
Um jogo que tem regras, goste-se ou não delas, deve ser norteado por elas. Isso vale obviamente para o Estado – e suas regras devem ser seguidas com especial rigor por parte daqueles que estão na direção das suas instituições. Críticas às regras são perfeitamente possíveis e, em alguns casos, muito justas. Em qualquer jogo em que haja juiz, este deve ser o primeiro observador das regras.
Se o jogo tem regras que permitem mecanismos de revisão das próprias regras, elas devem, então, ser seguidas. Nesta semana foram debatidas e votadas no legislativo brasileiro duas alterações da lei máxima vigente no Estado Brasileiro. Uma reforma, que permitiria impressão para apuração eleitoral complementar, foi recusada, ainda que com votação da maioria – a regra estabelecia que seria neste caso necessária mais do que a maioria simples. Outra alteração, relativa a regras de partidos e coligações, foi aprovada.
Já a discussão de alguns princípios doutrinários da Constituição é bastante limitada. Mas, assim como a discussão e crítica a interpretações, mesmo esta discussão de princípios não é e não pode ser proibida. Não vamos aqui levantar todos os inúmeros aspectos desta Constituição e os princípios imprecisos que ela incorporaria.
A Constituição de 88 tem “falhas de sistema”, o que acaba por permitir que dentro do Estado haja violação da própria e até mesmo violação de princípios – entre eles, foram elevadas a um grau supremo algumas ideias que, no entanto, podem variar de acordo com a interpretação. Entre os intérpretes, muito acima dos cidadãos comuns, alguns têm mecanismos de controle imediato e direto da força de violência do Estado.
Um dos líderes da elaboração da Constituição de 1988, parlamentar constituinte eleito pelo voto popular, que atuou ativamente na ocasião para permitir o equilíbrio dos poderes por meio de propostas e articulação do chamado Centro Democrático, Roberto Jefferson, acaba de ser preso. A decisão foi tomada por um juiz que não elaborou, mas se assume como intérprete da Carta e se auto-confere poderes novos, capazes até mesmo de violar não somente o texto formal como os próprios princípios da Constituição.

Roberto Jefferson em 1988, então Deputado Constituinte e uma importante liderança na Assembleia Constituinte.
A Constituição, que seria em certa medida uma reação contra o período de perseguição política, blindou o STF não somente de perseguições ilegítimas, mas de rigorosamente qualquer reforma – e até mesmo crítica. Já completa uma década de ocorrência de alterações literais, por parte da corte, do texto da Constituição. Recentemente estiveram ou estão presos, além de ativistas, um jornalista, um parlamentar e agora, o ex-parlamentar, constituinte e presidente de partido político.
O sistema, em completo e crescente desequilíbrio, permitiu na mesma semana, tanto a libertação de lideranças de ataque terrorista (nada “digital”) contra patrimônio público – sob aplausos de pessoas e organizações custeadas com dinheiro público -, quanto a prisão de quem participaria de organização virtual. As organizações que realizaram ato concreto – e não provocações ou possíveis difamações – seguem com uso livre dos meios digitais, articulados com ampla rede virtual de apoio.
A falha não é simples, não é de solução rápida. Na verdade ela está na raiz do sistema, que tem brechas que permitem desequilíbrios de forças, desequilíbrios das corporações, prejuízo da ordem e independência nacional e, especialmente neste momento, um desequilíbrio completo de força de alguns ministros do STF. Toda demora numa reforma de equilíbrio de poderes, cria campos de palha seca que favorecem incêndios espontâneos: como criou a chamada República Velha no início do século passado, e pode criar um novo tipo de velha república, com primeiro sinal mais claro observado em 2013.
Só uma reforma política profunda pode salvar o Brasil.
Lucas Carvalho
São Paulo Σ SP.