A Revolução Francesa proclamou os direitos do Homem. A Revolução Russa, originária da Revolução Francesa, porém antí­tese do individualismo, proclamou os direitos da Classe. Os movimentos do moderno nacionalismo, na Itália e na Alemanha, proclamaram os direitos do Estado.

Nós, integralistas, proclamamos o direito da Família.

O indivíduo é uma realidade? Não o negamos.

A classe é uma realidade? Também não o negamos.

O Estado é uma realidade? Não o negamos também.

Mas, agora perguntamos aos individualistas liberais-democráticos, aos coletivistas da extrema e da meia-esquerda, aos esta­distas, imperialistas, racistas:

— A Família não é uma realidade?

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O Homem, no individualismo, hipertrofia-se. Ele parte de Rousseau e vai a Nietzsche.

O Homem, no coletivismo, anula-se. Depois de crescer nas democracias, vai terminar atrofiado, liquidado, em Marx.

O Homem, no estatismo racista ou imperialista, estandardiza-se, uniformiza-se nos movimentos de um todo que é a fi­nalidade inumana do Estado.

Mas o Homem, no Integralismo, não é nem o gigante, nem o pigmeu, nem o autômato: é simplesmente o Homem.

A Família é que dá ao Homem o senso das proporções exatas. É ela que lhe imprime o sentido profundo de humani­dade. É em razão dela que o Estado não absorve o indivíduo nem o indivíduo absorve o Estado; que o interesse coletivo não atenta contra o interesse individual, nem o interesse individual se sobrepõe ao interesse coletivo.

Sendo uma realidade biológica, a Família é também o im­perativo filosófico, o valor sociológico, por excelência.

É no quadro da Família que o Homem adquire o senso equilibrado das perspectivas sociais. É no seu âmbito que se possibilita a concepção harmoniosa do Indivíduo, da Classe Pro­fissional, da Coletividade, do Estado e da Pátria.

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A Família é a síntese do Estado, das Classes, da Nação e da Humanidade. Ela exprime, no seu pequeno mundo, os fe­nômenos do grande mundo.

A Grande Família Nacional vai buscar no pequeno núcleo o segredo de seus lineamentos e de sua estrutura, o princípio da solidariedade, a essência da autoridade, da harmonia dos movimentos e atitudes em que se conjugam as diferenciações dos temperamentos.

É num copo de água que se sente a íntima natureza dos rios. Os coletivistas querem beber o rio inteiro e afogam-se. Ninguém pode sentir a Humanidade sem experimentar o gosto amargo e doce da Pequena Humanidade, que é a Família.

Nesse pequeno mundo é que se sorve, até a última gota, o drama do mundo. Quem não compreendeu a Família não com­preendeu a Humanidade.

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A Revolução Francesa foi a revolução do Indivíduo e cem anos depois o Indivíduo esmagou a Humanidade. O Coletivismo em que o Homem se dissolveu não passa de uma forma do próprio individualismo.

Hoje nós pensamos em restaurar o equilíbrio social criando um Estado Ético. Esse Estado tem de ir buscar a sua força em alguma fonte moral. Essa fonte de moralidade do Estado é a Família. Sem Família não há Estado Ético.

O Estado Ético é o que se propõe manter o equilíbrio dos grupos, a fim de assegurar a intangibilidade do Homem. A Fa­mília é o Grupo-Síntese que oferece ao Estado o sentido dos lineamentos exatos.

Porque ela é, ainda, o “meio de cultura” da dignidade ani­mal e espiritual da criatura humana. É a limitação do horizonte para que os olhos dominem os pormenores. É a paisagem que nos dá a compreender o panorama social.

Seria um louco o pintor que pretendesse pormenorizar numa tela gigantesca o panorama que se desdobra aos olhos de um aviador, a dois mil metros de altura.

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O Integralismo é, principalmente, a doutrina realista. A primeira realidade que se oferece ao Homem, logo que ele abre os olhos da consciência para o mundo, é a realidade da Família. Como pôde abandoná-la o Individualismo? Como pôde passar sobre ela o Coletivismo?

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O individualismo econômico e político da liberal-democracia é, pelo menos, ingênuo, na sua concepção romântica. Mas os que dentro dele evolveram, no materialismo histórico, com todo o pretensioso cabedal científico informador das sistematiza­ções burguesas dos evolucionistas e das conclusões burguesas do marxismo, esses, que blasonam de conhecer todos os segredos da sociedade, como puderam passar, indiferentes ou agressivos, sobre a maior das realidades?

E os que viram no Estado a realidade única não se lem­braram de que o homem da caverna, antes de se constituir em tribo, constituiu-se em família? E os racistas, que pretendem desuniversalizar-se na concepção exclusiva dos direitos do san­gue, não repararam que no bojo das massas de caracteres antro­pomórficos uniformes palpita alguma coisa que é comum a todo o gênero humano, e que é a Família?

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Aqueles que sonharam a felicidade do Homem, acaso pen­saram que há circunstâncias da vida que não poderão jamais ser alteradas pelas tisanas dos regimes políticos? Que há dramas de sutil delicadeza e estranho mistério, que escapam à alçada do Estado?

Os que burocratizaram o ritmo do Trabalho; os que socia­lizaram a distribuição dos alimentos; os que nacionalizaram a paternidade e racionalizaram a criação de homens nas creches do Estado, transformando o homem em galináceo e substituindo o lar pelas chocadeiras automáticas dos asilos; os que arran­caram do operário o ambiente onde ele tinha a impressão da sua liberdade, subordinando-o ao automatismo aviltante de uma engrenagem social em que ele deixa de ser o “sujeito” para ser simplesmente o “objeto”, acaso terão pensado que esse pobre ente humano possui além do estômago um coração?

É possível socializar os meios de produção; nacionalizar toda a máquina econômica de um povo; distribuir alimentos por meio de cupons, burocratizando todos os movimentos hu­manos. Mas o que nunca se tornará possível será, na hora da morte, ou na hora do sofrimento moral profundo, distribuir rações de afetos, bondade por cupons, conforto sentimental em pacotinhos, como se as coisas do espírito pertencessem ao Estado.

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Eis porque o Integralismo é a Revolução da Família. E os que se insurgem contra ela é porque já não são homens, são sub-homens.

Só os homúnculos, que abdicam de sua liberdade, que acei­tam de bom grado a escravização pelo Estado, esses é que são contra o movimento integralista. São os arbustos sem raízes, que podem ser transportados para o âmbito de um palácio ou para o cenário trágico de um prostíbulo. Esses arbustos humanos não medram na verdadeira classe operária, porque o operário bra­sileiro, cioso da liberdade e da dignidade, preza, acima de tudo, a sua família. Esses cactos-humanos, tão despidos de nobreza como os mandacarus são despidos de folhas, esses morféticos morais, que perderam todos os lineamentos do Espírito, esses medram, quase sempre, nas casas elegantes, onde uma burguesia apodrece, ou nas garçonnières, onde as almas já apodreceram.

A Família, ridicularizada, oprimida, onde se processam os dramas humanos profundos, onde a vida ganha uma expressão misteriosa de grandeza, onde o Homem se sente superior aos animais, onde as crises sociais repercutem e as injustiças de um regime ferem os anseios mais delicados, a Família, “pátria do coração”, como a definiu Mazzini, é a base do nosso movimento, porque nela encontramos a presença de Deus, a dor do Homem, o sentimento da Pátria, o princípio da autoridade, a essência da bondade, a grandeza das abnegações e das renúncias, a fonte ética perene onde o Estado haure a sua força e o seu esplendor.

Plínio Salgado

Nota:
[1] Extraído de: Palavra Nova dos Tempos Novos, Obras Completas, vol. 7, pág. 233.