Quem primeiro cogitou no Brasil da representação de classes foi a “Ação Integralista Brasileira”. A sua doutrina política partia do principio de que a verdadeira representação popular na constituição dos parlamentos seria aquela que exprimisse interesses reais dos diferentes círculos que compõem a sociedade, obtendo-se, desse modo, os votos significativos das aspirações específicas de cada grupo, a produzirem delegados verdadeiramente responsáveis e conscientes do mandato que se lhes confiaria.
Essa ideia da representação política das classes originava-se:
1º) – Da observação que se fazia de que no curso do século XIX e desta parte do século XX, desde a organização dos operários na Inglaterra e, posteriormente na Alemanha, na França, na Bélgica e outros países, acentuava-se a tendência das associações proletárias assumirem caráter político, ao mesmo tempo que os partidos iam, pouco a pouco, inscrevendo nos seus programas reivindicações dos trabalhadores, e que tudo indicava não coexistirem duas linhas paralelas de aspirações populares (a trabalhista e a política), porém duas linhas convergentes e que um dia se deveriam fatalmente se encontrar;
2º) – Da verificação cada vez mais positiva de que o sufrágio universal obedecia a um critério empírico, sem nenhuma base científica e sem nenhuma preocupação técnica. Sendo o voto uma deliberação que se toma em face de objetos conhecidos, o sufrágio universal, considerando teoricamente todos os eleitores no mesmo nível intelectual, propunha-lhes questões que a grande maioria não sabia e não sabe resolver (manifestos de candidatos, doutrinas e programas partidários, temas de interesse geral e não consoante com os de interesse particular concebíveis pelo eleitor). Num século em que a tudo se aplica a técnica, inclusive no sistema de pesos e medidas, que substitui unidades convencionais por outras exatas, o voto continuava e continua a se basear numa conjectura, numa suposição de capacidade de discernimento do homem comum. Pelo que cumpria dar ao voto um valor preciso de relação entre o interesse geral e a aspiração compreensível.
Essas duas observações absolutamente experimentais, levavam a “Ação Integralista Brasileira” a pugnar pelo voto de classe, ou de categorias sociais, onde o eleitor sabe o que precisa, escolhendo seus próprios pares para manifestar o que ele, eleitor deseja.
Essa a doutrina. Mas havia os problemas da sua aplicação prática.
Antes de tudo, a “Ação Integralista Brasileira” rejeitava a concepção marxista de classe e a concepção soreliana do sindicalismo revolucionário. Rejeitava, por outro lado, o conceito unilateral dos direitos das classes, que apenas dizem respeito aos interesses econômicos, abstraindo os interesses políticos. Objetivando criar a Democracia Orgânica, a “Ação Integralista Brasileira” unia, numa mesma expressão, empregadores e empregados circunscritos a cada ramo das atividades produtivas do país. Ainda que elegendo em separado os seus representantes, empregadores e empregados formavam, relativamente a cada produção ou atividade, um bloco único e interessado na prosperidade do seu ramo. Era o começo de uma “unidade social” dentro da “unidade nacional”.
Havia, ainda, o problema inerente à nossa organização municipal e ao sistema federativo, os quais deveriam se manter íntegros, a primeira por doutrina (a autonomia como expressão das autonomias dos grupos naturais e das pessoas que compõem o município) e o segundo como imperativo histórico e conveniência evidente da administração de um país de tamanha vastidão territorial.
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A “Ação Integralista Brasileira” pretendia que cada categoria de produção ou de atividade elegesse os vereadores municipais que, por sua vez, elegeriam o prefeito, assim como o colégio eleitoral de segundo grau. Este, juntamente com outros da região, elegeriam os deputados estaduais e federais. Os deputados estaduais elegeriam o governador do Estado e os deputados federais elegeriam o presidente da República. O voto seria absolutamente técnico, rigorosamente científico, porque os que escolhem os vereadores conhecem de perto os candidatos como conhecem aqueles a quem delegam poderes para escolher os deputados às assembleias legislativas e à Câmara Federal. Por sua vez, os eleitores do terceiro grau (deputados estaduais) e do quarto grau (deputados federais) conhecem os homens do seu Estado e do País, podendo, pois, deliberar acerca de objeto de sua competência e alçada.
Ao contrário do fascismo, que dava aos grêmios da produção apenas caráter econômico, a “Ação Integralista Brasileira” (de índole democrática e antitotalitária) dava-lhes caráter não somente econômico, mas também político. E, ao contrário do liberalismo, que dilui a responsabilidade do representante eleito pelo complexo das mais variadas profissões e de interesses muitas vezes antagônicos, a “Ação Integralista Brasileira” criava a consciência da responsabilidade nos representantes parlamentares, pelo dever que se lhes impunha de pugnar pelos interesses da categoria que os elegeu.
O sistema propugnado pela “Ação Integralista Brasileira” instituía no Brasil a hierarquia das competências, suprimindo a equiparação absurda que se faz hoje do voto de um professor universitário e de um semi-analfabeto, que mal sabe assinar o nome; em consequência disso, elevava o nível mental e moral das Assembleias Legislativas e da Câmara Federal.
No âmbito do primeiro grau, poderiam e deveriam votar mesmo os analfabetos, desde que exercessem profissão honesta; nem seria justo exclui-los, pois como chefes de família e moradores do município, são partes legítimas no interesse de ver bem governada a pequena terra onde habitam. Seria uma extensão do sufrágio, mas condicionada a uma hierarquia de discernimentos.
Pretendia a “Ação Integralista Brasileira”, como cúpula da representação nacional, criar um Senado altamente expressivo da cultura e das forças vivas da Nação. Assim, em vez de senadores pelos Estados, teríamos senadores pelos Institutos Científicos, Literários, Técnicos, Artísticos, Econômicos. Por exemplo, a Ordem dos Advogados, dos Médicos, dos Engenheiros; as Academias de Letras; as Associações Comerciais, Industriais, Agrícolas; as Universidades, a Associação de Imprensa, etc. Que Senado seria esse! Que clarividente supervisor dos problemas nacionais!
Tudo isso é muito bonito, razoável, portanto, aceitável. Mas é preciso ter em vista a oportunidade histórica, a conveniência em face de circunstâncias cuja influência poderia ser desastrosa ao funcionamento do sistema.
No momento atual, a representação de classes seria perigosíssima para o Brasil. E isso porque a incúria do governo, a demagogia oficial, a inércia dos que pecaram por omissão, permitiram que o comunismo se infiltrasse de tal sorte nos órgãos de classe, que se adotássemos, de improviso, o belíssimo programa da “Ação Integralista Brasileira” entregaríamos rapidamente o Brasil à Rússia.
A doutrina integralista está certa. Um dia terá de ser praticada, não apenas em nosso país, mas em todos os países (o que será motivo de orgulho para os brasileiros, por ter ela nascido aqui, sem influências estrangeiras). Mas ela só poderá ser aplicada quando medidas legais impedirem que elementos comunistas dominem as diretorias dos sindicatos e das associações de classe em nosso país.
Se o sistema orgânico proposto pela “Ação Integralista Brasileira” pusesse o Brasil em risco se fosse imediatamente aplicado, que diremos da anunciada República Sindicalista que se pretende implantar em nosso país?
Essa República Sindicalista de que hoje se fala, pretende realizar o conúbio esdrúxulo do liberalismo democrático com o sindicalismo revolucionário. Numa palavra: criar o ambiente propício para o desencadeamento da Revolução Comunista no Brasil.
Nessa Torre de Babel, onde cada um fala o seu idioma, mas onde todos fingem entender tudo, prepara-se uma aventura que pode ter funestas consequências à vida nacional.
Não sou daqueles que negam, de modo absoluto, a existência de um jovem idealismo no Sr. Ministro do Trabalho. [1] Acredito mesmo que S. Exa. pensa o que eu também penso dos partidos políticos e da medíocre politicagem que avassala o Brasil. O Sr. Ministro é moço e a mocidade é a primeira a manifestar sinais de engulho pelas coisas velhas e cediças principalmente quando começam a apodrecer. Acredito, portanto, que não o move uma ambição vulgar, ou interesses subalternos. Mas entendo que S. Exa. não refletiu sobre o processo de desintegração de certas nacionalidades como a China e os países da Cortina de Ferro, nem rememorou os famosos dez dias que abalaram o mundo de John Reed, durante os quais ergue-se um grito muito semelhante ao que hoje se ergue no Brasil: “todo poder ao Soviete”, isto é, aos sindicatos, o que significa “todo poder aos escravizadores dos sindicatos”. Naquele tempo, ninguém sabia que os Sovietes já estavam minados pelo comunismo…
Essa República Sindicalista pode ser o primeiro ato da tragédia a ser representada em nossa História. Nessa tragédia, os atores do primeiro ato não tomarão parte nos últimos…
Nota da Edição:
[1] Refere-se a João Goulart. Futuro presidente da República, Jango assumiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio entre junho de 1953 e fevereiro de 1954, na ocasião do último governo de Getúlio Vargas.