Nos espaços históricos, do mesmo modo como nos espaços físicos, o reflexo de um pensamento subordina-se à lei que rege a propagação das ondas sonoras.

O eco é a devolução do som que encontrou um obstáculo no desenvolvimento do seu trajeto. E assim como a nota ou a frase musical, para regressar aos ouvidos dos que as escutam originariamente, exigem distância adequada, do mesmo modo o pensamento, vibrando num determinado instante da História, não encontra possibilidade de repetição e reincidência nos espíritos, caso a distância percorria seja muito pequena, ou esteja o observador muito próximo do obstáculo.

Ensinaram os físicos e a experiência nos demonstra que, percorrendo o som trinta e quatro metros num décimo de segundo, a sua repetição não poderá ser percebida se o observador se coloca a menos da metade da distância entre o ponto de emissão e o de refração. Mas, ao contrário, se o ouvinte se acha a trinta e quatro metros do obstáculo, ouve a repetição de uma sílaba, ou de uma nota musical; e se a distância é dupla, ouve duas sílabas ou duas notas; e se é tríplice, ouve três sílabas ou três notas.

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No mundo do pensamento e nos espaços históricos, dir-se-ia que a mesma lei rege os fenômenos da reflexão. O pensamento de transformação social ou política é emitido. Encontra obstáculo em tudo aquilo que ele pretende combater. É a massa concreta dos fatos sociais, dos costumes, dos hábitos, dos vícios, dos erros. Sendo, porém, a distância entre os observadores e esses obstáculos demasiadamente pequena, o eco (ou resposta favorável ao pensamento emitido) não se produz. Com o correr dos dias, estabelece-se a distância necessária e o eco (reprodução do pensamento revolucionário nos espíritos) é produzido. Entretanto, nem todos os observadores se encontram suficientemente afastados do obstáculo, para ouvir a ressonância do pensamento emitido. Outros, ouvem apenas o eco de uma ideia (não do pensamento inteiro). E os dias correm; e os observadores se afastam do obstáculo, não só no sentido do tempo, mas ainda no sentido de uma outra dimensão: a dimensão moral. E mais uma, mais duas, mais três ideias são percebidas e apreendidas. E, finalmente, de modo mais completo do que o eco físico, todo o pensamento se repete no mundo exterior.

Os que trabalham, pois, no sentido da realização de formas novas e concordantes com os novos ritmos e as novas circunstâncias criadas pelos obstáculos sociais, que são os fatos concretos de determinado momento histórico, não devem desanimar dizendo que o seu pensamento não encontrou eco. Pois o eco exige distância e a sua audiência requer colocação adequada dos observadores.

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Examinadas todas as revoluções da História, verificamos que os pensamentos transformadores da vida social precisaram de distância-tempo, sem a qual não teriam expressão na objetividade dos acontecimentos. Para só nos referirmos aos fenômenos políticos, lembraremos o processo pelo qual a República Romana transitou para as formas do Império. O pensamento inicial vibra nas guerras civis, onde Sila representa, com a aristocracia, o obstáculo que deve produzir a reflexão das novas ideias. Os que viveram aquele período não tinham distância suficiente para perceber as vibrações do pensamento de Mário refletidas no anteparo das resistências contemporâneas. Uma sílaba truncada desse pensamento transformador reproduz-se talvez na conjuração de Catilina; outra sílaba isoladamente nos discursos de Cícero, porque se o tenebroso conspirador trazia consigo a ideia da destruição de uma sociedade antiga, por sua vez Marco Túlio, nas asas da sua eloquência, exprimia a reação contra os excessos, a qual deveria conjurar-se mais tarde com as próprias ideias dos conspiradores, para a realização de uma nova República. Mas a distância era ainda pequena. Foi Júlio César que juntou a sílaba de Catilina e a sílaba de Cícero, percebendo uma terceira com que pôde compor uma frase. Mas o pensamento completo de César por sua vez encontra o obstáculo na resistência de Cássio e Bruto. O ponto de inflexão foi o assassínio de César no Senado. No entanto, nem mesmo no discurso de Marco Antônio e na sublevação do povo contra os senadores, repete-se o pensamento integral de César. Foi preciso haver distância, a distância que vai dos triunviratos à ascensão de Otávio, para que os lineamentos da estrutura imperial tomassem forma. Foi preciso que houvesse, antes disso, o choque de Farsália e a batalha de Actium.

Nem de outra maneira se processou a transformação da Grécia sob Péricles, nem nos tempos mais recentes a transformação renascentista, ou a Revolução Francesa, ou a fundação dos Estados Independentes no Novo Mundo. É o tempo, a distância que se encarregam de restituir os pensamentos um dia vibrados àqueles que os emitem. Essa restituição é parcelada. Ideias, sílabas, até que se componha a palavra-síntese.

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Estas considerações vêm a propósito da comemoração de mais um aniversário da primeira marcha dos camisas-verdes no Brasil. Já principia a haver distância para que o pensamento, por aquele fato representado, comece a ser restituído.

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No começo, algumas ideias vieram como ecos. Alguns fatos isolados coincidiram com nítidos propósitos integralistas. A ideia da Unidade Nacional e da centralização da diretriz política traduziu-se num fato aparentemente sem outra importância senão a de nova terminologia, mas na realidade expressiva de uma atitude nova: os presidentes dos Estados membros da Federação passaram a chamar-se Governadores. A ideia também de Unidade nacional, proposta pelo Integralismo quando exigia a substituição dos partidos regionais por agremiações políticas nacionais, concretizou-se em lei. A ideia da representação política dos círculos de produção, ainda que não se haja realizado, esboça-se pela coordenação da Lavoura, do Comércio das Indústrias, em entidades econômicas e socialmente representativas desses setores da vida brasileira. A reforma administrativa, delineada no Manifesto-Programa de 1936, que consubstanciou a doutrina do Manifesto de Outubro de 1932, já se operou sob certos aspectos e constitui, hoje, a grande preocupação do momento. A intervenção do estado na economia, proposta pelo Integralismo sempre que as leis naturais estivessem sendo burladas por grupos de indivíduos, ou indivíduos isolados, efetivou-se hoje, embora erroneamente, porque se tem transformado o Estado em negociante e concorrente do comércio livre; mas nem por isso deixa essa heresia de consagrar a ideia central da concepção do Estado Ético, preconizado pelos camisas-verdes. O municipalismo, que foi bandeira de grande força expressiva da Ação Integralista Brasileira, é hoje, unanimemente, aceito por todos os núcleos municipais e pelos líderes de um grande movimento que se tem manifestado em sucessivos congressos realizados no país.

Seria longo enumerar aqui a influência do integralismo na vida brasileira. E agora, que a distância do Manifesto de Outubro e da Primeira Marcha é já de vinte e cinco anos, os acontecimentos mais recentes ocorridos no país começam a despertar os espíritos e muitíssimas são as vozes insuspeitas por não provirem de pessoas que algum dia houvessem sido integralistas, a dizer, abertamente: só o Integralismo nos poderá salvar desta situação.

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Uma geração nova está surgindo. Ela se aprofunda no estudo da doutrina que um dia conduziu às ruas as legiões de camisas-verdes. Essa geração produzirá valores mentais que realizarão no Brasil o pensamento integralista.

Observando a tendência dos partidos do século XIX, no sentido de inscrever nos seus programas reivindicações de classes produtoras, e a tendência das agremiações de classe no sentido de se transformarem em órgãos de reivindicações políticas, muitas vezes repeti uma previsão que hoje vai se tornando uma realidade do nosso século. A previsão de que os partidos e as organizações de classe irão se fundir numa única expressão social e política.

E estou convencido de que este século não terminará sem que esse fato se dê. Será a realização do pensamento integralista, suprimindo a luta de classes e dando base de realidade moral e econômica às coletividades nacionais ordenadas no sentido de uma composição grupalista harmoniosa. Será o triunfo total do Espírito, que congrega, sobre a matéria que desintegra. [1] Será a Sociedade e o Homem voltados para Deus.

Lutando contra os agentes imediatos da dissolução nacional, o Integralismo, entretanto, jamais perdeu de vista os objetivos superiores de sua doutrina, da qual deriva um método de estudo e de solução dos problemas nacionais e humanos: o método segundo o qual todas as questões isoladamente propostas se correlacionam com outras, estabelecendo perfeita conexão de todas num conjunto indivisível.

As Nações chegarão a essa conclusão antes do fim deste século.

E a clarinada que soou a 23 de abril de 1933 no Planalto de Piratininga, há de constituir legítimo orgulho do Brasil e dos Brasileiros.

Nota da Edição:

[1] Explica Pe. Leonel Franca, A Crise do Mundo Moderno: “[No materialismo] a recusa que se concentra num egoísmo fechado instala a contradição no âmago da natureza humana. Contradição entre a dependência indeclinável no ser e uma independência pretendida no agir. Contradição entre o que somos e o que escolhemos. O que somos: uma pessoa ontologicamente orientada para o Infinito; o que escolhemos: uma dispersão na multiplicidade do finito. O espírito unifica; a matéria multiplica. Na sua suprema perfeição de Ato puro, o espírito é simplicidade absoluta, incompatível com o número e a divisão. Nas suas realizações finitas, mistas de potencialidade, o espírito tende, com todo o peso de sua finalidade essencial, se não à simplicidade onímoda, ao menos à unidade da ordem e da hierarquia. […] Nas relações com os seus semelhantes a recusa egoísta tende a tornar impossível a convivência social. Onde o eu se subtrai aos ditames da Verdade e do Dever erige-se em centro de gravitação incondicionada de tudo o mais. Em vez de uma fraternidade que une e solidariza, um conflito de semideuses que se entredevoram”.