfo do forte, do mais apto sobre o fraco, Spencer, com extraordinário poder construtivo, sistematiza as grandes linhas do Evolucionismo, estabelecendo os seus “princípios” e acompanhando as manifestações da “matéria” e da “energia”, desde a nebulosa às sedimentações geológicas, e desde os primeiros fenômenos vitais até à Sociologia, à Política e ao Direito.
Spencer é o filósofo da Burguesia e do Capitalismo inglês, como Adam Smith é o economista do liberalismo nacionalista da Grã-Bretanha. A palavra mágica, tanto para um como para outro, é a mesma de Darwin: a luta.
Nada mais natural para uma concepção materialista da vida. Nada mais lógico, para uma época em que o naturalismo levou ao experimentalismo e este à consideração unilateral dos fenômenos.
A palavra cabalística do século XIX, diz Farias Brito, foi: “evolução”. Acho que poderemos acrescentar a essa palavra, esta outra: “luta”.
Só o Espírito une. A matéria divide. Por isso o Individualismo e o Liberalismo, filhos do Materialismo, lançaram as mais tremendas lutas sobre a terra. No campo da política, a luta dos partidos; no geográfico, a luta das regiões; no étnico, a luta das raças; no da produção, a luta da classe; no comercial, a luta da concorrência; no econômico-financeiro, a luta da moeda com a mercadoria; no internacional, a guerra imperialista.
Nem se diga, simplesmente, que essas lutas existiram sempre, porque isso seria confessar a falência de um século, de todo o orgulho da sua ciência e da sua filosofia. Porque o fato é que as velhas lutas de que nos deveríamos libertar, num estágio superior de civilização, foram agravadas e a elas o Materialismo acrescentou outras mais cruéis.
Era lógico, portanto, que Karl Marx, o fundador do comunismo, sendo um burguês e filho do século XIX, imprimisse à sistematização da sua obra o mesmíssimo timbre da filosofia burguesa, que é a filosofia da luta estúpida e cega do materialismo justificador dos triunfos dos fortes sobre os fracos.
Essa identidade de pensamentos, de concepção de vida, que se surpreende no Marxismo e no Capitalismo Liberal, ambos subordinados às leis inerentes a um aspecto isolado da Natureza, revela, também, no Comunismo, que tantos acreditam ser a doutrina “da moda”, o caráter inconfundível do século passado: unilateralidade. É por isso que Henri de Man afirma que o Marxismo não passa de “uma forma particular de uma mentalidade geral própria do século passado”. Basta, aliás, ler as reflexões de Sorel para se ter presente, no espírito do sindicalismo revolucionário em que também se baseou Lênin, a identidade do pensamento darwiniano, do pensamento burguês dominante em todas as teorias da Evolução.
No tocante a Marx, a própria “dialética” de Hegel, que é o dínamo propulsor da sua doutrina, é uma concepção cujo sentido dualista de luta se apresenta com um caráter marcadamente século XIX.
Hoje, que a lei da gravitação de Newton, em cuja expressão expositiva se encontra o caráter da época da dialética, cede lugar a uma nova concepção dos movimentos; hoje, que as velhas concepções do Espaço e do Tempo cedem lugar a uma compreensão nova dos ritmos universais, desde Henri Poincaré; hoje, que vamos encontrar, no recesso dos átomos, não apenas a negação da Matéria, mas a unidade das leis universais e a unidade da Energia, nós, homens do século XX, sentimo-nos muito mais próximos de Aristóteles (a unidade diferenciada e o equilíbrio universal), do que dos filósofos materialistas dos quais procede, como uma flor da burguesia crepuscular, — o Marxismo.
O que não se pode negar é a identidade absoluta do Marxismo com a filosofia burguesa, criada para oprimir os humildes e justificar a exploração do homem pelo homem. O que é fora de dúvida é que o Capitalismo e o Comunismo não passam de palavras diferentes para designar a mesma coisa: a brutalidade da violência, o materialismo grosseiro.
Identidade de origens econômicas
Acaso o Marxismo se rebela contra a Economia Burguesa? Acaso o Comunismo se revolta contra o Capitalismo? Se a filosofia comunista é a mesma que a capitalista, como se acaba de ver, como pode engendrar o comunismo uma economia nova?
Mas, acaso, uma Economia Nova é anunciada pelo Comunismo? Mas, então, ele renega as “leis naturais”?
Se nega, deixou de ser materialista e passou para o campo da ética espiritualista.
Se não nega, então não é revolucionário, como se apregoa, pois submete-se a uma concepção de vida que pertence, em primeira mão, ao Capitalismo e à Burguesia.
O Comunismo pretende dar fundamento moral à Economia? Mas então reconhece que a Economia não pode subordinar-se ao materialismo naturalista? Nesse caso, o Marxismo está renegando os seus próprios fundamentos, isto é, o decantado “materialismo histórico”.
O Comunismo objetiva uma “justiça social”? E pretende realizá-la sob o império das “leis naturais”? Perguntamos: qual é a moral das “leis naturais”? Qual o interesse de justiça social das “leis naturais”, desde que se abstraiam as ideias de Deus e do Espírito? Qual o interesse de justiça social das “leis naturais”? Se pegarmos numa corrente elétrica de muitos volts, as leis naturais obedecerão a um princípio de justiça? Ou só será fulminado aquele que o merecer? O Comunismo acha que pode haver interferência do Homem, segundo o seu interesse, nas “leis naturais” da Economia? Mas isso é negar todo o velho determinismo da Evolução e do Materialismo oficial onde o Marxismo se abeberou.
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A verdade é que o Marxismo não passa de um capítulo acrescentado à Economia Burguesa. E é o próprio Marx quem o confessa, declarando que não nega as leis que foram sendo descobertas, desde os fisiocratas, mas a elas vem acrescentar outras que ele descobriu. Ele é um continuador de Adam Smith.

Karl Marx
Marx descobre algumas leis novas, sendo a fundamental do seu sistema a da “mais-valia”. É um continuador dos burgueses evolucionistas e materialistas. Preocupa-o a precipitação do processo evolutivo do Capital. Pede, então, emprestado a um outro burguês, Hegel, o seu processo dialético. A sua “filosofia de ação” é uma beberagem onde se misturam todas as tisanas filosóficas do século XIX. A sua Economia é a subordinação aos mesmos princípios da Economia Liberal Burguesa.
Pensando bem, a obra de Marx é a apologia do Capital. É absoluta a identidade de propósitos do Comunismo e do Capitalismo. O Comunismo é, apenas, mais apressado. O Capitalismo, através dos seus teorizadores, cala as suas intenções secretas. O Comunismo revela as intenções secretas do Capitalismo e propõe-se executá-las.
O Capitalismo quer o triunfo dos mais fortes, na lei da concorrência. Um a um, serão absorvidos os lutadores. Chegará ocasião em que dois ou três financistas terão proletarizado todo o gênero humano.
Marx sabe que esse é o fim do Capitalismo e quer, não contrariá-lo, mas apressá-lo o mais possível.
O Capitalismo pretende que um dia os técnicos da Finança governem o mundo, absorvendo todas as autoridades morais, sociais, artísticas, políticas. E o Comunismo não quer outra coisa. Tudo será subordinado à Economia.
O Capitalismo é internacional; o Comunismo é internacional. O Capitalismo quer escravizar todos os povos; o Comunismo também.
O Capitalismo, através da usura, do jogo da bolsa, das oscilações do câmbio, atenta diariamente contra o principio da Propriedade; o Comunismo prega abertamente contra esse princípio.
E tudo isso por quê? Porque Capitalismo e Comunismo são dois nomes para designar a mesma coisa: o Materialismo.
Unidade de direção no processo de desenvolvimento
Daí a prodigiosa unidade de direção no processo de desenvolvimento, tanto do Capitalismo como do Comunismo.
O Capitalismo, agindo internacionalmente, provoca as crises da Produção e do Consumo. O Comunismo, aproveitando-se dessas crises, incita a revolta dos vencidos.
O Capitalismo, controlando a moeda de todos os povos, provoca as crises do poder aquisitivo, que determinam a superprodução das mercadorias de um lado, e a incapacidade de comprar dos miseráveis. O Comunismo aproveita-se dessas circunstâncias, instiga a rebelião das massas sofredoras.
O Capitalismo determina a baixa da produção e consequentemente o excesso de braços, de desempregos, de teor de salários. O Comunismo, aproveitando-se da situação, provoca as greves e a mais rápida desorganização do aparelhamento econômico dos povos.
O Capitalismo, escravizando os governos, inibe-os de agir contra o Comunismo; este, servindo-se dessa ótima posição, desenvolve-se à vontade.

O Capitalismo, endividando os governos, determina o escorchamento do povo pelos impostos. O Comunismo, aproveitando-se do desespero do povo, provoca revoluções de caráter liberal-burguês, que facilitam a confusão num país.
O Capitalismo promove as guerras. O Comunismo age nas retaguardas.
O Capitalismo cria cada vez mais necessidades de gozo, de prazer, dificultando, ao mesmo tempo, a sua posse. O Comunismo instiga a revolta de todos os que assistem ao espetáculo de orgia da civilização burguesa.
O Capitalismo, despertando a luta pelos interesses materiais, mata no homem toda a espiritualidade. O Comunismo, encontrando este estado de consciência, age destruindo os últimos resquícios do que há de nobre e espiritual no homem.
O Capitalismo, através da luta violenta de interesses que deflagra, fomenta o egoísmo, e o egoísmo enfraquece as forças nacionais. O Comunismo aproveita-se dessa situação e desorganiza toda a sociedade.
O Capitalismo, através dos negócios em que tomam parte os políticos, mantém a seu bel-prazer as lutas partidárias. O Comunismo, vendo os partidos distraídos na sua luta mesquinha, age livremente.
O Capitalismo governa o câmbio e o preço das mercadorias e dos salários. O Comunismo governa os sindicatos e as greves.
O Capitalismo e o Comunismo, de mãos dadas, lutam pelas liberdades licenciosas, atmosfera propícia para o seu desenvolvimento.
Uma revolução da Burguesia chamar-se-á sempre “Aliança Liberal” e na sua retaguarda marcham os comunistas.
Uma revolução comunista chamar-se-á “Aliança Libertadora” e na sua retaguarda marcham os burgueses liberais.
O Capitalismo e o Comunismo, pois, pela unidade de direção no processo de seu desenvolvimento, não passam de duas palavras para significar a mesma coisa: o materialismo grosseiro desejando o mesmo clima político; a licenciosidade e a anarquia, a falsa liberdade que atenta contra a verdadeira liberdade cristã.
Plínio Salgado
Extraído de: Madrugada do Espírito, Obras Completas, Vol 7, pág. 399.
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- O maior dos comunistas, de Plínio Salgado
