Começou a Copa do Mundo. Após tantas justificadas divisões, o povo brasileiro volta a se reunir, tendo no coração o amor pelo Brasil. Renasce a esperança em nosso povo e nossas virtudes. O futebol, para o brasileiro, é um valor. Neste clima de entusiasmo e expectativa em que estamos todos nós, será bom lançarmos um olhar atento ao que o esporte tem a nos ensinar sobre a vida moral de cada um de nós e a ordem interna de nossa Nação. No seguinte artigo, publicado nos Diários Associados de Assis Chateaubriand em 9 de junho de 1970, sobre a Copa do tricampeonato, Plínio Salgado mostra o que o futebol representa. Que estas reflexões possam nos ensinar a viver o futebol em nossas vidas. E que o futebol recupere nossa Nação.

Sociopsicologia do Futebol

Todos nós, brasileiros, assistimos, como torcedores emocionados, o jogo Brasil x Tchecoslováquia, pelas transmissões impecáveis de imagem e som, na última quarta-feira. Como constante admirador desse esporte, ao qual me dediquei nos meus 20 anos e ao qual dei minha contribuição como repórter de A Gazeta, de São Paulo, estive com os olhos pregados na tela, vendo o desenrolar dos episódios que nos deram, no segundo tempo, a vitória.

Tenho, como recordação da juventude, uma fotografia em que figuram os comentaristas esportivos da Capital paulista: lá estou ao lado de Leopoldo Sant’Ana, que então era considerado o maior dos críticos do futebol. É natural, pois, que, após tantos anos, ainda me considere um homem do esporte, como, aliás, é também o nosso ilustre presidente da República, o General Médici.

Assistindo ao jogo de quarta-feira última, vinha eu fazendo, de mim para mim, considerações sociológicas e psicológicas sobre esse gênero de atividades esportivas, que reputo de grande valor como agente educativo de um povo.

Inicialmente, o futebol foi tipicamente expressivo do século XIX, que engendrou, na política, os partidos de esquerda, de direita, de meia esquerda e do centro. A formação de um time era o espelho da organização partidária da sua contemporaneidade. Com o advento do nosso século, cujas conclusões científicas nos levam a um sentido de correlação e de harmonia em que as diversidades se exprimem numa concepção de unidade, também o futebol evoluiu, substituindo a técnica das ações pessoais pela técnica da combinação dos movimentos. Assim, enquanto na esfera das teorias do Estado e das sociedades ainda os pensadores e políticos andam tateando, à procura de uma concepção global dos problemas, de uma visão de conjunto para deduzir soluções particulares de um conceito geral, o futebol adianta-se e nos ensina como resolver um problema do “grupo” pela cooperação das partes que o constituem.

Esse esporte ministra ensinamentos da maior importância no momento atual de confusões ideológicas, de desregramento dos costumes, de quebra do princípio de hierarquia, de um liberalismo liberticida, de desordem generalizada.

Em primeiro lugar, o quadro se submete a rígida disciplina: segue-se a técnica de uma composição de seus elementos em que, sem se impedir a ação pessoal, subordina-se esta a uma ajuda recíproca, pela tática dos passes às posições que a iniciativa individual julga mais aptas a continuar a ofensiva contra o adversário, excluindo-se toda a vaidade dos jogadores. São dois exemplos para a vida política e administrativa do país. Se seguíssemos as regras do futebol, não haveria dissonâncias entre setores da administração pública nem a demagogia de um individualismo a reclamar liberdades expressivas que atentam contra as de outros e concorrem para a decomposição da Pátria.

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Por outro lado, numa fase deprimente de imoralidade e de sexomania, na qual as famílias se desagregam e a juventude apodrece, o futebol é uma atividade limpa, direi mesmo casta, visando a fins nobres e elevados. Um moço que se dedique a esse esporte, apaixona-se pela vitória do seu quadro, esquece-se dos mórbidos atrativos dos entorpecentes, das noitadas frívolas, dos excessos e das perversões sexuais. Como a juventude de Esparta, preocupa-se pela sua boa disposição física e pela sua perfeição moral. Verifica a necessidade da disciplina, aprende a ser cooperador de seus pares e a tratar com fidalguia e cavalheirismo os seus opositores.

Tudo isso vinha eu pensando durante o jogo recente do quadro brasileiro contra o tchecoslovaco. No primeiro tempo, quando o escore marcava um empate de um a um, tive a impressão de que os nossos craques desejavam cansar o time adverso, nas suas arremetidas impetuosas. No segundo tempo, a ofensiva brasileira foi espetacular. A combinação dos nossos era exímia, destacando-se Jair, Rivelino, Tostão, Carlos Alberto e o consagrado Pelé. Ao final da partida, nossa bandeira triunfava pelo escore de 4 a 1.

Uma nota predominante durante e depois do jogo foi a manifestação do patriotismo. Em Brasília, como por certo em todas as cidades do Brasil, as populações estiveram diante da televisão ou escutando o rádio, sem perder um pormenor sequer da luta. No dia seguinte (pelo que observei na Câmara dos Deputados), não se falava noutra coisa, com vibrações de um sadio nacionalismo.

O futebol, portanto, é um elemento altamente educador: ensina costumes sãos; incute o sentido da disciplina; mostra como o individualismo é fator negativo de qualquer êxito; desperta o patriotismo. É um esporte que deve ser estimulado pelos governos e pelo povo, num país que está disposto a responder aos assaltos, aos sequestros, aos homicídios dos terroristas, à dissolvência dos costumes de uma sociedade paganizada, com o entusiasmo por uma juventude pura, idealista, capaz de influir na sua geração para que o Brasil se prestigie cada vez mais.

Plínio Salgado

Matheus Batista
Ipatinga Σ MG

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