COMO E PORQUE FOI LANÇADO — SUA INFLUÊNCIA DECISIVA NA POLÍTICA E NA ADMINISTRAÇÃO BRASILEIRAS

Estávamos em janeiro de 1936. A pregação da Doutrina Integralista contava já mais de três anos. O “Manifesto de Outubro” de 1932, cujas edições se contavam por centenas de milhares, servia de base aos nossos oradores nas suas constantes viagens apostolares. Mais de quinhentos mil brasileiros vestiam a camisa verde e traziam no bolso aquele documento, que era a fonte da nossa inspiração. Para tornar mais claras as suas ideias fundamentais, publicáramos uma série de postulados sob a legenda, que se tornou amplamente conhecida: “Diretrizes Integralistas”, trabalho executado em colaboração de Miguel Reale, do monge beneditino D. Nicolau de Flue Gut e submetido à apreciação do Padre Leonel Franca, S. J. Quer dizer: o pensamento filosófico do Integralismo estava nitidamente definido e por todo o país divulgado.

Em princípios de 1936, punha-se diante de nós um problema. Nos meios políticos brasileiros já se esboçava a campanha eleitoral pela sucessão presidencial. As eleições deveriam realizar-se no ano seguinte, mas já havia candidatos em potencial. Como, na realidade, não tínhamos ainda partidos nacionais (sendo a “Ação Integralista Brasileira” uma exceção), articulavam-se os Governadores dos Estados. Tínhamos de tomar posição na batalha das urnas e nos definirmos muito em breve.

A Nação, entretanto, que já conhecia a nossa doutrina, precisava conhecer nosso programa de governo. Era forçoso consubstanciar em normas práticas de administração e de política os princípios doutrinários do “Manifesto de Outubro”. Sem esse instrumento, como compareceríamos aos comícios?

Lembro-me bem daquela manhã de janeiro. Encontrava-me na Secretaria de Organização Política do nosso movimento, situada na Rua do Carmo. Conversando sobre o assunto, súbito me ocorreu uma ideia e uma decisão. Pedi uma máquina de escrever, comecei a redigir o “Manifesto-Programa”. A tarefa era fácil, pois no decorrer dos últimos anos, todos os pontos principais tinham sido discutidos pelos juristas, economistas e outros intelectuais do Integralismo e já se formara perfeita unidade de vistas entre todos.

Na tarde daquele dia, estava pronto o documento que serviria de bandeira às nossas batalhas eleitorais.

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O Manifesto-Programa de 1936 tornou-se, com o tempo, mais do que uma plataforma de candidato, porque passou a constituir um documento-fonte, do qual derivaram, no transcurso de 1937 a 1946 e, posteriormente, até nossos dias, todas as reformas que assinalam as transformações políticas, administrativas e sociais brasileiras, quer durante a Ditadura, quer na vigência do Regime Constitucional.

Ainda que nem sempre realizadas dentro do exato espírito que as ditou, as ideias dos dois Manifestos (o de Outubro de 32 e o de Janeiro de 36) venceram dominando as consciências dos legisladores e administradores do país, ao mesmo tempo suscitando movimentos em torno de alguns pontos que figuram no conjunto programático integralista como partes de um todo.

Vejamos algumas das ideias do Manifesto-Programa que se concretizaram em medidas legislativas ou governamentais e outras que se tornaram bandeiras de certas reivindicações empunhadas por lideres que jamais pertenceram ao Integralismo.

Partidos nacionais — Nas “Preliminares” do Manifesto, notávamos que éramos o único partido de âmbito nacional existente no país. A critica que então fazíamos aos partidos de caráter estritamente regional e que vinha repetida nos discursos dos nossos oradores impressionou fundamente o meio político brasileiro. Terminado o período da Ditadura, vimos triunfante essa nossa ideia, pois a Legislação Eleitoral criou os partidos nacionais. É verdade que tendo estes nascido artificialmente, nunca puderam eximir-se das influências de interesses estaduais, o que os tem prejudicado no sentido do seu funcionamento. Nosso partido não surgira em consequência de uma imposição legal; formara-se através de uma propaganda doutrinária, que gerou a consciência dos interesses superiores de nossa Pátria. Seja lá como for, nossa ideia venceu.

Municipalismo — O Municipalismo, cujos conceitos centrais se encontram no Manifesto de Outubro de 1932, concretiza-se no Manifesto-Programa em termos como estes:

“Fortalecimento econômico do Município” (alínea “a”, art. 11 do Cap. II) e “crédito aos produtores, grandes e pequenos, em todos os municípios” (art. 3 do Cap. II).

Quanto ao fortalecimento econômico do Município, foi conseguido, por iniciativa do Deputado à Constituinte de 1946, o professor Goffredo da Silva Telles Júnior, integralista da velha-guarda, uma pequena melhoria das rendas municipais, o que já representou uma vitória. O mais importante, porém, é o movimento que se desencadeou no país desfraldando a bandeira do Municipalismo, o qual aliciou personalidades ilustres, a unanimidade dos Prefeitos e das Câmaras Municipais. Os Congressos Municipalistas têm constituído acontecimentos da maior importância na vida nacional.

Energia elétrica, petróleo, riquezas minerais — O artigo 6º do Cap. II do Manifesto-Programa diz:

“Nacionalizar as minas e quedas d’água, elaborando-se um plano de aproveitamento da energia hidrelétrica e das riquezas do subsolo, a indústria siderúrgica e a da extração do petróleo e da hulha e outros combustíveis”.

Pois bem: aí temos a Petrobrás, os recentes planos de eletrificação do país, o aproveitamento de Paulo Afonso, tantas vezes lembrado nos discursos da propaganda integralista, a instalação e funcionamento de Volta Redonda. É verdade que nem sempre as realizações correspondem exatamente a certos aspectos das soluções do Integralismo, entretanto o que não se pode negar é que as ideias fundamentais do grande movimento do Sigma foram meditadas e postas em execução.

Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) — Esse órgão proveio também da inspiração do Manifesto-Programa. Como sempre, os executores de nossas ideias, ou as deturparam, ou tomam delas apenas uma parte. O art. 10 do Cap. II, daquele documento integralista, prescreve:

“Estabelecer um plano nacional ferroviário e rodoviário e de navegação fluvial, a executar-se em etapas sucessivas, visando os interesses da Defesa Nacional, do incremento da produção e do comércio interno, da unidade da Pátria.”

O que já se tem feito no relativo às estradas de rodagem demonstra o acerto da proposição do Manifesto-Programa. É necessário agora que se crie idêntico serviço para o desenvolvimento de novas vias férreas, melhoria das existentes e aproveitamento dos cursos de nossos rios.

Produtos fundamentais da economia brasileira — O artigo 14 do Cap. II propõe: “Solucionar os problemas relativos aos produtos fundamentais da economia brasileira…” “…de acordo com: a) — a direta interferência da Corporação respectiva, através seus valores técnicos; b) — os superiores interesses da Nação, colocados cada produto no quadro geral da economia do país; c) — os interesses inerentes ao próprio produtor.”

Esses problemas não foram resolvidos, mas de todos os lados se nota o anseio, o clamor de todas as entidades de classe apelando para soluções que, em ultima análise, não podem fugir daquele critério proposto pelo Manifesto-Programa. Tudo indica, afinal, que a fórmula integralista caminha no sentido de realizar-se.

Ministério da Economia — O art. 1º do Cap. II reza:

“Criar o Ministério da Economia Nacional, nele integrando o atual Ministério da Agricultura, os Departamentos de Comércio e Indústria do Ministério do Trabalho e o de Saúde do Ministério da Educação”.

Essa proposição surtiu os seus efeitos. Fala-se, hoje, com frequência, sobre a necessidade da criação do Ministério da Economia. Considerando o Manifesto-Programa o conjunto dos fatores da Economia do país, entendeu que o valor-Homem se inclui como agente decisivo da produção nacional. Nestas condições, velar pela manutenção da energia física do agente humano da produção deve ser incumbência do Ministério da Economia. Por esse motivo, destacava o departamento de Saúde do Ministério da Educação, para inclui-lo no novo Ministério. Não entenderam assim os que criaram separadamente o Ministério da Saúde. Mas, seja lá como for, o simples fato de haver sido criado este Ministério comprova a influência do Manifesto-Programa na mentalidade dos homens públicos brasileiros.

Ministério da Aeronáutica — Tendo sido o Integralismo o movimento que iniciou a grande campanha em prol da aviação no Brasil, bastando dizer que vestiam a camisa-verde os dois heróis brasileiros que foram os primeiros homens a atravessar o Atlântico num avião: o Brigadeiro Newton Braga e o piloto Ribeiro de Barros, era natural que o Manifesto-Programa encarasse o problema da navegação aérea como dos mais importantes. Assim, o art. 1º do Cap. III, propõe a criação do Ministério da Aeronáutica.

Essa ideia foi realizada.

Instituto Rio Branco, do Itamaraty — O Cap. IV do Manifesto-Programa diz no seu artigo 1º:

“Criar um Instituto anexo ao Itamaraty com funções de:

a) — manter vivas as nossas tradições diplomáticas e organizar a história diplomática do Brasil em todos os seus pormenores;

b) — estabelecer intercambio cultural com os grandes centros de civilização e criar uma ação cultural brasileira na América do Sul;

c) — formar um meio estudantil especial onde sejam recrutados e preparados elementos das carreiras diplomáticas e consular;

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d) — manter cursos de aperfeiçoamento para os quadros do Ministério das Relações Exteriores.”

Essas ideias foram também realizadas.

Imigração — O artigo 2 do Capítulo IV trata da Imigração, propondo: “Estabelecer um serviço rigoroso de estudo e verificação da influência estrangeira e da imigração.”

Aí temos o INIC. Não funciona exatamente como desejaríamos, porém torna evidente a influência da proposição do Manifesto-Programa de 1936.

Sindicalismo e Justiça Social — O capítulo VI expõe inicialmente o conceito do Integralismo sobre assistência social. Esta é considerada como um simples anteparo às deficiências de uma construção social que não assenta em base de equilíbrio. Ela será necessária para suprir as necessidades dos menos favorecidos numa ordem econômica que ainda não encontrou os lineamentos harmônicos da sua estrutura. Assim, o Integralismo, ao mesmo tempo que propugnava no período de 1932 a 1937 por uma nova organização socioeconômica da qual derivariam as consequências da representação política, também trabalhava no sentido de suprir em benefício dos pobres, as deficiências que em detrimento destes decorriam do sistema vigente.

Desse esforço resultou a ação assistencial que serviu de inspiração posteriormente à criação de entidades cuja origem não se pode negar serem procedentes da obra realizada pelo Integralismo e que são as adiante relacionadas.

Legião Brasileira de Assistência — Impedida de funcionar a Ação Integralista Brasileira, por ato de violência da Ditadura, a sua ausência restabeleceu o sofrimento dos lares humildes e desamparados. Os integralistas haviam instalado, sob a supervisão da sua Secretaria Nacional de Assistência Social, mais de mil ambulatórios médicos, alguns modelares, com suas salas de consultas, de curativos, gabinetes dentários e farmácias; mais de quinhentos lactários, que proviam as necessidades de milhares de crianças; agências de colocação e organização de cadastros. Tudo isto desapareceu com o tufão da Ditadura, mas a ideia ficou. E surgiu a LBA, não uma organização às expensas particulares do bolso dos camisas-verdes, mas amparada financeiramente pelo Estado. Quando vemos os serviços relevantes que está prestando, em tudo imitando a Ação Integralista Brasileira, até com a assistência judiciária instituída pelo movimento do Sigma, não podemos deixar de reconhecer a influência decisiva do Integralismo na vida brasileira.

SAPS — O Serviço de Alimentação e Previdência Social criado posteriormente ao período de ação do Integralismo (1932-37), é uma cópia da organização que, com os mesmo objetivos, funcionava sob a direção do Dr. Brito Pereira, Secretário Nacional de Assistência Social da Ação Integralista Brasileira, a qual, pela primeira vez na História do Brasil, lançou os restaurantes populares ao preço de um cruzeiro a refeição, para os que podiam pagar, e gratuita para desempregados, sendo eles encaminhados para o setor de colocações, que lhes arranjava emprego. É mais uma inspiração integralista que se transformou em serviço governamental.

SESI e SESC — O que o Integralismo já começara a realizar com a colaboração espontânea e voluntária de seus adeptos e simpatizantes, veio mais tarde concretizar-se nesses dois grandes serviços da Indústria e do Comércio, mediante contribuições compulsórias dos estabelecimentos industriais e comerciais. Com maiores recursos, portanto, dessas duas organizações que hoje prestam tão relevantes serviços, podemos dizer que, pelo menos, foram uma inspiração consequente do que já se esboçara na Ação Integralista Brasileira.

Alfabetização de adultos — Essa campanha foi iniciada pela Ação Integralista Brasileira que fundou cerca de três mil escolas em todo o território nacional. Hoje, de todos os lados, surgem iniciativas nesse sentido. As escolas primárias do Integralismo supriam diuturnamente as insuficiências dos governos e trabalhavam em horas noturnas ensinando a ler nosso patrícios adultos.

Mas, voltemos a alguns textos do Manifesto-Programa de 1936.

Participação dos empregados nos lucros das empresas — O Integralismo levantou pela primeira vez no Brasil a bandeira da participação dos empregados nos lucros das empresas. Mas levantou sensatamente, dentro das linhas da viabilidade, considerando os interesses da economia nacional conjugados ao estímulo dos empregados e procurando elevar a eficiência destes.

Sob a influência do Integralismo, a Constituição de 1946 consagrou o principio da participação dos empregados nos lucros das empresas, mas fez de tal modo que tornou insolúvel o problema, que até hoje se arrasta no meio de discussões estéreis e fornecendo bandeiras à demagogia eleitoral.

O Capitulo VI do Manifesto-Programa de 1936, na sua alínea e, propõe:

“garantir ao trabalhador uma retribuição proporcional à sua contribuição pessoal, ao lucro auferido pelo empregador, às necessidades da empresa e da economia nacional, às exigências normais da vida individual e familiar e às condições indispensáveis ao seu aperfeiçoamento material e espiritual”.

Esta bandeira pertence, pois, ao Integralismo. Tudo o que hoje se diz, se propõe, se discute a respeito do assunto, teve origem no Manifesto-Programa da Ação Integralista Brasileira em 1936.

Casa própria — A alínea g do Capítulo VI do Manifesto-Programa diz:

“Facilitar aos trabalhadores do campo e das cidades a aquisição da propriedade familiar, generalizando o Bem de Família pela criação de entidades públicas de cooperativismo de construção.”

Como se vê, o Manifesto-Programa de 1936 considerava o problema da casa própria nas cidades, para os operários, mas não se esquecia dos homens da roça, a cujas famílias desejava garantir, na base de uma lei agrária que viesse incrementar a produção no campo. Mas tudo era concebido segundo o conceito do Bem de Família, pois a Família sempre constituiu a base das estruturas sociais do Integralismo.

A ideia de Casa Própria, embora com realizações ainda incipientes e unilaterais, é hoje vitoriosa no Brasil.

Cinema brasileiro — Também no campo do cinema nacional a influência do Integralismo foi decisiva. O artigo 5º do Capitulo VII do Manifesto-Programa diz:

“Promoverá a criação do cinema brasileiro com forte impulso governamental, de sorte que se aproveite, ao mesmo tempo, o assunto brasileiro, a paisagem brasileira e o artista patrício, com o maior e o mais moderno rigor técnico; fiscalizará também a entrada de filmes estrangeiros, que deverão ser traduzidos em português e ter dois vistos: do Ministério da Educação, quanto à parte moral, e do Ministério das Belas Artes, quanto ao valor artístico”.

Não é preciso fazer-se grande esforço para verificar o grande impulso que se deu, de 1936 para cá, à solução desse problema, havendo já indícios de interesse governamental pela mesma.

Faculdade de Filosofia — Inadequadamente assim denominadas, instituíram-se no país as escolas destinadas à formação de professores secundários e que procuram realizar, ainda que de maneira diferente, o pensamento contido no artigo 3º do Capítulo VIII do Manifesto-Programa de 1936, o qual diz:

“Manterá, com organizações e orientações eminentemente nacionais, o ensino normal elementar destinado a formar professores do ensino primário, e o ensino normal superior, destinado a formar o magistério secundário”.

SENAI e SENAC — O capítulo VIII do Manifesto-Programa em seu artigo 6, propõe cuidar:

“…diretamente (pelo Ministério da Educação) ou através das corporações, da educação profissional do trabalhador brasileiro, de modo a dotá-lo de um maior domínio sobre os recursos do meio e de um melhor aparelhamento para a realização do seu trabalho”.

Este propósito está sendo hoje objetivado pelas obras do Senai e do Senac.

DASP — O Capítulo IX do Manifesto-Programa de 1936 em seus artigos 1, 2, 3, 4 e 5, trata do Funcionalismo Público e da Administração. O leitor poderá ler na reprodução que fazemos neste livro do importante documento integralista, tudo o que a respeito se propunha o grande movimento nacional brasileiro. E perceberá que também essas ideias se tornaram vitoriosas no país.

O Integralismo e a Imprensa — Esse capítulo do Manifesto-Programa, relido agora, evidencia a sua influência sobre a mentalidade da Imprensa no Brasil. Quando se tratou recentemente (1956) de um projeto regulando as funções dos jornalistas, o Partido de Representação Popular definiu a sua posição, propondo que em vez de uma Lei diretamente provinda da Câmara dos Deputados, deveriam as próprias associações da imprensa redigir e propor ao Legislativo o seu Código de Ética. Essa ideia foi adotada pela Associação Brasileira de Imprensa e esposada pelas personalidades mais responsáveis do jornalismo patrício. No Manifesto-Programa de 1936, não somente se propõe idêntica providência, que salvaguarda a liberdade plena do jornalista brasileiro, mas ainda se sugerem privilégios especiais aos homens que trabalham na imprensa. Esta última sugestão foi consagrada pela própria Constituição de 1946.

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Quem ler atentamente o Manifesto-Programa da Ação Integralista Brasileira e cotejar os seus capítulos e artigos com os fatos da vida nacional nestes últimos vinte anos, não poderá deixar de concluir pela certeza e afirmativa de que o Integralismo foi a maior fonte de ideias novas e o maior centro irradiador de uma influência social e política sem precedentes na História da nossa Pátria.