Como se sabe, o Integralismo surgiu num instante perigoso em que, tendo sido quebradas pela revolução de 1930 as estruturas da política brasileira baseadas nos partidos estaduais, a Nação se encontra desorientada, sem que os lideres da situação atinassem com os meios de coordenar a opinião pública para a eleição de constituintes, que deveriam produzir uma nova Carta Constitucional. Não mais existindo os dados certos a seguros da política dos Governadores que produzira o equilíbrio Nacional desde Campos Sales, o Poder Discricionário (nome com que se autodesignava) ia adiando a convocação da Constituinte. A esse tempo, proliferavam grupos ideológicos, com os mais variados nomes (Clube 3 de Outubro, Legião 5 de Julho, Legião Revolucionária, etc.), mas todos tateando à procura de uma solução.

Foi nessa oportunidade (1931) que entendi formar uma corrente esclarecida de opinião, que viesse a constituir o primeiro partido de caráter nacional em nosso país. Principiei pela doutrinação jornalística, nas colunas de um diário fundado em São Paulo pelo Dr. Alfredo Egídio de Souza Aranha e para o qual mobilizei uma plêiade de jovens de grande valor, entre os quais o hoje consagrado jurista e homem de pensamento, San Tiago Dantas.

Em duas colunas diárias, iniciei preliminarmente o estudo crítico da política brasileira desde a República, tornando claro o desenvolvimento dos fatos e das suas consequências. Valendo-me da colaboração direta do maior dos sociólogos do tempo, Oliveira Viana; de pensadores da estatura de Tristão de Ataide, de Mota Filho, de Ataliba Nogueira, de J. C. Fairbanks e outros ainda jovens, mas brilhantes, apresentei ao Brasil um tipo novo de jornal, que logo teve audiência em todos os Estados da União. Divulguei as ideias de Alberto Torres, de Farias Brito, de Tavares Bastos, de Euclides da Cunha, de Oliveira Lima, de Pandiá Calógeras, para só falar dos mortos ilustres. Examinei a vida municipal brasileira, mostrei as realidades profundas da nossa Pátria, coloquei o problema brasileiro dentro do problema mundial, tratei dos assuntos humanos universais e dos particulares nacionais. Em princípios de 1932, já o grande matutino “A Razão” formara uma corrente de opinião em todo o país. Foi quando fundei a “Sociedade de Estudos Políticos”, a 24 de fevereiro de 1932. Essa sociedade tinha por fim estabelecer os pontos já pacificamente aceitos pelos seus adeptos, elaborando os princípios que nos serviriam de base a uma ação social e política.

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Os nove princípios, que serviriam de base às atividades da “Sociedade de Estudos Políticos”, precederam sete meses o Manifesto de Outubro. Eles se encontram reproduzidos neste livro, no capítulo intitulado “Ontem como Hoje”.

Fundada a “Ação Integralista Brasileira” em 6 de maio de 1932, como simples seção da “Sociedade de Estudos Políticos”, elaborei o seu Manifesto, que não chegou a ser publicado por haver eclodido a Revolução Paulista.

Em outubro, finalmente, esse documento foi oferecido à Nação, tomando vulto a simples seção da Sociedade de Estudos Políticos, que se fez o grande movimento nacional.

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Foi o primeiro partido substancialmente nacional que surgiu no Brasil, depois de 1889. Seus oradores insistiam na necessidade da formação de correntes políticas ideologicamente definidas, constituindo partidos nacionais.

Sobreveio em 1937 a Ditadura; mas finda esta, os legisladores sentiram a forte influência do Integralismo no concernente à criação de agremiações políticas de caráter nacional. Esqueceram-se, entretanto, de que o funcionamento dessas organizações dependia, não das leis elaboradas nos gabinetes, mas de uma consciência criada à força de doutrinação, de propaganda e de atitudes exemplificadoras.

Temos tido, portanto, no Brasil, simulacros de partidos nacionais, mal se equilibrando entre as diversidades de interesses estritamente regionalistas.

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Ao se reabrirem as franquias constitucionais no país, um problema se propôs aos integralistas: como intervir e atuar na vida política brasileira? Antes de tudo, era preciso agir com inteligência.

Durante os oito anos da Ditadura, o Integralismo foi apresentado pelos jornais, pelo rádio, pelos livros, pelos discursos, como doutrina exatamente contrária aos nove princípios que reproduzi acima. Não havia possibilidade de defesa; só se publicava nos jornais e só se falava pelo rádio aquilo que a Ditadura permitia. Assim, o povo brasileiro viveu sob o domínio da mentira. E quando a Rússia Soviética se tornou aliada das Nações Ocidentais e, consequentemente, do Brasil, as mentiras sobre o Integralismo foram corroboradas pelas mais terríveis calúnias. Estrangeiros assalariados pelo DIP, como Frishauer, John Gunther, Dehilote e outros, publicavam livros em que se dizia que o Integralismo fora estipendiado pelo nazismo. Desfigurava-se todo o ocorrido nos anos de 1937 e 1938. E, finalmente, o comunismo, às soltas pelas ruas e pelas colunas da imprensa, lançou as mais hediondas calúnias contra os integralistas. Cumpria, portanto, antes de tudo, restaurar a verdade histórica. E essa verdade só uma outra organização política nacional, e nunca o Integralismo em defesa própria, poderia fazer brilhar aos olhos dos brasileiros iludidos. Por isso, fundou-se o Partido de Representação Popular (PRP), ao qual se acolheram, com numerosos brasileiros que não tinham sido integralistas, os adeptos do Sigma.

O PRP desempenhou a sua função histórica. Elegendo representantes nos âmbitos municipal, estadual e federal, estes falaram ao povo das tribunas parlamentares. Oradores ocupavam os microfones e restauravam a verdade em todo o país. Jornais se publicaram, livros se editaram e, pouco a pouco, com grande estupefação, o povo brasileiro tomava, de novo, conhecimento do que era a doutrina Integralista, do que significou a Ação Integralista.

Mas o PRP não se limitou a isso. Aproveitando-se das faculdades que a lei concede aos partidos de realizar alianças e coligações com outros, o PRP exerceu grande ação de convivência com os responsáveis e adeptos das diferentes legendas partidárias, ficando provado, praticamente, que os demais partidos consideravam-no uma agremiação perfeitamente democrática. Pelo sistema de alianças e coligações, o PRP envolveu e comprometeu partidos conservadores, do tipo do PSD e do PR; partidos liberais, do tipo da UDN; partidos reformistas do tipo do PTB; partidos populistas do tipo do PSP. Nenhum desses partidos pode hoje dizer que o PRP é um partido totalitário, nazi-fascista, extremista, como dizia a Ditadura e dizem os comunistas. Dizer o contrário seria denunciar conivências que assentariam mal aos acusadores.

Adotando essa política, o PRP viveu desde 1946 até o presente. Foram anos de esclarecimentos contra os da calúnia ditatorial.

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Chegamos agora a um momento histórico em que falharíamos à nossa missão se continuássemos a praticar a política das alianças e coligações.

O mal da Democracia Brasileira procede da incapacidade funcional dos partidos nacionais. Os interesses regionalistas, de um lado, e os interesses das facções de outro, impedem a cristalização dos pensamentos partidários em expressões de lineamentos perfeitos e resistentes.

Os homens que constituem os elementos líderes dentro de cada corrente partidária não agem malevolamente, nem por ambições subalterna, nem por vaidades pessoais. Pelo contrário, pleiteiam dentro destes as alianças com a corrente política a seu juízo mais conveniente aos interesses da causa. Procede daí a formação das alas, das dissidências, operando em sentido divergente, cada qual mais convencida de que está servindo melhor o seu partido, mas todas contribuindo para a sua desagregação e sua ruína.

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O fenômeno ocorre desde o âmbito municipal. Como se sabe, ali nada mudou. São famílias locais que disputam o mando, acobertando-se nas legendas do PSD, da UDN, do PTB, etc. Se o PRP, por exemplo, se une a alguma daquelas oligarquias locais rotuladas com a legenda deste ou daquele partido dito nacional, a seção municipal do partido encontra dificuldades em obedecer a uma composição de caráter estadual ou nacional com outro partido… Acontece, frequentemente, que se o PRP numa cidade, se liga ao PSD, por estar convencido de que os homens melhores para o governo municipal pertencem àquele partido, já numa cidade vizinha a predileção é pelos homens da UDN, ou do PTB. Forma-se, desse modo, a colcha de retalhos municipais, em cada Estado, dificultando a pilotagem do Diretório Regional, muitas vezes criando embaraços ao Diretório Nacional.

Tais fatos, que ocorrem em todos os municípios (e em relação a todos os partidos que, assim, cada qual, se vai desagregando do alto sentido de uma política ideológica), tais fatos repetem-se em maior escala nos âmbitos estaduais.

Basta relembrar as eleições de 1950. No âmbito nacional, o PRP deu o seu apoio ao Brigadeiro Eduardo Gomes, por conseguinte aliando-se à UDN no propósito de eleger aquele eminente brasileiro. Pois bem: no Estado de São Paulo, por motivos doutrinários, a seção do PRP não pôde apoiar o candidato a Governador da UDN, o Sr. Prestes Maia, coligando-se, consequentemente, com o PSP e com o PTB, na sustentação da candidatura do Sr. Lucas Garcez; no Rio Grande do Sul, já fomos adversários do PTB, apoiando com o PSD e a UDN a candidatura do Sr. Cilon Rosa, contra a do Sr. Dorneles; e se em Santa Catarina e Estado do Rio foi fácil a composição com a UDN, já em Minas essa mesma composição foi resultado de exaustivos debates, pois muitos do PRP estavam convencidos de que a melhor candidatura era a do PSD. Mas, seria longo enumerar.

O fato experimentalmente verificado é este: da divergência de opiniões derivam antipatias pessoais, resultando muitas vezes inimizades entre os lideres, o que causa a maior decepção e os mais profundos desgostos na massa eleitoral do partido.

Cada partido vai tomando, aqui e ali, as colorações da vizinhança política, de sorte que temos “udeno-pessedistas”, “pessedistas-trabalhistas”, ‘trabalhistas-pessepistas”, “pessepistas-perristas”, “perristas-udenistas”, constituindo os conglomerados de cada partido no Brasil uma irizada porta de tinturaria.

As divergências, quando são profundas, produzem as alas, ou dissidências. Ao chegar as eleições, estas pretendem fazer chapa própria, mas não tendo legendas, compram ou alugam as disponíveis. Assim, há PDC que não é PDC; PTB, que não é PTB; PTN que não é PTN, e assim por diante, como demonstrei em artigo no qual expus a situação política da Bahia.

Em face de tal panorama de desorientação e ruína política, o PRP, deve exercer a sua função histórica de partido doutrinador, fiel à tradição integralista que propõe ao Brasil verdadeiros, e não falsos, partidos nacionais. O PRP já foi chamado “partido-escola”. Ora, um partido-escola deve servir de modelo ao provo brasileiro. Um partido com as responsabilidades históricas e doutrinárias do PRP, que se usou do processo das coligações e alianças quando tinha necessidade disso, para reconquistar livre trânsito no mundo político, não pode agora continuar a fazer o que tem feito por força das circunstâncias, pois isso seria abdicar do mais alto e do mais nobre papel que lhe compete. E, longe de obter lucros eleitorais adquirindo um hábito desconforme com o seu destino histórico, pelo contrário, irá daqui por diante perdendo substância e liquefazendo-se na água régia dos costumes abastardados da vida política do país.

Não basta a teoria; precisamos da prática. Não basta a doutrina; é preciso a experiência; não bastam palavras; urge o exemplo, que imprime à propaganda das ideias um teor de escola ativa.

Mais depressa do que os líderes nacionais, compreenderam esta situação os líderes nos municípios. Um clamor se levanta no interior dos Estados, em todas as seções municipais do PRP. Eles percebem, na própria carne, o que significa, para a vida do partido, as coligações, as alianças, o apoio a candidatos, ainda os mais dignos, mas não formados na escola doutrinária do partido.

A missão dos partidos é o exercício de um magistério político. Quando todos os partidos se convencerem das palavras de Silveira Martins, ao exclamar: “ideias não são metais que se fundem”, nesse dia teremos partidos nacionais. O PRP, primeiro a pregar a necessidade dos partidos nacionais, tem de ser o primeiro a dar o exemplo de praticar uma política de caráter nacional, capaz de superar as injunções estaduais ou municipais. E essa política de caráter nacional só pode ser exercida, como foi outrora pela Ação Integralista Brasileira, numa heróica e decisiva marcha em que estarão presentes as palavras do companheiro Câmara, tão conhecidas em todo o Brasil: “quem gosta de nós somos nós mesmos”. Se nos convencermos dessa verdade veremos aumentar, crescer, multiplicar-se esse “nós”. Os desiludidos, os descrentes, os decepcionados, os inquietos, os idealistas sinceros se edificarão diante da nossa audaciosa atitude: e virão engrossar as nossas fileiras…

Não nutrimos nenhuma antipatia, nenhuma má vontade contra os eminentes brasileiros dos outros partidos; não deixaremos de respeitar os homens públicos que se candidatarem por outras correntes aos postos eletivos da Nação. Pois nenhuma desconsideração existe contra o dono da casa em que eventualmente nos hospedamos, quando lhe dizemos que desejamos ir para a nossa própria casa. Não foram outras as palavras do Patriarca José Bonifácio, ao despedir-se dos portugueses, que o cumularam de homenagens em Lisboa. “Consola-me — dizia o Andrada, — a lembrança de que da vossa parte pagueis a obrigação em que está todo o Portugal com a sua filha emancipada, que precisa de por casa, repartindo com ela de vossas luzes, conselhos e instruções”.

Em vez, portanto, de sermos desrespeitadores ou grosseiros para com os outros partidos e candidatos deles, imitemos o Patriarca, dizendo-lhe: ajudai-nos com vosso aplauso, com vossa cavalheiresca amizade, pois a posição que desejamos assumir será útil a todos os partidos e a todos os brasileiros em geral, pelo valor das lições que a experiência nossa vos facultará, no sentido de uma firme consolidação do regime democrático.