O critério adotado pela doutrina integralista na consideração dos problemas humanos inspira-se numa concepção do Universo e do Homem segundo a qual coisa alguma neste mundo pode existir sem correlação íntima com outras. Todas as coisas devem ser tomadas de um modo integral, e não isoladamente segundo um dos seus aspectos, ou segundo a própria coisa em exame.
A principiar do Homem, tomamo-lo:
- Na totalidade do seu ser, isto é, como unidade substancial de uma dualidade consubstancial (corpo e alma);
- Ligado a sua origem e a seu destino (criatura feita à imagem e semelhança de Deus e com uma finalidade em seu Criador);
- Subordinado a circunstâncias morais, sociais, econômicas e políticas.
Repelimos, pois, todos os conceitos unilaterais do Homem: o marxista, que nele apenas vê o “ente econômico”; o liberal que o concebe apenas como um indivíduo cívico-político. Não aceitamos o individualismo que isola o Homem cortando-lhe os liames que o ligam aos grupos naturais e ao conjunto da vida social, como não aceitamos o coletivismo, esse coletivismo que pretende fundir a personalidade humana na massa amorfa de uma multidão à mercê dos caprichos do Estado.
Do mesmo modo, não tomamos o Homem segundo as expressões parciais de suas atividades: a raça, a religião, a nacionalidade, a cultura, a profissão; abrangemo-lo em todas essas expressões, as quais somadas nos dão a ideia precisa do Ser Humano, como ele é, na realidade.
Não vemos, portanto, no Homem, o capitalista ou o operário; o médico, o advogado, o carpinteiro, o tecelão, o comerciante, o lavrador. O que vemos no Homem é o próprio Homem, cuja personalidade total supera a todas as suas expressões fracionárias ou circunstanciais. Cultivar o Homem Integral, facilitar-lhe a expressão e realização completa de suas facilidades e tendências vocacionais, libertá-lo das deformações profissionais, pugnar pela satisfação de suas necessidades legítimas, pelo livre exercício de seus direitos naturais, — eis tudo quanto nos exige a doutrina integralista, que não é mais do que a aplicação política dos preceitos morais do Cristianismo.
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Não quer isto dizer que, objetivando a realização plena da personalidade do Homem segundo a sua origem e seu fim último, não encaremos, analiticamente, as condições próprias de cada ser humano ou de grupos semelhantes entregues a atividades idênticas e com interesses da mesma natureza; mas essas condições vistas sob ângulos adequados à sua compreensão devem ser tomadas: 1º) — em si próprias; 2º) — em relação a outras circunstâncias que com elas se relacionam.
Quando pugnamos pelos direitos do agricultor, ou do médico, ou do metalúrgico, colocando-os no quadro geral das relações dessas atividades profissionais com outras atividades de outros grupos, ou com as atividades de conjunto da sociedade ambiente, o que estamos objetivando não é propriamente defender os interesses do agricultor, do médico ou do metalúrgico, mas do Homem que está neles.
Não separamos, consequentemente, o Trabalhador do Homem. O Homem está no Trabalhador, ou melhor, o trabalhador está no homem, porque sendo o trabalhador função do Homem, o Trabalhador é uma das expressões do Homem não podendo, pois, este ser absorvido por aquele.
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O século XIX, sendo o produto mental do racionalismo do século XVII e do naturalismo do século XVIII, e conformando as inteligências ao indispensável critério analítico do experimentalismo científico, habituou-se a considerar todos os objetos de seu estudo segundo a unilateralidade do aspecto que neles tomava. Desse modo, perdeu a noção de conjunto dos fenômenos relacionados e intimamente ligados na composição de um todo, por isso mesmo indivisível.
E não só o mundo ficou mutilado pela exclusão de Deus e o Homem pela exclusão da Alma, como todos os problemas sociais, econômicos e políticos se fragmentaram. E o que tivemos, desde os meados do século passado e começo deste, foi uma infinidade de pedaços do problema humano e não o próprio problema humano tomado na sua expressão total.
Filho desse materialismo ou desse agnosticismo comparáveis às enfermidades dos olhos determinadores de visões parciais, o socialismo dito científico engendrou, para substituir o Homem Integral, o único aspecto percebido, isto é, o Trabalhador, filho da função do Homem, e não o Homem mesmo.
A consequência prática dessa concepção parcial do Ser Humano foi todo o desenvolvimento de uma teoria feita de abstrações, que acabou desarticulando os liames vitais da Economia, pelo divórcio do Capital e do Trabalho e, mais ainda, pelo divórcio entre o Trabalhador e os grupos naturais entre eles e o da comunidade nacional ou pátria.
Por outro lado, o Capitalismo, tão materialista como o Socialismo, e tão unilateral na consideração dos problemas econômicos como os utópicos franceses ou os marxistas das várias seitas, excluiu de suas cogitações todas as regras morais que só poderiam advir de um conceito espiritualista da vida, desprezando também tanto o Homem como os grupos naturais dele provindos, e fazendo tábua rasa das Nações, cujos povos se tornaram simplesmente oficinas de produção ou mercados consumidores.
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Entre o Capitalismo desumano e o Socialismo unilateral e tendente à conclusão também desumana de completa subordinação do Homem ao Estado, continuou o seu desenvolvimento a linha do Liberalismo, que vinha desde a Revolução Francesa completamente alheio entre a competição do capital e do trabalho.
É preciso fazer distinção entre Capitalismo e Liberalismo, pois o Capitalismo serve-se do Liberalismo para expandir-se livremente, sem peias morais, do mesmo modo como do Liberalismo se serve o socialismo, para açular a luta de classes. O Liberalismo opõe-se a qualquer intervenção moral no expansionismo capitalista e na agitação socialista. Como resultado, as duas forças materialistas cada vez mais se externam, conduzindo a humanidade a uma solução catastrófica. Mas é a unilateralidade que leva hoje diversas correntes políticas preponderantes na vida das Nações a encarar o problema do Trabalho sob um único prisma desassociando-o do conjunto vital da produção, da circulação e do consumo das utilidades imprescindíveis ao Homem e sua Família. Um e outro concorrem para o encarecimento da vida, para as dificuldades do comércio entre os povos, para as restrições da importação, para o empobrecimento de muitos países, para o abandono da agricultura, para a superpovoação dos grandes centros, para a desordem social e para a decomposição moral da sociedade.
O problema do Homem, como trabalhador, está intimamente ligado ao problema econômico do seu país. E esse problema nacional jamais poderá ser resolvido, enquanto o Trabalho e o Capital continuarem a se empenhar numa luta em que ambos morrerão; aquele exigindo sucessivos aumentos de salário (e é preciso fazer justiça ao desespero de tantas famílias atormentadas pelo aumento constante dos preços dos gêneros de primeira necessidade), e este, o Capital, só cogitando da política do lucro e (verdade se diga) muitas vezes oprimido por erros governamentais danosos à economia nacional.
A demagogia socialista entrou na legislação de muitos países e, longe de melhorar a situação dos trabalhadores, agravou-a pela queda da produção, pelo encarecimento dos produtos exportáveis, pela consequente impossibilidade de importação, que se traduz em desaparelhamento do maquinário, em ausência de mecanização da lavoura, em declínio da qualidade dos produtos destinados aos mercados internos e externos, em progressivo encarecimento da vida.
A cooperação harmoniosa entre empregadores e empregados vai desaparecendo, dia a dia, por força dessa demagogia socialista, com desânimo daqueles e graves prejuízos destes. Os governos de índole socialista estimularam a animosidade entre os elementos fundamentais da produção; por outro lado, tornaram-se concorrentes da indústria e do comércio legítimos, e o Estado desceu da sua dignidade de magistrado e de supervisor, para se fazer chefe de empresas e de firmas comerciais. Foi assim que a Inglaterra caminhou para o empobrecimento, durante a vigência do Partido Trabalhista; será assim que se empobrecerão as Nações, mesmo as ainda jovens, onde tudo está a pedir os impulsos da iniciativa particular.
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Como poderemos melhorar a sorte dos trabalhadores, se não melhorarmos as condições da Nação a que eles pertencem? E como melhorar as condições da Nação, se não houver, antes de tudo, e acima de tudo, o espírito do grupo nacional, animado pela mística da Pátria? E como pode haver mística da Pátria, em corações onde não haja, como fundamento de todos os ideais superiores, a crença em Deus e nos destinos superiores do Homem?
Pois enquanto empregadores e empregados forem materialistas e não formarem de si mesmos um conceito mais alto — o próprio conceito do Homem Integral (ser físico e espiritual, corpo e alma), iluminado pela nobreza advinda de sua origem e de seu destino, não haverá noção de deveres recíprocos, e não existindo esta, impossível será toda cooperação pelo engrandecimento do Grupo Nacional de cuja prosperidade decorrem benefícios para todos.
O mundo está morrendo do mal da unilateralidade e somente se salvará quando o Homem possuir uma consciência perfeita do seu próprio ser e uma concepção integral do mundo e da vida. [1]
Nota:
[1] Ler, sobre o mesmo assunto, o texto homônimo Concepção Integralista do Trabalho.