A última pá de cal na pálida força que as Tradições ainda exercem sobre o Rio de Janeiro é lançada, agora, pela nova lei de sua Câmara Municipal, derrubando as estátuas dos “infratores dos direitos humanos”.
Percebe-se, dos autores, talvez uma incapacidade de compreender os “direitos humanos”. O direito do homem é um preceito ético, que consiste em dar a cada um o que é seu. É, assim, moral e jurídico. Respeitar os direitos humanos, ser moral e ser justo — tais os três ângulos de um só objeto. Pedir a alguém que os respeite é, pois, pedir-lhe que seja bom e justo a respeito dos homens.
O contrário, ou seja, aquele “desrespeito aos direitos humanos”, ocorre, por exemplo, sempre que mato um homem, privando-o do direito à vida, ou que lhe pago um mau salário, privando-o do direito à manutenção da vida própria e dos seus dependentes. Ser bom e justo é um preceito exigido por cada homem aos outros, em nome do que por eles lhe é moralmente devido.
Infelizmente, não se trata de preceito simples. Há muitas pessoas que não são justas, e muito mais, sem dúvida, que não são boas. Em sentido estrito, só os santos respeitaram a dignidade humana. Com efeito, só quem atingiu a perfeição da prática moral respeitou, em toda a plenitude, a humanidade dos homens, em tudo aquilo que lhes é devido essencialmente; e isso não só pela prática perfeita dos mandamentos éticos e jurídicos, como ainda pelo transbordamento da caridade — exercendo, mais do que o dar a cada um o que é seu, o dar a cada um o que é meu. Mesmo assim, muitas pessoas, sem atingirem a perfeição da ética e da justiça, deixaram, aos outros homens, um legado, em seu proveito. Este se define, sempre, como o transbordamento dos direitos naturais de que foram dotadas, cobrindo, com o seu esplendor, a máxima realização efetiva dos direitos na sociedade.
O que, afinal, está contido em um símbolo? Não, certamente, todas e cada uma das atitudes de quem é simbolizado, mas precisamente aquilo que se tem por objetivo simbolizar: um legado. É incontestável que um Duque de Caxias, como um Padre Antônio Vieira, não têm, por legado social, as “infrações aos direitos humanos”, ou os desvios em que tenham incorrido, mas o contrário: a realização do potencial humano, a obra histórica da máxima expansão das capacidades do “seu” ser humano, em servindo, precisamente, aos “outros” homens. Quem viveu por si e para si não merece a homenagem pública. Recebeu-a, pode-se imaginar intuitivamente, quem tenha entregado sua vida para o bom serviço dos outros homens. Realizaram, em suma, um conceito positivo de direitos: o da realização concreta de potencialidades humanas. Assim Caxias, ao fazer a grandeza do Brasil, e o Padre Antônio Vieira, ao fazer a grandeza das almas. Não é, imaginamos, o que se poderá dizer dos insanos autores do projeto carioca — por mais que, em seu favor, selecionem e hipervalorizem “direitos” específicos, e modalidades específicas de “infração de direitos”, como exclusivo ou predominante critério de juízo moral.
Existe, é claro, uma noção moderna, assaz específica, de “direitos humanos”, mais ou menos criada — e sucessivamente piorada — pela ONU desde 1948. Mas a lei não retroage. Não se condena alguém por uma lei que não conheceu. Reconhece-se, nos manuais, que os direitos humanos evoluíram dialeticamente; mas, deste ponto da “evolução”, pretende-se retroagir a todos os outros, como se as novas declarações de direitos humanos estivessem sempre “lançadas aí”, ab initio, para uso no cálculo moral. O sentido da concretude histórica, pelo contrário, está em, a cada momento da análise histórica, reconhecer, dentro dos condicionamentos sociais concretos em que cada homem se inseriu, a sua grandeza. Há, no homem, um sistema condicionante, bom ou mau, porém próprio, não a ele, mas à sua sociedade; felizmente, nele há também todo um potencial que é só seu, e que só ele, pela sua virtude, sua garra e sua ação, realizou e trouxe à vida. É exatamente essa plenitude de humanidade, aperfeiçoando e superando para os outros homens o que por eles lhe era exigido, que se celebra em uma estátua. Nunca, está óbvio, aquela sua possível limitação.
Mas Caxias e Vieira, os colossos, não tiveram isso contra sua grandeza. Daí, mais ainda, a insanidade da lei carioca.
Matheus Batista
Ipatinga Σ MG
Este artigo foi parcialmente lido pelo deputado Prof. Paulo Fernando na Câmara Federal.