Nesta semana celebraremos, no dia 7 de setembro, a Data Magna da Nação. O povo brasileiro ignora a sua história, e não sabe o real significado da Independência. Em 7 de setembro de 1822, tivemos o fim simbólico de um longo processo de formação nacional e um capítulo fundamental da nossa missão coletiva.

Mais que a consequência de uma série de atos políticos, a Independência foi o produto natural da aspiração de uma nação, nascida e amadurecida organicamente em 3 séculos da história colonial, se moldar em um corpo político independente, e das lutas e dos sacrifícios de todas as camadas populares, seja nos campos de batalha ou na política.

Antecedentes do Império Americano

Como antecedentes dessa emancipação, temos as Revoltas de Amador Bueno em 1641, Bernardo Vieira de Mello em 1711, Felipe dos Santos em 1720, a Inconfidência Mineira em 1789 e em 1817 a Revolução Pernambucana. O Brasil já pagava seus gastos, esforçava-se só por si, sem auxílio da metrópole, e tinha uma clara consciência nacional, sabendo-se diferente dos irmãos europeus. Os brasileiros, que lutavam sozinhos as guerras e cresciam sempre mais, “já sabiam e sentiam que se achavam no mesmo nível de sua antiga metrópole”. Sabiam, igualmente, que Portugal temia sua separação. Administradores competentes, desconfiavam da destinação de seus recursos para Lisboa: “poder e meios de ação encontravam-se deste lado do oceano, enquanto honrarias e riquezas se espalhavam sobre cabeças portuguesas”. E realizavam uma crescente intervenção nos conselhos governativos de Lisboa e na direção dos negócios do reino. Acelerando o processo emancipatório, surge a transferência da corte de Portugal, invadido pelas tropas napoleônicas, para o Brasil, em 1808, fruto da genialidade política do Rei D. João VI e de uma velha ideia já defendida desde o primeiro século do Brasil como patrimônio português. [1]

Por volta de 1550, Martim Afonso de Souza aconselhava o Rei D. João III a proceder com essa iniciativa. Mais tarde, no contexto da União Ibérica, em 1580 e da Restauração em 1640, havia a ideia de se criar um novo Reino no Brasil tendo como soberanos D. Catarina e D. João IV. E em 1755, estando Portugal seriamente enfraquecido pelo terremoto de Lisboa, o então Ministro e futuro Marquês de Pombal tinha como Projeto o abandono da Europa e criação no Brasil de um novo Império. [2] Tudo isso já desmente o erro muito disseminado de que a transferência da corte foi na verdade uma fuga, fruto do pânico e da covardia das cortes portuguesas.

A chegada de D. João VI

Com a chegada da Corte e transferência da capital, situação antes jamais vista na história, sofre o Brasil uma completa reorganização em todos os aspectos, político, econômico, militar e social. Era o que precisava aquela nação nascente, em avançado processo de formação. Em seus feitos, D. João VI lançou as bases do futuro Império: deu-nos a gênese do comércio externo, indústria e primeiras fábricas, imprensa, as primeiras faculdades, política externa, o Museu Nacional e a célula da Biblioteca Nacional, conquistou a Guiana e atual Uruguai, criou a Escola de Belas Artes, o Jardim Botânico, o Banco do Brasil, a Academia Militar e um Exército organizado. Devemos a ele boa parte de nossas principais instituições nacionais. [3] [4]

Com ele, na prática, deixamos de depender de Portugal. Em 1815, isso é ratificado com a elevação do Brasil de província a Reino, unido lado a lado a Portugal. Com a sua chegada e seu recebimento festivo no Rio de Janeiro em 1808, letras iluminadas pelas ruas diziam: “América feliz tem em teu seio, no Novo Império, o fundador sublime”.

Passada as guerras e expulsos os invasores franceses, D. João VI adiou o quanto pôde sua volta para Portugal, o que para ele era sinônimo do fim de seu sossego e volta às aflições que tinha na Europa. Seu tempo de estadia no Brasil fez criar uma forte ligação sentimental com a terra, onde gozava de fartura e de paz, respeito e afeto popular, se comparado à Europa. Mas com os sentimentos portugueses cada vez mais hostis em relação ao novo Reino e a explosão da Revolução do Porto em agosto de 1820, cedeu às pressões e regressou a Portugal junto com a Corte Portuguesa em 1821, depois de 13 anos no Brasil. Deixou o Brasil com profundo pesar e chorou ao embarcar na nau que o levaria de volta a Portugal. Por sua vontade, nunca sairia do Brasil. [5] Era um brasileiro por adoção, dedicado ao Brasil que queria mais bem do que ao Reino de Portugal, e via que mais cedo ou mais tarde ultrapassaria o seu genitor. [6]

As Cortes de Lisboa contra o Brasil

O sentimento independentista era muito vivo, demonstrava dois dias antes de partir D. João VI, alertando ao seu filho, D. Pedro, que deixou como Príncipe Regente no Brasil: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum aventureiro”. [7] A tensão entre Brasil e Portugal era crescente, assim como entre brasileiros e portugueses. Em Pernambuco, o governador Luís do Rego sofria um atentado com um tiro de bacamarte, sendo obrigado a se retirar para Portugal. Na Metrópole se iniciou um movimento que buscava subjugar e colonizar o Brasil [9] entre as cortes de Lisboa, contaminadas por um liberalismo radical, anulando todo o progresso que nos deu o Rei D. João VI. Os nossos representantes em Lisboa eram desprezados, as Cortes cada vez mais exigiam maiores abusos, inclusive o esfacelamento do Brasil pelas Juntas das Cortes, e finalmente exigiam a volta do Príncipe Regente D. Pedro. O deputado Manuel Borges Carneiro falava abertamente em “subjugar e escravizar” o povo brasileiro. As Cortes mandavam e desmandavam em Portugal: o Rei, refém delas, sancionava todos os atos dos liberais radicais, temendo pela própria vida. Havia se iniciado nas províncias do Brasil a substituição dos governadores por juntas governativas. A Independência era questão de tempo. Com ou sem D. Pedro I, em todas as províncias, em todas as classes, havia a ideia firme de não permitir que a dignidade nacional fosse aviltada um palmo. A imprensa patriótica mantinha vivo o desejo autonomista, como, por exemplo, nas publicações do Padre Luís Gonçalves dos Santos. Emissários foram recolher assinaturas e petições em São Paulo e Minas Gerais para que o futuro Imperador continuasse no Brasil, e os resultados foram unânimes. Em 9 de janeiro de 1822, no Dia do Fico, D. Pedro I respondia que ficaria no Brasil “para bem de todos e felicidade geral da Nação”. A luta pela Independência já havia começado. [10] [11]

Dia do Fico

Maçons inegavelmente estiveram entre a vanguarda da Independência. Isso não torna a maçonaria menos perniciosa, mas muito menos afeta a reputação dos episódios gloriosos da Independência. A maçonaria sempre buscou se infiltrar em causas justas para pervertê-las aos seus propósitos. Disse uma grande liderança maçônica no jornal italiano Piccolo Tigre: “Sob qualquer pretexto, devemos introduzir nas lojas maçônicas a maior quantidade possível de príncipes e de homens ricos. Esses pobres príncipes trabalharão por nós, julgando trabalhar por si. Serão a isca para os intrigantes, os imbecis, a gente das cidades e os agitadores”. D. Pedro I tentou instrumentalizar a maçonaria para seus propósitos, mas tornou-se instrumento dela. Mais tarde fechou-a à frente dos seus soldados. Terminou tendo que, por articulação maçônica, abdicar em 7 de abril de 1831. [12]

A Independência se movimenta

Após o Fico, a Guarnição Portuguesa se revoltou no Rio de Janeiro sob liderança do autoritário General Avilez, demitido do Comando de Armas pelo Príncipe, que exigia o cumprimento das ordens das Cortes. As tropas portuguesas fizeram balbúrdias pelo Rio de Janeiro, incitando a reação dos brasileiros. Na Capital e nos seus arredores, em pouco tempo, brasileiros movidos por puro patriotismo se voluntariaram às armas, formando um contingente que chegava a 6 mil soldados, inclusive padres. Tentaram os portugueses um sequestro do príncipe e sua família, causando grande consternação na cidade. Prestes a se iniciar um confronto entre as tropas portuguesas no Morro do Castelo e as brasileiras no Campo de Santana, as tropas portuguesas, isoladas e sem apoio, se refugiaram em Niterói, onde, ameaçadas, cederam e embarcaram rumo a Lisboa. As tensões aumentavam cada vez mais. D. Pedro decretou o recrutamento geral de brasileiros e formação de novas Unidades Militares. Na Bahia, começava o cerco à cidade de Salvador pelas milícias das municipalidades do Recôncavo, mais tarde reforçadas por tropas enviadas da capital sob comando do General Pedro Labatut, nomeado Comandante em Chefe da Campanha da Bahia. As juntas das Províncias do Maranhão e do Pará protestaram contra o Rio de Janeiro. E assim começava a guerra pela Independência. [13]

General Avilez é expulso do Brasil por D. Pedro

Os representantes das Províncias se reuniam, e em 3 de junho era decretada a convocação da Constituinte, movimento decisivo da separação. As Cortes de Lisboa estavam obstinadas e não voltavam atrás nos seus propósitos: reforçavam a resistência na Bahia com mais tropas e armas, e buscavam condenar os representantes das Juntas por rebeldia. Finalmente, em 7 de setembro daquele ano, em viagem pelas províncias de Minas Gerais e São Paulo, recebeu o Príncipe no Campo do Ipiranga uma carta de D. Leopoldina. Aconselhado pelo Padre Belchior Ferreira, entendeu que chegara a hora e proclamou: “Independência ou morte!”.

Guerra pela Independência

O Brasil já era independente. No mesmo dia, no Teatro de São Paulo, à noite, D. Pedro era aclamado primeiro Rei do Brasil pelo Cônego Ildefonso Xavier Ferreira, curitibano. Mais tarde, em 1° de dezembro de 1822, era coroado Imperador do Brasil. Mas, para essa Independência ser consolidada, faltariam ainda muitos sacrifícios e heroísmos, faltava a vitória militar na guerra que se deu nas províncias da Bahia, Pará, Maranhão e até pela então Cisplatina. Salvador continuava sob o cerco iniciado em fevereiro do mesmo ano, em mãos dos inimigos liderados pelo arrogante Coronel português Madeira de Melo, que lá cometeram barbaridades registradas pela história, saqueando a cidade, sem poupar nem as igrejas, como ocorreu no Convento da Lapa, onde soldados portugueses arrasaram os altares e martirizaram a Soror Joana Angélica, que interveio pela vida e dignidade das outras freiras. [14] Grande parte dos habitantes havia abandonado a cidade.

Maria Quitéria

Esse teatro da guerra seria palco de muito heroísmo. O grosso das tropas era formado por voluntários, trabalhadores do sertão e do mar espalhados por vários Batalhões que ficariam imortalizados: Batalhão dos Periquitos (apelidados assim pelo seu uniforme colorido), dos Encourados de Pedrão (composto de vaqueiros reunidos pelo Frei Brayner), Libertos, Henrique Dias, dos Índios, Belonas, Mavortes, Montabrechas, Cavaleiros do Pirajá, Legião da Bahia, entre outros. Era uma união voluntária e espontânea de todas as raças e classes em defesa da dignidade nacional. Faltavam a eles o armamento e treinamento das tropas portuguesas, mas tinham total superioridade de bravura e heroísmo. E usando do mesmo tipo de guerra com que na década de 1620 os baianos liderados por Matias de Albuquerque haviam expulsado os holandeses na apelidada por eles de Guerra Brasílica, foram pouco a pouco vencendo a resistência portuguesa. [15] Entre essas tropas estava a grande heroína Maria Quitéria de Jesus, que com enorme sentimento patriótico fugiu de casa e, vestida como homem, assentou praça, lutando bravamente em vários combates, sendo mais tarde condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro e ganhando soldo de Alferes, pelo próprio Imperador D. Pedro I. [16] Em 8 de novembro, os patriotas comandados pelo General Labatut e pelo Tenente-Coronel José de Barros Lacerda venciam decisivamente os portugueses na Batalha do Pirajá, posição muito estratégica para o abastecimento de Salvador e ponto chave para o Exército Patriota naquela campanha, onde imortalizou-se o Corneteiro Lopez desobedecendo e tocando por sua iniciativa “Cavalaria, Avançar!”, que aos ouvidos portugueses chegou como um “Cavalaria, Degolar!”, fazendo com que recuassem desesperados à derrota.

Os suprimentos inimigos a partir daí se resumiram a ser recebidos pelo mar. Lisboa enviou reforços de mais de 2.500 homens, mas à Baía se antecipava a Esquadra Naval Brasileira, comandada pelo grande Almirante Cochrane, que em uma série de combates destruiu os navios portugueses. Aí o futuro Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha, tinha seu batismo de fogo, e o Tenente João das Botas faria esplêndidas façanhas navais. Salvador estava sob cerco total e a vitória era questão de tempo. A cidade despovoada perecia pela fome, os soldados portugueses estavam com a moral totalmente abalada, hostilizados constantemente pelos próprios habitantes e pelo Exército Patriota que, agora comandado pelo General José de Lima e Silva, somava em torno de 11 mil homens. Finalmente, em 2 de junho de 1823, os portugueses decidem pela retirada. A capital da Bahia é liberta dos invasores, que ainda foram perseguidos pela Esquadra de Cochrane até a foz do Tejo. O Exército Patriota, tendo à frente o General José de Lima e Silva e junto o futuro Duque de Caxias e Patrono do Exército, Luís Alves de Lima de Silva, marchava triunfalmente em Salvador. [17]

A marcha do Exército Patriota sobre Salvador

Não faltaram heroísmo e grandes sacrifícios também para a libertação da região Norte. Faltava vencer no Piauí a resistência do bravo Major Fidié. Nesse contexto, como na Bahia, houve o grande exemplo de patriotismo e civismo de brasileiros comuns, sertanejos rudes, que se voluntariaram massivamente para derrotar o invasor, liderados pelo Coronel Simplício da Silva. Fidié rapidamente marchava para sufocar a insurreição alastrada por todo o Piauí, e nos Campos do Jenipapo suas tropas se bateriam com um Exército Patriota formado por 2 mil piauienses unidos à maranhenses e cearenses. Os brasileiros derramaram seu sangue com uma bravura e um desapego sem comparações, perante uma enorme disparidade geográfica, e, mesmo derrotados, saquearam os trens de suprimentos na retaguarda de Fidié, obrigando-o a se recolher em Caxias, onde, após três meses de cerco por milhares de sertanejos comandados pelo fazendeiro cearense José Filgueiras, apelidado de “Napoleão das Matas”, capitularia em 1° de agosto de 1823. O Maranhão e o Pará, onde fervilhavam a desordem e a rivalidade entre partidos locais que futuramente gerariam a Cabanagem e a Balaiada, finalmente aderiram à Independência, respectivamente em 28 de julho e 15 de agosto de 1823. A mais longa resistência foi a do General Álvaro da Costa em Montevidéu, que com 4 mil homens resistiu por 17 meses de cerco terrestre e naval, capitulando finalmente em 18 de novembro de 1823, sendo o último baluarte militar português no Brasil. Assim terminava a guerra da independência do Brasil. [18]

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Faltava agora apenas o reconhecimento da Independência. Este foi conseguido, finalmente, em 29 de agosto de 1825, após uma longa campanha diplomática.

Na Independência desaguou nossa história

Como foi dito, a independência do Brasil foi consequência da sua evolução histórica. Toda essa sequência de eventos foi o estopim de algo inevitável. O Brasil já era uma nação, antes da Independência, formada e amadurecida em séculos de história. O que nos faltavam era as bases e a estrutura possibilitadas pelo Rei D. João VI, que foi, nesse sentido, o verdadeiro fundador do Império do Brasil, como bem pontuou o Frei Francisco do Monte Alverne. Já em 1549, marco da instalação do Governo-Geral, era notável que a troca de influências entre o português, o índio e o negro africano, esse último que agora com o estabelecimento da capital era trazido de toda a costa africana, criara uma sociedade local e tipos humanos totalmente diferentes da metrópole. Já havia uma consciência de brasilidade e de diferenciação nascente. O português, para conseguir conquistar e se manter na terra, teve que aderir a inúmeros hábitos: substituiu o trigo pela mandioca, trocou a cama pela rede, derrubava, queimava e plantava como faziam os índios, navegava nas canoas. E o sertanejo herdou todos esses costumes. Essa unidade de formação foi disseminada e consolidada por toda a terra pelo bandeirante e pelo sertanista, criando uma homogeneidade daquela sociedade mestiça, aliada à unidade política garantida pelo Governo-Geral. [19] Não tardou para essa realidade se transformar em consciência e em sentimento, já visível na literatura seiscentista, como na História do Brasil de 1627, do baiano Frei Vicente do Salvador, o “Heródoto Brasileiro”, que dizia entre os louvores que “digna é de todos os louvores a terra do Brasil, pois primeiramente pode sustentar-se com seus portos fechados, sem socorro de outras terras”, [20] e no Diálogo das Grandezas do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão, ambas de caráter até exageradamente nativista.

Mais tarde, na guerra contra os holandeses, o Brasil se levantava para expulsar o invasor e vencia sem auxílio e por ora até contra Portugal. Diziam os patriotas em carta resposta ao Rei D. João IV, que ordenou o fim da Revolta em cumprimento à trégua com a Holanda: “Não cessaremos a reação até a expulsão do invasor de Pernambuco, e somente após iremos até Vossa Majestade para pagar pelo crime de nossa desobediência”. Vitória essa da qual, em pleno século XIX, se orgulhavam os rudes sertanejos nordestinos, de acordo com o relato dos viajantes. Essa guerra é um marco na história de um sentimento e uma consciência de nacionalidade brasileira. Nas vitórias gloriosas que obtivemos nas Batalhas nasceram e se imortalizaram muitos heróis. No Compromisso da Insurreição firmado pelos patriotas em 23 de maio de 1645 se dizia: “Nós abaixo assinado, nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar em nenhum tempo, com toda a ajuda de fazendas contra qualquer inimigo na restauração de nossa Pátria…” [21]. Negros, brancos e índios se uniam fraternalmente e lutavam lado a lado com seus próprios modos, derramando seu sangue para libertar a Pátria do invasor e defender a sua Fé. Como disse José Honório Rodrigues, foram os que nasceram e se adaptaram a esta terra que expulsaram o invasor, foram eles que em quase 10 anos de luta intransigente com seus próprios esforços que salvaram o Brasil na sua unidade de origem e religião. Em carta à Holanda dizia um comandante batavo: “Apesar de sofrer quase diariamente reveses por água e ter precisão de muitas outras causas de necessidade, tais como vestuários, carne… e de estar continuamente em sobressalto, apesar de tudo isto, rejeitaram o perdão que lhes foi oferecido, nem um só veio ter conosco, e persistem obstinadamente em sua rebelião”. [22] O ânimo patriota era inabalável, relatava também Queiroz Siqueira ao Rei de Portugal restaurado: “O que não falta aos moradores do Brasil é um grande ânimo e valor para imolarem suas vidas a serviço de Deus, de Vossa Majestade e de sua Pátria, ao que estão muito dispostos e resolutos”. Reconhecia também o Coronel Waerdenburch em documento oficial: “É difícil submeter pela força um povo constituído de soldados vivos e impetuosos, aos quais nada mais falta que boa direção, e que não são de nenhum modo como cordeiros”. [23]

Batalha de Guararapes

Não há lugar mais brasileiro que o Monte Guararapes, marco simbólico do episódio que forjou a nacionalidade brasileira, não com uma criação artificial de maçons, burgueses e literários, mas com a mescla racial e com séculos de muito suor e sangue derramados para a construção do Brasil que herdamos, um grande acumulado de história e tradição que devemos defender na sua unidade e integridade, mesmo que imolando nossas próprias vidas. Mais que uma vitória militar e política, conquistamos uma Pátria. A consciência de diferenciação e o amor à terra rapidamente se converteram para a consciência de nacionalidade em formação.

O nativismo do povo brasileiro

As revoltas de Beckman, dos Emboabas e dos olindenses na guerra dos Mascates exprimiram um forte caráter nativista. O brasileiro se insurgia contra leis e políticas opressoras em benefício do reinol. Não foi o indigenismo uma criação romântica do século XIX: ele foi a continuação e o exagero da valorização literária que já havia no período colonial, fruto do orgulho que tinham as elites do litoral de sua ascendência indígena, fortemente presente. Entre eles havia os Garcia D’Ávilas, os Albuquerques, os Cavalcantes, descendentes dos primeiros povoadores do Brasil. Dizia em 1803 o Comandante de Tropas da Bahia que os pardos eram “a classe de gente a mais orgulhosa e inquieta de todo o país”. [24] Entre essa literatura temos Caramuru de Santa Rita Durão e “Uruguai” de Basílio da Gama. [25] Mais tarde, nos versos de Alvarenga Peixoto, vemos um notável sentimento ufanista, assim como na obra de Domingos Loreto Couto, Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco.

O tipo do português mascate e comerciante criou um sentimento de nativismo do natural da terra em relação ao reinol que vinha à colônia na intenção de enriquecer e voltar à Europa. Ele era chamado de “emboaba”, “maroto”, “pé de chumbo”, “bicudo”, entre outros apelidos injuriosos. Antes da Independência, registrou Saint Hilaire nas suas viagens pelo Paraná: “Parecerá extraordinário que os habitantes do distrito de Curitiba e os dos Campos Gerais, provindos, na maioria, de europeus, sem nenhuma mistura de sangue indigena, apliquem aos portugueses europeus uma alcunha injuriosa, a de ‘embuavas’: mas é preciso não esquecer que os filhos não são do país de seus pais, mas daquele em que nasceram e se educaram. Os nascidos no Brasil, de português e portuguesa, são brasileiros; amam tão pouco os europeus quanto os demais compatriotas e têm contra eles os mesmos preconceitos”. [26]

Como consequência do primeiro momento da migração imensa de portugueses de Portugal para o Brasil e seu posterior retorno, e dos brasileiros que iam se formar no Reino, levando para lá costumes e usos da terra brasileira, houve um processo de abrasileiramento em Portugal, muito catalizado com o retorno da Corte portuguesa à Europa, o que explica a rápida difusão da modinha, do fado, do lundu e cantigas brasileiras, dos azulejos ao estilo baiano, entre outros elementos. Alguns até ficaram no senso comum como sendo portugueses, a exemplo do fado, que segundo o Visconde da Pedra Branca era em 1825 desconhecido em Portugal. [27] O Brasil do século XVIII cresceu exageradamente e era opulento, determinava os rumos de Portugal. No decorrer das revoltas do século XVIII se cimentava a consciência nacional e da autodeterminação, obra que D. João VI veio concluir. Esse foi o seu grande mérito.

Independência ainda que tardia

A independência já era certa, mesmo que tardia. O Brasil já tinha alma e adquiriu conhecimento de si próprio. O Brasil era uno e homogêneo, e toda a América Portuguesa se denominou Brasil, acima dos interesses grupais e individuais e das particularidades regionais, que são para o Brasil o que são os afluentes para um grande rio, diversidades de uma mesma matriz cultural, de uma mesma unidade de origem e formação.

Foi a nossa independência feita da melhor maneira que poderia se proceder, com um príncipe, como um Novo Império na América como sonhava D. João VI, uno, independente e estável. Não se fragmentou e se desintegrou, como tristemente ocorreu na América Espanhola, não só pelo nossos gênios políticos, mas pela nossa própria unidade como povo.

Foi, portanto, o grito de 7 de setembro, o encerramento de um longo desenvolvimento e formação de consciência e identidade nacional brasileira. Era o Brasil uma nação com plena capacidade de se autodeterminar e figurar entre as outras comunidades nacionais.

Leonardo Bittencourt
Três Rios Σ RJ

Notas e referências

[1] Calógeras, Pandiá. Formação Histórica do Brasil.

[2] Idem.

[3] Santos, Luís Gonçalves dos, Padre. Memórias para servir a História do Reino do Brasil.

[4] Lima, Oliveira. D. João VI no Brasil.

[5] Calmon, Pedro. A Vida de D. João VI, o Rei do Brasil.

“…D. João se despedia — como da porção melhor da sua existência — da cidade que o abrigara carinhosamente, dos seus festivos panoramas que encontrara, há treze anos, tão vazios, e deixava tão mareados da nova civilização, da riqueza que aí distribuira”.

[7] D. Pedro I. Cartas, e mais peças officiaes dirigidas a Sua Magestade o Senhor D. João VI pelo Principe Real o Senhor D. Pedro de Alcantara.

[8] Calógeras, Pandiá. Op. cit.

“Dificilmente se poderiam manter os laços de união entre os dois reinos, tão diversas eram as mentalidades, as previsões e os recursos. Ao Brasil ele queria realmente bem, mais do que o antigo reino. Era, avant la lettre, um brasileiro, um dos melhores e dos mais dedicados à terra americana”.

[9] O Brasil não foi colônia, foi uma província subordinada ao Rei de Portugal que mais tarde foi elevada a Vice-Reino e finalmente a Reino Unido em 1815.

[10] Calógeras, Pandiá. Op. cit.

[11] Lima, Oliveira. O Movimento da Independência.

[12] Barroso, Gustavo. O Imperador e a Maçonaria, Revista O Cruzeiro.

[13] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Brasil: Lutas contra invasões, ameaças e pressões externas.

[14] Souza, Joaquim Norberto de. Brasileiras Célebres.

[15] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Op. cit.

[16] Souza, Joaquim Norberto de. Op. cit.

[17] A luta pela Independência na Bahia durou de 25 de junho de 1822 a 2 de junho de 1823 e nela se empenharam lado a lado 20.809 brasileiros das três armas, em 18 Brigadas, mais de 30 Batalhões oficiais ou populares voluntários, 97 navios com 934 canhões, contra um continente inimigo que chegou a 12 mil portugueses liderados pelo experiente General Madeira. Números de Bernardino de Souza.

[18] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Op. cit.

[19] Calmon, Pedro. História da Civilização Brasileira.

[20] Salvador, Vicente do, Frei. História do Brasil.

[21] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. As Batalhas dos Guararapes.

[22] Souza Júnior, Antônio de. Do Recôncavo ao Guararapes.

[23] Idem.

[24] Calmon, Pedro. História da Independência do Brasil.

[25] Calmon, Pedro. História Social do Brasil.

[26] Hilaire, Saint. Viagem à Comarca de Curitiba, 1820.

[27] Barros, João de. Língua Nacional.

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Auriberto Lima

Escreveu o melhor texto sobre a Independência que eu já li. Deus abençoe sempre. Anauê! ✋🏾🇧🇷

Última edição 2 anos atrás por Auriberto Lima
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