Há noventa anos foi publicada, pelo Editorial Helios Limitada, de São Paulo, uma das mais importantes e injustamente esquecidas obras não apenas do chamado Modernismo, mas de toda a Literatura Brasileira. Esta obra não é senão o romance O estrangeiro, de Plínio Salgado.
Nascido na pequena, bucólica e tradicional cidade de São Bento do Sapucaí, nas faldas da Serra da Mantiqueira, na região do Vale do Paraíba Paulista, em 1895, ao publicar O estrangeiro, no início do ano de 1926, era Plínio Salgado já um poeta e pensador de prestígio nos meios intelectuais paulistanos, sendo, ainda, um jornalista consagrado, ex-redator dos jornais A Gazeta e Correio Paulistano, ambos da Capital Paulista. Tinha colaborado, ademais, com trabalhos em prosa e em verso, em periódicos como a Revista do Brasil, de Monteiro Lobato, e as revistas Klaxon, Novíssima, O Ypiranga e A Garoa, todos da cidade de São Paulo. Antes de se mudar para a Pauliceia, colaborara, em seu pequenino burgo natal, na folha Cidade de São Bento, de que fora também diretor e que tinha Couto de Magalhães entre seus colaboradores, tendo, ainda, ali fundado e dirigido os jornais Correio de São Bento e Alvor, este último o periódico oficial do Externato São Luís, no qual lecionara diferentes disciplinas e ocupara o cargo de secretário.
O estrangeiro, ou O extrangeiro, como se escrevia naquele tempo, foi o primeiro romance escrito por Plínio Salgado que, depois dele, escreveria os romances O esperado (1931), O cavaleiro de Itararé (1933), A voz do Oeste (1934), Trepandé (1972) e O dono do mundo (1999), este último nunca terminado e publicado postumamente pelas Edições GRD, de Gumercindo Rocha Dorea. Não foi, contudo, O estrangeiro o primeiro livro de Plínio Salgado, que, antes desta magna obra, dera à estampa o opúsculo A Bélgica (1918), o livro de poemas Tabor (1919), que merecera elogios da Revista do Brasil e do Correio Paulistano, e, por fim, a obra A Boa Nova (1921), em que havia tratado de assuntos bíblicos.
Em novembro de 1921, quando já era redator do Correio Paulistano e já havia aderido, no campo literário, ao chamado Modernismo, Plínio Salgado realizou uma viagem à região da Araraquarense, acompanhando o Dr. Alarico Silveira e o Professor Guilherme Kuhlmann, respectivamente Secretário do Interior e Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo.[1] Tal viagem inspirou Plínio a escrever um belo artigo no Correio Paulistano, intitulado A terra jovem (“joven” na grafia de então),[2] e também o romance O estrangeiro, como ressaltou o próprio escritor sambentista, em entrevista dada a Silveira Peixoto.[3]
Se a ideia mestra de O estrangeiro somente se tornou definitiva no decorrer da mencionada viagem à zona da Araraquarense, o aludido romance teve sua gênese, porém, na inquietação inspirada em Plínio Salgado pela leitura de autores espiritualistas[4] como Farias Brito, Jackson de Figueiredo e Almeida Magalhães, e sadiamente nacionalistas como Euclides da Cunha e Alberto Torres.[5] Reconduzido à Fé Cristã, Católica, em fins da década de 1910, em larga medida pelo estudo das obras dos três primeiros pensadores acima citados,[6] Plínio Salgado, esse “descobridor bandeirante das essências” da Terra de Santa Cruz,[7] levantou, desde o momento de sua conversão, como assinalou Francisco Elías de Tejada, duas solidíssimas colunas: Cristo e a Nação Brasileira, combatendo “as ideias estrangeiras que corrompem o Brasil e repelem o reinado social de Jesus Cristo”, como o liberalismo, o positivismo e os totalitarismos de todos os naipes e propondo o retorno do Brasil à sua autêntica Tradição.[8]
Havendo falado em Tradição, julgamos ser relevante assinalar que a Tradição, que pode ser definida como a transmissão, a entrega constante, de geração em geração, de um patrimônio de cultura e de valores substanciais de uma Sociedade, constituindo o caráter da Nação e a medula de seu povo, não é imobilismo ou passadismo, mas sim permanência, continuidade no desenvolvimento e na renovação, como bem ponderou o pensador e poeta português António Sardinha.[9] Do mesmo modo, reputamos ser importante sublinhar que o autêntico Modernismo literário, que não pode ser confundido com outras formas de Modernismo, não se opõe à autêntica Tradição e ao verdadeiro tradicionalismo e que é este autêntico Modernismo literário o Modernismo de Plínio Salgado, que, como notou a revista Hora Presente, em texto sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 e Mário e Oswald de Andrade, sempre se voltou, em sua obra literária, para o Brasil Profundo, Autêntico e Verdadeiro e suas legítimas tradições.[10]
O estrangeiro, que é, cronologicamente, o primeiro romance social em prosa modernista e o primeiro grande romance do Modernismo Brasileiro, é, ainda, uma obra inegavelmente notável, que por si só bastaria para dar a Plínio Salgado o título de maior prosador do nosso Modernismo.
Considerado por Wilson Martins a maior realização romanesca da década de 1920, ao lado de O esperado, também de Plínio Salgado,[11] e classificado por Rachel de Queiroz como “o primeiro romance modernista”,[12] O estrangeiro teve, desde o momento de sua publicação, um sucesso verdadeiramente extraordinário. A primeira edição de tal obra se esgotou em menos de vinte dias e foi algo realmente notável o burburinho que se fez em torno do romance em toda a imprensa pátria. Como observou, neste mesmo diapasão, Genolino Amado, “raros livros suscitaram, entre nós, tanto ardor e interesse” quanto O estrangeiro. Quando o livro surgiu, houve, na Capital Bandeirante, “um reboar de palmas festivas” e “a solicitação de aplausos quase unânimes saudou a admirável criação de Plínio Salgado”. Foi, nas palavras do escritor e jornalista sergipano, “uma consagração instantânea”.[13]
Como sublinhou, anos mais tarde, Menotti Del Picchia, o grande romance de estreia de Plínio Salgado “confirmou-se como um marco renovador do romance brasileiro”, abrindo “a série das grandes obras que, num radioso renascimento de um sadio nacionalismo, escachoaram do Norte tendo na vanguarda a já histórica Bagaceira de José Américo de Almeida”.[14] Este último, aliás, escreveu a Plínio uma carta em que afirmou que depois de haver lido O estrangeiro considerara esta obra o primeiro romance, em importância, do Modernismo e resolvera reescrever totalmente o seu livro A bagaceira, que viria a ser publicado em 1928.[15]
Como bem salientou Augusta Garcia Rocha Dorea, na obra O romance modernista de Plínio Salgado, é na Tradição, no Passado Vivo, na História e nos mitos e lendas pátrios que está a realidade brasileira. Tendo consciência deste fato, Plínio Salgado procurou ressuscitar e reavivar tudo isso no coração de seus contemporâneos, despertando-os para um sadio e construtivo nacionalismo.[16]
Consoante enfatizou Francisco Elías de Tejada, a “vocação de escritor egrégio” impeliu Plínio Salgado “à literatura, mas uma literatura a serviço dos ideais de um Brasil autêntico”, tendo sido o romance O estrangeiro não apenas “uma das cumiadas da literatura brasileira”, mas também “a necessária análise sociológica” da qual nasceria “um pensamento robustíssimo, o mais brasileiro que dar-se possa”.[17] Ainda como fez notar o ilustre pensador político e jusfilósofo espanhol, ao analisar O estrangeiro, Jackson de Figueiredo apreendeu, com sua característica agudeza, o significado de tal obra, que, “acima dos seus maravilhosos méritos literários, e além do finíssimo estudo sociológico”, vem a ser “todo um programa político”,[18] constituindo-se, no dizer do próprio Jackson de Figueiredo, em “um livro de esperança e de fé” na grande Pátria Brasileira.[19]
Além dos já mencionados José Américo de Almeida, Jackson de Figueiredo, Genolino Amado e Menotti Del Picchia, que, aliás, comparou O estrangeiro a Os sertões, de Euclides da Cunha,[20] diversos outros escritores, pensadores e críticos literários de renome elogiaram o primeiro romance de Plínio Salgado, na imprensa, pouco depois de sua publicação. Dentre tais escritores, pensadores e críticos literários, podemos destacar os nomes de Agripino Grieco, Afrânio Peixoto, Tasso da Silveira, Brito Broca, Cassiano Ricardo, Augusto Frederico Schmidt, Cândido Motta Filho, Rodrigues de Abreu, Nestor Victor, Oliveira Vianna, Nuto Sant’Anna, Sud Menucci, Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima), Andrade Muricy, Francisco Pati e Monteiro Lobato. A esses justos e sinceros elogios ao romance O estrangeiro, somar-se-iam, nas décadas seguintes, os elogios, igualmente justos e sinceros, de outros grandes escritores, pensadores e críticos literários d’aquém e d’além mar, como Gerardo Mello Mourão, Jamil Almansur Haddad, Miguel Reale, Virgínio Santa Rosa, Afrânio Coutinho, Fernando Callage, Érico Veríssimo, Fernando Whitacker da Cunha, Amândio César e os já citados Wilson Martins, Francisco Elías de Tejada, Rachel de Queiroz e Augusta Garcia Rocha Dorea.
Antes de publicar O estrangeiro, já fora Plínio Salgado saudado por Menotti Del Picchia como “um dos nossos mais vigorosos pensadores que – caso raro! – vaza seu pensamento em estilo de ouro”,[21]sendo seu nome, como enfatizou o jornal A Gazeta, “um nome já bastante popularizado em nosso meio”, onde sobravam “admiradores de seu talento de exceção”. Dotado “de temperamento vibrante de artista, envergadura de profundo filósofo, inteligência sagaz, especulativa, percuciente”, tinha Plínio Salgado, segundo este jornal, fundado e então dirigido por Cásper Líbero, “firmado em nossos jornais e revistas páginas de grande valor e unanimemente apreciadas”. Portanto, grande era a expectativa que se ergueu em torno do romance, e que, como salientou A Gazeta, foi ultrapassada pelo notável livro, em que Plínio Salgado se “manifestou em toda pujança de sua atividade literária”.[22]
Tratando do romance O estrangeiro, Cândido Motta Filho observou que esta obra, por ele considerada o “livro mais feliz da atualidade”, vem a ser “a visão da pátria pelo espírito de um poeta brasileiro”.[23]Julgamos ser esta uma boa definição da primeira grande obra de Plínio Salgado, que é, em nosso sentir, o maior poema em prosa do Modernismo Brasileiro, assim como Iracema, de José de Alencar, é o maior poema em prosa do nosso Romantismo.
No jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, publicou Monteiro Lobato, a 19 de setembro de 1926, um magnífico artigo sobre Plínio Salgado e O estrangeiro, intitulado Forças novas. Em tal artigo, o autor de Urupês e Cidades mortas, tendo reconhecido que Plínio Salgado conseguiu, nas páginas d’O estrangeiro, “o milagre de abarcar todo o fenômeno paulista, o mais complexo do Brasil, talvez um dos mais complexos do mundo, metendo-o num quadro panorâmico de pintor impressionista”, ressaltou que “todo o livro é uma inaudita riqueza de novidades bárbaras, sem metro, sem verniz, sem lixa acadêmica – só força, a força pura, ainda não enfiada em fios de cobre, das grandes cataratas brutas”. E concluiu o escritor patrício o seu artigo sobre O estrangeiro e seu autor afirmando que “Plínio Salgado é uma força nova com a qual o país tem que contar”.[24]
Cassiano Ricardo, mais ilustre poeta de São José dos Campos e companheiro de Plínio Salgado na corrente verde-amarelista do Modernismo, leu O estrangeiro antes da publicação deste, tendo escrito, no Correio Paulistano, a 27 de outubro de 1925, que Plínio Salgado adotou, na referida obra, “a linguagem típica, cheia de sensações diretas, colhida na fonte do meio ambiente, numa realização integral de consciência nativa, por todas as páginas deste romance admirável que é O estrangeiro”.[25]
Em 8 de dezembro de 1925, antes ainda, portanto, da publicação d’O estrangeiro, Cassiano Ricardo assim escreveu sobre o autor de tal romance:
Plínio Salgado, na prosa brava do seu Estrangeiro, identifica os sinais da terra. E identifica a fisionomia das nossas coisas, em pinceladas diretas e largas de colorido agreste. O vestígio da gleba, que anda disperso pelas páginas do Estrangeiro, está cheio de mocidade. Cheio de virgindade e de seiva nova. Sentimos-lhe o cheiro violento através das palavras, como se o prosador formidável se houvesse servido, para expressar a manhã brasileira, de uma linguagem substantiva, selvagem, típica de raízes ainda úmidas, molhadas de orvalho e de solo nativo.[26]
Mais tarde, já depois de haver sido publicado o romance O estrangeiro, Cassiano Ricardo escreveu que o livro em questão “é uma representação simbólica do Brasil que alvorece, tateando o destino na bruma”, sintetizando “admiravelmente a paisagem física e moral da pátria”. No mesmo artigo, o poeta de Vamos caçar papagaios assim escreveu a propósito do autor de O estrangeiro:
[Plínio Salgado] é um brasileiro que conseguiu “viver” o Brasil, penetrar os recantos úmidos da terra brava, fixar-lhe os aspectos mentais, ouvir o tropel da nação vindoura, adivinhá-la nas intenções mais obscuras de mundo virgem, plasmar o tumulto da cidade babélica. Numa palavra: ser brasileiro.[27]
No mesmo sentido daquilo que asseverou Cassiano Ricardo a propósito do romancista de O estrangeiro, assinalamos, em artigo publicado no jornal Linguagem Viva, de São Paulo, que, nas páginas de O estrangeiro e dos dois romances sociais em prosa modernista que se lhe seguiram e que com ele compõem as denominadas Crônicas da vida brasileira (O esperado, de 1931, e O cavaleiro de Itararé, de 1933), Plínio Salgado se revelou o genial cronista, intérprete de uma época de dúvidas e de incertezas que, sob o signo dos mais sadios e edificadores ideais cristãos, patrióticos e nacionalistas, demonstrou ser um arguto espectador e profundo conhecedor de todas as correntes de opinião e de todos os dramas dos diferentes segmentos da Sociedade Brasileira de seu tempo. Revelou-se, ademais, dotado de formidável capacidade de compreender todos os antagonismos, bem como de alma para efetivamente sentir, sofrer e expressar, sem temor ao uso da palavra e absolutamente livre das questões de forma e de estilo, todos os complexos estados de espírito nacionais.[28] Nenhuma frase pode, com efeito, defini-lo melhor do que aquela em que assim afirmou, no início de sua obra Despertemos a Nação: “O drama de meu povo apoderou-se de mim”.[29]
Com O estrangeiro, maior romance, ou poema em prosa, modernista, Plínio Salgado conquistou o lugar de maior prosador do Modernismo Brasileiro, como Cassiano Ricardo salientou por mais de uma vez[30] e já aqui observamos. Faz-se mister assinalar, porém, que a maior obra literária de Plínio Salgado não é O estrangeiro, mas sim a Vida de Jesus, que o Padre Leonel Franca bem qualificou de “joia de uma literatura”.[31]
O estrangeiro é, como frisamos algures, uma obra em que podemos sentir o cheiro de nossa terra e que se constitui a um só tempo numa magistral exposição dos problemas que afligiam – e ainda afligem – o Brasil e o seu povo e numa profissão de fé do autor no porvir da nossa Nação.[32] É ele, como igualmente já destacamos,[33] uma crônica das vidas paulista e brasileira das décadas de 1910 e 1920, com a fixação da vida rural, da vida numa provinciana cidadezinha do interior paulista (a fictícia Mandaguari, inspirada em Monte Aprazível, na zona da Araraquarense) e da vida na grande urbe, isto é, em São Paulo. Sobre esta última cidade, guardamos na memória as seguintes palavras, estuantes de profunda poesia, do autor de O estrangeiro: “Piratininga! Cidade de ouro resplandecendo na aurora! Diadema na cabeleira verde dos cafezais! Corpo astral, invisível da cidade parda, de chaminés negras e bairros escusos…”.[34]
Em O estrangeiro, o ciclo ascendente do colono é simbolizado pelos Mondolfis, italianos que chegam da Península sem mais do que algumas trouxas de roupa e em poucos anos, com o suor de seus rostos e uma certa dose de sorte – a geada que poupa os cafezais de Carmine Mondolfi, o patriarca da família, ao passo que devasta todos os outros da região – tornam-se milionários, com fazendas de café, indústrias, ações majoritárias de uma estrada de ferro, palacete na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Capital Bandeirante, automóveis de luxo e título de “Cavaliere Ufficiale” do Reino da Itália para Carmine Mondolfi.
O ciclo descendente das tradicionais famílias quatrocentonas paulistas, por sua vez, é representado pelos Pantojos, que, grandes fazendeiros no interior, mudam-se para a Capital Paulista, onde vão residir num palacete no aristocrático bairro de Higienópolis, e, após vender a fazenda aos Mondolfis, acabam rapidamente dissipando toda a fortuna nos luxos e vícios da cosmopolita Metrópole do Café.
Zé Candinho, natural do Vale do Paraíba, é um caboclo rijo e labutador, que simboliza os novos bandeirantes, os brasileiros autênticos que, “fortes como fundadores de países”,[35] marcham pelas veredas rumo ao Oeste, ao Sertão, como haviam feito seus antepassados durante a Epopeia das bandeiras.
Nhô Indalécio representa, ao contrário, os caboclos que não têm forças para lutar, para progredir, e de “olhos morteiros, toadas monótonas nos lábios”, [36]sofrem pelas mãos dos poderosos, nacionais e estrangeiros, diante da completa omissão do Governo.
Juvêncio, o mestre-escola, é o patriota e nacionalista que leva a seus alunos – sejam eles filhos de italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, sírios ou caboclinhos e mulatinhos – uma admirável mensagem de civismo, enquanto combate o cosmopolitismo com todas as suas forças. É ele quem estrangula os papagaios que haviam aprendido a cantar o hino fascista Giovinezza e que tentara debalde “curar” no Sertão, num episódio em que Plínio Salgado manifesta claramente o seu entendimento de que as doutrinas alienígenas jamais seriam a solução para os problemas do Brasil.
Ivan, o russo ocidentalizado que se sente estrangeiro em todas as pátrias e que, nos bairros escusos de Moscou, conspirara para matar o Czar de todas as Rússias, constitui o personagem central do livro. É, como diz o autor, no prefácio em que é esquematizada sua obra, a “síntese de todos os personagens” e a “consciência de todos os males”.[37] Tendo enriquecido, tornando-se proprietário de uma fábrica no Brás, em São Paulo, o russo, por outro lado, não conseguiu se integrar ao Brasil – ao contrário dos Mondolfis e em que pese o esforço de Juvêncio – e não foi feliz no amor, de modo que termina por dar cabo da própria vida num ato trágico em que também são mortos todos os seus empregados. Como fica claro, porém, no final do livro, é Ivan um personagem fictício, criado pelo Professor Juvêncio, que dele fez o protagonista do romance que escreveu.
Major Feliciano figura o charlatanismo da política dominante no Brasil, constituindo o típico político profissional que age sempre em prol do interesse próprio e em detrimento do Bem Comum.
Por fim, Eugênio Fortes, o poeta, representa, por seu turno, o alheamento dos intelectuais, voluntariamente exilados em suas torres de marfim, em face da realidade e dos problemas de que padece a nossa Sociedade.
Fechamos o presente artigo esperando que este sirva para que mais pessoas, vencendo os preconceitos político-doutrinários ou mesmo estéticos que por ventura tiverem, conheçam a fecunda e injustamente olvidada obra literária de Plínio Salgado e, em particular, o seu romance O estrangeiro, maior poema em prosa do Modernismo Pátrio e um magnífico retrato da nossa Terra de Santa Cruz e de sua autêntica Tradição, assim como um magistral manifesto em defesa destas.
Victor Emanuel Vilela Barbuy,
Presidente Nacional da Frente Integralista Brasileira,
São Paulo, 31 de outubro de 2016-LXXXIV.
*Artigo originalmente publicado no jornal O Lince, de Aparecida-SP (Nova fase, ano 10, nº 72, nov./dez. de 2016, pp. 23-35).
NOTAS:
[1] Cf. CORREIO PAULISTANO, A viagem do sr. secretario do Interior, in Correio Paulistano, nº 20975, São Paulo, 25 de novembro de 1921, p. 4.
[2] A terra joven, in Correio Paulistano, nº 20982, São Paulo, 2 de dezembro de 1921, p. 3.
[3] In João Benedito SILVEIRA PEIXOTO, Plínio Salgado – Poeta inspirado e romancista vigoroso, in VV.AA., Plínio Salgado: “In memoriam”, volume I (autores brasileiros), São Paulo, Voz do Oeste. Casa de Plínio Salgado, 1985, p. 74. Texto originalmente publicado na revista Vamos ler!, de São Paulo, e também transcrito na obra Falam os escritores (I volume, 2ª edição, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1971).
[4] Por “autores espiritualistas” queremos significar autores que afirmam a existência de Deus e da alma imortal da pessoa humana e não adeptos do chamado espiritismo.
[5] Cf. Plínio SALGADO, na já citada entrevista que deu a SILVEIRA PEIXOTO (Plínio Salgado – Poeta inspirado e romancista vigoroso, in VV.AA., Plínio Salgado: ”In memoriam”, volume I, cit., loc. cit).
[6] Vale ressaltar que o primeiro dos três pensadores espiritualistas acima mencionados, Farias Brito, não era católico, mas suas obras influíram na conversão de muitos ao Catolicismo, incluindo entre estes os outros dois autores espiritualistas referidos (Jackson de Figueiredo e Almeida Magalhães) e o próprio Plínio Salgado.
[7] Cf. Francisco ELÍAS DE TEJADA, Plínio Salgado na Tradição do Brasil, in VV.AA., Plínio Salgado: “In memoriam!”, volume II (autores estrangeiros), São Paulo, Voz do Oeste, Casa de Plínio Salgado, 1986, p. 70.
[8] Idem, p. 52.
[9] Ao princípio era o Verbo, 2ª edição, Lisboa, Editorial Restauração, 1959, p. 10.
[10] Um vexame para a cultura brasileira, in Hora Presente, ano VIII, nº 23, São Paulo, outubro de 1977, p. 28.
[11] O modernismo, 4ª edição, São Paulo, Editora Cultrix, 1973, p. 251. Cumpre ressaltar que Wilson Martins cometeu um pequeno equívoco ao considerar o romance O esperado, escrito quase que integralmente em 1930 e publicado no ano seguinte, como uma obra da década de 1920.
[12] In A Hebraica, São Paulo, julho de 1995, p. 33.
[13] À margem de dois livros, in Correio Paulistano, n° 22.712, São Paulo, 14 de outubro de 1926, p. 2. O artigo trata dos livros O estrangeiro, de Plínio Salgado, e Raça de gigantes, de Alfredo Ellis Júnior.
[14] Plínio Salgado, o fraterno amigo, in VV.AA., Plínio Salgado: “In memoriam”, volume I, cit., p. 45.
[15] Cf. Rodrigo RODRIGUES, O Pensamento Nacionalista no Modernismo Brasileiro, São Paulo, EditorAção, 2005, p. 35.
[16] O romance nacionalista de Plínio Salgado, 2ª edição, São Paulo, IBRASA, Brasília, INL (Instituto Nacional do Livro, 1978, p. 37.
[17] Plínio Salgado na tradição do Brasil, in VV.AA., Plínio Salgado: In memoriam”, volume II, cit., p. 50.
[18] Idem, p. 51.
[19] O saci, o Avanhandava e o imperialismo pacífico, in VV.AA., Plínio Salgado: “In memoriam”, volume I, cit., p. 100. Artigo originalmente publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, a 1 de dezembro de 1926.
[20] Uma critica em estado critico, in Correio Paulistano, n° 22.754, São Paulo, 25 de novembro de 1926, p. 4.
[21] Duas estréas, in Correio Paulistano, nº 21675, São Paulo, 9 de novembro de 1923, p. 3. O artigo, que Menotti Del Picchia assinou usando o pseudônimo de Hélios, anuncia a futura publicação das obras Discurso às estrelas, de Plínio Salgado, e Vitrais, de Cândido Motta Filho. A primeira de tais obras só seria publicada em 1927 e a segunda, até onde sabemos, nunca foi publicada.
[22] O “Estangeiro” de Plinio Salgado apparece hoje em todas as livrarias, in A Gazeta, Ano XX, nº 6053, 10 de abril de 1926, p. 3.
[23] O extrangeiro de Plinio Salgado, in Correio Paulistano, nº 22547, São Paulo, 2 de maio de 1926, p. 4.
[24] Forças novas, in VV.AA., Plínio Salgado: “In memoriam”, volume I, cit., pp. 112-113.
[25] Cruzada nacionalista, in Correio Paulistano, nº 22363, São Paulo, 27 de outubro de 1925, p. 3.
[26] Nossa terra e nossa língua, in Correio Paulistano, nº 22405, São Paulo, 8 de dezembro de 1925, p. 5.
[27]O Extrangeiro, in Correio Paulistano, nº 22570, 25 de maio de 1926, p. 3.
[28] Oitenta anos de “O estrangeiro”, in Linguagem Viva, ano XVIII, nº 214, junho de 2007, p. 4. Também disponível em: http://www.linguagemviva.com.br/214.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2016
[29] Despertemos a Nação, 3ª edição, in Obras Completas. 2ª ed., vol. X, São Paulo, Editora das Américas, 1957, p. 9.
[30] O Extrangeiro, cit., loc. cit.; Renovação, in Correio Paulistano, nº 22710, São Paulo, 12 de outubro de 1926, p. 3.
[31] Carta a Plínio Salgado, Plínio SALGADO, Vida de Jesus, 22ª edição, São Paulo, Voz do Oeste, 1985, pp. IX/XI.
[32] Oitenta anos de “O estrangeiro”, cit., loc. cit.
[33] Idem, loc. cit.
[34] O estrangeiro, 8ª Ed., Desenhos de Poty, Nota de Monteiro Lobato, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1972, p. 9.
[35] Idem, p. 17.
[36] Idem, loc. cit.
[37] Idem, p. XIV.