No célebre sermão em prol do bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, pelo padre Antônio Vieira proferido na igreja da Ajuda, na Bahia, o famoso orador – “Mais protestando que orando”, consoante a norma por ele confessadamente imitada dos Salmos de Davi – faz girar os seus argumentos em torno da imprecação de Jó, cujos acentos de dor terminaram com estas palavras dramáticas: “Ecce nunc in pulvere dormiam, et si mane me quaesieris, non subsistam”.
Tendo-lhe Deus, para experimentar-lhe a paciência, feito perder os haveres, roubados ou incendiados; os amigos (que eram de espécie daqueles que nos fogem quando andamos no infortúnio); os numerosos filhos, sucumbiram nos desastrosos incêndios; depois a própria saúde, o patriarca Jó, sem nunca desesperar, apenas se lamenta, mas os lamentos vão subindo num crescendo angustioso, até que deles aflora – como ultimo apelo ao Criador – aquele grito: “Pois agora dormirei no pó e amanhã me buscarás e não me encontrarás”.
“Dormirei no pó”, isto é, “não existirei mais”, declara Jó; e amanhã, quando os ímpios dominarem a terra, quando transgredirem a tua Divina Lei, quando blasfemarem contra o teu Santo Nome, então me chamarás, mas o silêncio profundo será a minha resposta, porque já não serei, nem estarei; “non subsistam”!
Tradutores há que em vez de dizer “amanhã” dizem “de madrugada”; e esta expressão é mais trágica e mais cheia de poesia, porque nos dá a ideia da noite do sofrimento, das trevas em que muitas vezes submergem os homens ou as Nações em certos transcursos históricos que precedem à transformação social impositiva de uma nova ordem, de um novo dia, cuja sinistra aurora aponta avermelhada de sangue; então, o batalhador sacrificado já não está para reagir, já não existe para salvar aquela harmoniosa ordem humana inspirada no amor divino: “de madrugada me buscarás e não me encontrarás”…
Utiliza-se a eloquência de Vieira dessa passagem do Livro de Jó, para reclamar como filho amantíssimo do Cristo contra a vitória daqueles que jamais se empenharam, como o então vencidos, nas cruas batalhas em defesa da Cruz e propagação do Evangelho. E, relembrando os feitos dos Portugueses e dos Espanhóis, que expulsaram da Península os maometanos, que conquistaram os baluartes da Europa nas terras da África, e descobriram o caminho das índias levando a Cruz de Cristo nos panos das naus, aos remotos confins do Oriente, e revelaram novas terras ao Mundo Antigo, e nelas lançaram os fundamentos da civilização cristã, o Padre Vieira exclama, a estranhar viessem os holandeses usufruir do trabalho alheio:
“Entregai aos holandeses o Brasil, entregai-lhes as Índias, entregai-lhes as Espanhas (que não são menos perigosas as consequências do Brasil perdido), entregai-lhes quanto temos e possuímos (como já lhes entregaste tanta parte), ponde em suas mãos o mundo; e a nós, os Portugueses e Espanhóis, deixai-nos, repudiai-nos, desfazei-nos, acabai-nos. Mas só digo e lembro a Vossa Majestade, Senhor, que estes mesmo que agora desfavoreceis, e lançais de vós, pode ser que os queirais algum dia, e que os não tenhais”.
E, paralelizando a situação do Brasil nascente com a dos infortúnios do patriarca bíblico, configurando mais pormenorizadas e argumentadas as imprecações daquele varão símbolo da paciência, em cujos lábios põe estas palavras:
“Já que não quereis, Senhor, desistir ou moderar o tormento, já que não quereis senão continuar o rigor, e chegar com ele ao cabo; seja muito embora: matai-me, consumi-me, enterrai-me. Mas só vos digo e vos lembro uma coisa: que se me buscardes amanhã não me haveis de achar. Tereis aos Sabeus, tereis aos Caldeus, que sejam o roubo e o açoite de vossa casa; mas não achareis a um Jó, que a venera, não achareis a um Jó que ainda com suas chagas a não desautorize”.
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“Ecce nunc in pulveri dormiam, et si mane me quoe sieris, non subsistam”…
Se ao próprio Deus assim falou o paciente patriarca e se o seu exemplo grandiosamente floresceu e frutificou na palavra do maior dos oradores da língua portuguesa, que era também espírito incansável em evangelizar o nosso grêmio, com muito maior direito, razão, justiça e veemência, podem e devem, no atual momento histórico do Brasil, aqueles que pela Pátria se tem sacrificado, imprecar os seus contemporâneos.
Em 1932, levantei-me com um pujilo de estudantes e de operários, para, não somente salvar a Nação dos males que no momento a ameaçavam (o separatismo, o comunismo, o mortal indiferentismo pela nossa Pátria, pela sua Bandeira, pelo seu Hino, pelas suas tradições) mas também para premunir e preparar a Nação Brasileira contra as terríveis ameaças futuras que já então se delineavam nos horizontes internacionais.
De cidade em cidade predicando, desde o litoral às mais remotas regiões do território pátrio, vimos, os iniciadores da sagrada campanha, avultar dia a dia o número dos que vinham juntar os seus aos nossos esforços pela salvação do Brasil. Foi principalmente nos sertões, onde o sentimento nacional ainda não se deteriorou ao contato de um cosmopolitismo intoxicante, que a nossa palavra levantou as mais belas e heróicas falanges de ardentes defensores da integridade cristã da Nação Brasileira.
Esse movimento cresceu de 1932 a 1937, exprimindo historicamente as forças latentes da alma nacional e a vigorosa decisão da Grande Pátria.
Que ensinávamos nós? A crença num Deus e nos destinos sobrenaturais do Homem; o culto das tradições nacionais; a sustentação dos princípios cristãos que regeram a constituição das famílias patrícias desde os séculos primeiros da nossa História; o cultivo, o estímulo a todas as formas de pura brasilidade, na vida privada, na vida social, na vida política; a moralidade dos costumes, a honestidade administrativa, a coragem das atitudes, a dignidade de cada brasileiro, de cada família, como base da própria dignidade da Pátria cuja independência e soberania, prestígio e pundonor exaltávamos ao mais alto grau.
Haveria mal nestas coisas que ensinamos (como ainda hoje teimo e teimamos em ensinar) e por acaso tal ensino merecia castigo?
O fato é que, de inicio, tivemos contra nós o desprezo e o silêncio dos homens públicos, dos chamados homens cultos, da imprensa e da burguesia materialista. Logo depois, como aquele movimento de patriotismo e de ardente fé nos princípios e tradições cristãs do Brasil começasse a avolumar-se, o desprezo e o silêncio com que pretenderam sufocar-nos transformou-se em injúrias e mordacidades com que se pretendeu reduzir-nos ao ridículo. Vencemos, porém, galhardamente essa prova e um número cada vez maior de brasileiros acorria a trabalhar conosco.
Estava, na verdade, desperta a consciência nacional pelo esforço que desenvolvêramos. O povo, que jamais soubera cantar o Hino Nacional, já o cantava, tanto o repetíramos em nossas comemorações cívicas. Vultos da História, anteriormente esquecidos, recebiam durante o ano, pela passagem das datas festivas do calendário cívico, as nossas homenagens durante as quais fazíamos ressaltar as suas virtudes em narrativas biográficas que produzíamos. A juventude, que andava em degradante disponibilidade, trouxemo-la a um novo tom de vida fazendo-a respirar os generosos ideais que vitalizam as gerações tornando-as capazes de produzir futuros homens públicos à altura dos supremos destinos da Pátria. Mas outras campanhas se deflagraram contra nós.
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Vendo que o ridículo e a injuria não eram suficientes para abater-nos, surgiram as calúnias. Foram inicialmente lançadas pelo Comunismo Internacional, fabricadas todas em Moscou e remetidas em séries para repetição dos papagaios do Comintern. Acusaram-nos de receber dinheiro do Vaticano para executarmos uma campanha reacionária; depois, por volta de 1933, afirmaram que éramos estipendiados pela Light, pela Cia. Antártica, pelo governo do Sr. Getúlio Vargas. Faziam coro com os comunistas os literatos despeitados, os políticos profissionais, os separatistas contra cujas pretensões desagregadoras erguíamos a bandeira da Unidade da Pátria.
Passado algum tempo, ali pelos começos de 1934, os agentes internacionais mudaram o disco. Não era mais o Papa, nem a Empresa Canadense, nem os industriais nem o Sr. Getúlio Vargas que nos estipendiavam; agora era o fascismo e o nazismo. De agentes do imperialismo americano e inglês e lacaios do Vaticano, passávamos a ser instrumentos de uma internacional nazi-fascista, que nunca existiu, pois só idiotas podem acreditar numa internacional de nacionalismos. Essa calúnia fez carreira. Porque a esse tempo já representávamos uma força eleitoral apreciável e isso feria os interesses dos políticos estaduais, dos governadores dos Estados da Federação, os quais endossavam todas as calúnias contra nós atiradas facilitando os meios da sua propagação.
Começamos, então, a ser não só caluniados como perseguidos. Mas quanto maior era o número de prisões e de ameaças, maior era também a fé que nos animava. Nesse tempo, a nossa influência no meio social brasileiro atingia a todas as categorias e profissões, desde as classes liberais e os estudantes, até aos operários e principalmente os sertanejos. Essa influência fez-se sentir nas Classes Armadas, inscrevendo-se em nossas fileiras centenas de oficiais de terra e mar. Para evitar que o convívio político daquela seção do Integralismo que constituía um partido, desgostasse as altas autoridades do Exército e da Marinha, fundamos, separado de todas atividades partidárias, o Centro Caxias, de caráter puramente cívico-cultural, que mereceu sobretudo do Sr. Ministro da Marinha, Almirante Guilhem, assim como de ilustres Generais, palavras de estimulo e de apreço. Naquele Centro não se tratava de política, mas de realizar conferências sobre vultos como os de Caxias, Tamandaré, Osório, Barroso e tantos outros, como também sobre as datas da História Pátria e os temas mais interessantes da atualidade brasileira. O Centro Caxias dava assistência educacional a inferiores e praças, mantendo cursos secundários e primários e, principalmente, criava um sentido superior de mística nacional, um clima onde o comunismo jamais poderia medrar.
Não faltaram contra nós as intrigas mais perversas, procurando indispor contra o Integralismo as Forças Armadas, quando toda a nossa preocupação era proporcionar ao Exército e à Marinha uma atmosfera de respeito e de amor nas massas civis da nação. Assim, enquanto tivemos palavras de elogios calorosos da parte de generais como Tasso Fragoso, Newton Cavalcanti, Francisco José Pinto, Pantaleão Pessoa, e muitos outros, também não faltaram dignas altas patentes, como o general Manuel Rabelo, que se deixaram, ainda que de boa fé, influenciar pelas suspeitas contra nós levantadas de sermos inimigos da democracia…
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Em novembro de 1935, ficou patente perante a História, que os nossos serviços à Pátria não tinham sido inúteis. Os cursos que dávamos sobre o marxismo, a sua ideologia, os seus processos, a sua técnica, os seus propósitos, as suas diretivas contra o Brasil, não só de muito serviram à reação militar contra a revolução bolchevista, mas puseram a serviço das Forças Armadas milhares de civis esclarecidos e corajosos, cuja ação eficiente foi constatada no Maranhão, em Pernambuco, na Bahia, na Capital da República, em São Paulo, no Paraná, conforme os agradecimentos que pessoalmente recebi de ilustres e altas autoridades, muitas delas ainda vivas e que, estou convencido, jamais negarão as palavras que me disseram.
Prestado esse serviço à Nação, não descansamos sob os louros ocultamente recebidos. Continuamos nossa obra de educação nacional, fundando cerca de três mil escolas de alfabetização e centros de comemorações cívicas e de estudos; mais de mil ambulatórios médicos, dando assistência às populações urbanas e rurais no combate às moléstias tropicais, à sífilis, à tuberculose; mais de uma centena de lactários e centros de assistência à infância e às mães; bibliotecas e campos de esporte; jornais vibrantes de brasilidade e revistas de alta cultura; organizações de estudantes, onde se tratava não de política, mas de debater teses elevando o nível intelectual da juventude e atraindo-a para ideais nobres ao mesmo tempo em que a afastávamos de uma vida ociosa, fútil e apática. Nas regiões onde predominavam elementos oriundos de recente imigração ou onde por incúria dos governos se mantinham padrões de vida social tipicamente estrangeiros, fundamos escolas onde se ensinava com a língua portuguesa, a história e o hino da nossa Pátria.
O Brasil, pelo milagre do nosso movimento, tinha um clima saudável sob cuja influencia despertavam as forças vivas da Nação, capazes de destruir todos os agentes corruptores e de enfrentar qualquer tentativa de solapamento da Pátria pela insidiosa infiltração de elementos disfarçados mas que nós tornávamos conhecidos, localizando-os e impedindo-os de agir.
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Que recebíamos em troca? Injúrias, calunias e perseguições de governos estaduais, campanha sistemática de jornais frequentemente desmascarados, porém perseverantemente reincidentes. Assim, chegamos a novembro de 1937.
Não preciso repetir aqui o que já tantas vezes narrei sobre os acontecimentos que terminaram com a implantação do Estado Totalitário ao qual aderiram muitíssimos democratas de hoje em dia, usufruindo-lhe os cargos, os postos honoríficos, os empregos proveitosos, a tranquilidade e o conforto dos perfeitamente conformados com a nova ordem.
Direi apenas que, no momento exato em que todos os oportunistas do pais julgavam estar o Integralismo nas vésperas do Poder, e de tal sorte que altíssimas personalidades frequentavam assiduamente o meu gabinete com olhos em ministérios e governadorias de estados (tudo de envolta a frases laudatórias e protestos de fidelidade) nesse momento exato os poucos sinceros que comigo conviviam estava cientes de que iria começar para os que me acompanhavam, de alma pura, o doloroso martírio e os dias mais tenebrosos.
Eu não concordara com a Constituição nazi-fascista que se pretendia outorgar… Estávamos, os integralistas, politicamente derrotados, porque o Presidente Vargas, que comigo se entrevistara, encontrava-se com forças suficientes para desferir o golpe de Estado. Não dispondo de nenhuma força para me opor, tive de contentar-me com a esperança de podermos, ao menos, doutrinalmente, continuar a obra de preservação nacional contra o bolchevismo, e a obra mais ainda de preparação das gerações futuras para construção do grande Brasil que sonhávamos.
Isso mesmo afirmei ao general Guedes da Fontoura, que era sabedor do golpe que se planejava e que prometia reagir com outros militares. “O que desejo” – disse-lhe eu – “é continuar esta obra que não visa um quadriênio, porém o Futuro Nacional; se os senhores se anteciparem ao golpe presidencial, não reagiremos desde que nos seja assegurada a liberdade de trabalhar pelo Brasil no campo da educação popular, mas se o presidente se impuser primeiro, também a nossa posição será a mesma, uma vez nos seja permitido o direito de pensar e pregar a doutrina democrática, nacionalista e cristã, sem a qual o Futuro da Nação estará perdido”. Estas foram, mais ou menos, as minhas palavras. Dias depois, era desferido o golpe de 10 de novembro…
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Começa, então, a destruição feroz da mais bela obra nacional que jamais outra superou na História do Brasil. Porque não aceitei o lugar de Ministro do Estado Novo, cerca de três mil sedes do integralismo foram depedradas pela polícia em todo o país. Quebraram os nossos ambulatórios médicos, roubaram centenas de máquinas de escrever, saquearam bibliotecas, destruíram ou arrecadaram mobílias; tomaram as nossas oficinas tipográficas, entre elas a do nosso jornal diário, impedindo-nos de cumprir compromissos constantes de compra com reserva de domínio, o que nos prejudicou em centenas de contos; violaram casas particulares, entre elas a minha residência particular que foi saqueada; prenderam, espancaram, mantiveram em custódia numerosos integralistas e a outros procuravam como caça.
Por essa altura, articulou-se uma revolução de todos os partidos, sob a chefia do General Castro Júnior e da qual faziam parte numerosíssimos cidadãos civis e militares, que jamais foram integralistas.
Um grupo, ameaçado, perseguido, levado ao desespero pelas opressões do regime totalitário dominante, precipitou-se. Impulsivos mas dignos, portaram-se com bravura e lealdade; derrotados, alguns perderam a vida imediatamente, outros sofreram bárbaros espancamentos e condenações mediante a aplicação de uma lei com efeito retroativo e segundo um rito processual que não admitia liberdade plena de defesa. Deu-se a essa revolução o rótulo de integralista, conquanto dos oito cabeças arrolados na pronúncia, apenas dois pertencessem ao nosso movimento. E daí por diante, para aquela maravilhosa reserva das forças puras da Nação, para aquelas nobres cruzadas do patriotismo, para aquela corrente de opinião e de sentimentos que formava a base de um Brasil digno e consciente, principiou a tenebrosa noite da mais terrível perseguição como jamais sofreu em todo o curso da Historia nenhum partido, nenhuma organização nacional.
Em 1939, fui preso. Posto em liberdade, ofereceram-me um lugar na diplomacia. Não aceitei. Intimaram-me a sair do Brasil. Respondi que não podia sair imediatamente por ser pobre e não dispor de recursos para tão longa viagem. Retrucaram oferecendo-me dinheiro. Rejeitei. Prenderam-me. Estive 23 dias na Fortaleza de Santa Cruz, findos os quais a polícia me pôs a bordo de um navio que me levou à Europa, sem recursos de espécie alguma. Os meus amigos me acudiram e nos últimos tempos, já ambientado, trabalhei também como escritor. Assim vivi sete anos e meio longe da Pátria.
Durante esse tempo, o comunismo dominou o Brasil infiltrado nos órgãos do próprio governo, na imprensa, nas agências de informações, no rádio, nos sindicatos, no ensino. E o Integralismo sofreu o mais cruel dos castigos por muito amar a Pátria: foi desfigurado, foi deturpado, foi apresentado pelo inverso do que era, recebendo pela palavra de oradores que apoiavam o Estado Novo-Nazi-Fascista, e pelas colunas de certa imprensa e pelo rádio controlados pelo Goebbels do DIP, os epítetos de “extremismo da direita”, “totalitarismo”, “ideologia exótica”, “instrumento do nazi-nipo-fascismo”. O Integralismo foi condenado exatamente pelos mesmos motivos pelos quais o grande movimento condenara o Estado Novo!
Precisava este de um bode expiatório sobre o qual descarregasse as suas próprias culpas a fim de livremente exercer a ditadura totalitária; o bode expiatório foi o integralismo… E os algozes? Eram os que, subrepticiamente, preparavam o advento do bolchevismo na hora em que a bandeira russa pudesse andar desfraldada em nossas ruas para vergonha de toda uma geração! Lá estavam eles, os agentes do Comintern, a serviço da Ditadura. Não era de espantar, pois naquele mesmo instante, na Europa, Hitler e Stalin davam-se as mãos para praticar o crime do espostejamento da Polônia…
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Mas quando sobreveio a guerra, quando Brasil, defendendo a sua dignidade contra os atentados dos submarinos alemães, entrou no conflito mundial, então os bolchevistas tiveram o seu grande momento, imitando os seus colegas franceses que, depois de sabotarem o esforço de guerra da sua Pátria, favorecendo o invasor alemão e até falando contra a França no rádio de Berlim, afivelaram a máscara de patriotas obedecendo ao novo comando de Stalin.
Senhores da situação, – enquanto os integralistas andavam a comandar e a tripular navios de guerra e mercantes de nosso país, batendo-se contra os alemães e sucumbindo aos torpedeamentos em que perdemos tantos companheiros queridos, cuja lista já publiquei – ficavam os brasileiros renegados e a serviço de Moscou, pelas esquinas das avenidas, a acusar os verdadeiros patriotas de espiões, de traidores, de coniventes com os submarinos adversários no afundamento dos navios onde morriam seus próprios correligionários, os valentes integralistas que lutaram com atos e não com palavras contra as potências do Eixo!
Essas horrorosas calúnias tiveram curso livre sob a ditadura nazi-fascista que dominava o Brasil. Nenhuma voz – enquanto estávamos amordaçados pela censura e pela sabotagem das células comunistas na imprensa – nenhuma voz se levantou para defender-nos. E entretanto havia homens de responsabilidade que sabiam perfeitamente o que éramos, o que significávamos, quais os serviços que prestáramos e continuávamos prestando à Pátria. De tudo o que tínhamos feito e estávamos fazendo pelo Bem do Brasil, não nos vinha uma palavra sequer, já não digo de gratidão e respeito, mas ao menos de justiça.
Assim sofremos oito anos. A nossa doutrina sempre foi pura e sã; os nossos propósitos nobres e sinceros; os efeitos da nossa ação beneméritos e salvadores; os sonhos que sonhamos, por amor de nossa Pátria, elevados e santos.
Nada, porém, foi levado em conta. De tudo se fez tábua rasa. Éramos bandidos, traidores, indignos. Os que não nos visavam com o seu ódio, feriam-nos com a sua indiferença. Ninguém abriu a boca para defender-nos, para dizer: esses amordaçados, esses proscritos, amam a sua Pátria e tenho provas de que isso é verdade.
Sim: porque numerosos eram os que tinham essas provas. E, no entanto, calaram. Lavaram as mãos como Pilatos. Alguns, intimamente se regozijaram imaginando-nos fora de combate, liquidados definitivamente.
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O momento nacional que vivemos é perigoso e ameaçador. Todas as repartições públicas estão infiltradas de comunistas. Toda a imprensa está minada pelas células de Moscou. As organizações operárias corroem-se à ação do vírus marxista.
Os partidos estão recheados das larvas do Comintern. Nas Câmaras Municipais, nas Prefeituras, nos Parlamentos, nos Governos estaduais, nos Ministérios, a Rússia possui os seus locutores. Na Marinha Mercante, como na de Guerra, há cavalos de Troia do internacionalismo vermelho. O Exército também está manado. A literatura, o teatro, o cinema, o rádio, as associações brasileiras de escritores, encontram-se infestados de agentes do Czar Vermelho.
A burguesia, dita progressista, que constitui a vanguarda da revolução social, segundo Lênin, apodrece no materialismo mais sensual e gozador e estende a sua mão aos seus futuros carrascos. Um libertarismo doentio destrói as fibras do necessário e nobre liberalismo que é base da verdadeira democracia e, insurgindo-se contra todo o princípio de autoridade, torna-se o assassino da liberdade dos bons e o estimulador da liberdade dos maus. [1]
A indisciplina lavra em todos os setores da vida nacional. O trabalho desorganiza-se e a produção brasileira cai velozmente e catastroficamente.
O ensino desnivela-se atingindo a extremos de degradação que assinala a ignorância dos jovens só comparável ao seu desdém por tudo quanto é idealismo vitalizador.
A agricultura esta em crise. O êxodo dos campos para as cidades acelera-se. A indiferença, o fatalismo, o espírito de derrota avassalam a Nação. Diminui o número dos que amam o Brasil. Nos lares não há ambiente nem para a Religião nem para o Patriotismo.
E o comunismo traiçoeiramente avança, utilizando-se dos políticos demagogos, dos interesseiros, dos indiferentes e catastróficos. Esse é o quadro do Brasil atual. E diante desse quadro, pergunto: geração ingrata, geração de alma fria e coração de pedra, que fizeste do patrimônio que o Integralismo brasileiro te legou em tantos anos de pregação, de martírios e de ardente mística da Pátria.
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E perguntarei ainda: geração dos meus contemporâneos, que pretendeis, depois de todas estas desgraças de nossa Pátria, e em face das ameaças que pesam sobre o Brasil? Que pretendeis fazer do movimento que lancei em nossa Pátria e que exprime todo o amor que consagrei à Nação Brasileira?
Geração cruel, pretendeis ainda atirar sobre mim e os que me seguem, novas injúrias, novas calúnias? Pretendeis responder com a vossa indiferença ao esforço que tenho feito pela felicidade de vossos filhos? A este sacrifício, a esta luta em que me consumo, pretendeis pagar com os apelidos que a vossa crueldade tem inventado para apresentar-me como o mais ridículo e o mais infame dos homens? Tudo isso porque consagrei minha vida ao Brasil que é também a vossa Pátria?
Pretendeis repetir, depois das mil explicações que vos dei, os estribilhos que Moscou emite como dinheiro falso, dizendo como papagaios: esse é um totalitário, esse é um nazi-fascista, esse é um mistificador, esse é um esquizofrênico, um traidor, um fanático, um louco? Pretendeis, na melhor das hipóteses, como ainda fazem tantos, tratar comigo e com os meus companheiros, às escondidas, como se fôssemos criminosos? Ou pretendeis tratar-nos como portadores de alguma terrível moléstia contagiosa ou algum anátema que prejudicará vossos negócios ou o acesso em vossas carreiras?
Ainda é vossa intenção deturpar minhas palavras, alterar minha doutrina, levantar contra os que me seguem e contra mim novas calúnias?
Então, se assim decidis e quereis, responder-vos-ei parafraseando a apóstrofe de Vieira e a imprecação do patriarca bíblico, dizendo-vos:
— Somos presentemente, pelos votos eleitorais que apuramos, cerca de um milhão em todo o Brasil. Tudo faremos resistindo à vossa loucura ou à vossa omissão para com a Pátria. Sustentaremos a todo transe e propagaremos incessantemente, os princípios fundamentais da soberania e da dignidade da Nação; lutaremos por vossas e nossas famílias, por vossos e nossos filhos contra a escravidão que se aproxima. Se crescermos em número e vencermos, estará salvo o Brasil e todos vós. Mas se quiserdes destruir-nos e se o conseguirdes, desapareceremos, deixaremos um dia de existir… E amanhã, quando o bolchevismo triunfar num golpe de surpresa, e chorardes lágrimas de sangue no cativeiro, vós vos lembrareis de mim e dos meus e debalde nos procurareis, porque já não estaremos já não existiremos.
“Si mane que quoe sieris, non subsistam…” Da madrugada me buscarás e não me encontrarás. Sim; será por uma madrugada, vermelha e sangrenta como a de 27 de novembro de 1935. As cabeças de vossos filhos lavar-se-ão com vossas lágrimas. Perguntareis aflitos: onde estão aqueles aos quais tanto combati, aqueles que talvez me possam salvar?
E um grave silêncio trágico será a resposta da História!
Nota dos Editores:
[1] Plínio Salgado fala sobre a ideia que aqui chama por “liberalismo” na segunda parte de seu livro Psicologia da Revolução. O “necessário e nobre liberalismo” é uma defesa da liberdade ordenada, digna, liberdade com autoridade e dirigida para o bem, não absoluta, como a entende o “libertarismo”, usualmente chamado liberalismo. Plínio explica a questão da liberdade em livros como Direitos e Deveres do Homem, de 1948, e o prefácio Pio IX e o seu tempo, de 1949.