É fácil compreender a ligação íntima que existe entre estes dois conceitos — a propriedade e a casa. No mundo moderno, a propriedade despiu-se de todos os outros valores tradicionais e intrínsecos, tornando-se um sinônimo de capital. A terra, assim, representa simples fato de negócio, como um título ou uma letra.

Nesse ambiente nasce o grande centro urbano, cuja fisionomia de hoje é o fruto da concentração do capital aliada a outros aspectos de ordem técnica, intelectual etc. E dentro do grande centro urbano, a casa coletiva evidencia claramente aquele “abuso do capital” a serviço daqueles que viram apenas o interesse particular.

O homem, nessa situação, não mais constrói a “sua” casa, mas, premido pelas circunstâncias econômicas, é obrigado a viver na casa coletiva, que, segundo os criminalistas e higienistas, é o foco principal de mortalidade infantil e de depravação física e moral, — só porque o capitalista, acossado pela concorrência de um lado e apertado pela ganância de outro, quer um operário de baixo preço, sem que lhe importe o fator “humanidade” do problema, porque só vê o lado econômico, o ponto de vista do maior lucro.

Na sua estrutura interna, estão dois comparsas do problema da casa, o proprietário e o operário; falam, como observou Waldo Frank, a mesma linguagem, são frutos da mesma desorganização da sociedade.

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O Estado moderno, que controla o capital e defende a propriedade privada, mantém, portanto, com a nova arquitetura, não só sob o ponto de vista social, mas também no plano estético, uma conexão íntima, que se traduz na supervisão do problema da casa, na sua localização em face de outros problemas, e na sua solução social, humana e justa.

Dessa necessidade de intervenção do Estado na solução desse problema, nasceu o urbanismo, cujo objetivo é “aplicar à criação e ao desenvolvimento das vilas, os princípios que comandam o futuro, pelo estudo racional das relações entre a geografia e a história econômica que determinam sua localização, e os melhoramentos sociais, técnicos, higiênicos, estéticos, por consequência construtivos que essa localização torna possíveis, e que devem assegurar sua fortuna” (M. R. de Souza).

Urbanismo e ruralismo, encarados como conceitos de ação ordenadora, são fenômenos peculiares ao Estado forte. No Estado liberal, o máximo que acontece nesse campo, são as tentativas fracassadas de boas vontades impossíveis. A prova disso temo-la nos Estados Unidos, onde um sem-número de organizações urbanísticas, como a National Municipal League, a National Conference on City Planning etc. debatem-se entre o “optional charter system” e o “home rule system”, discutem se “o negócio das cidades é governo ou o governo das cidades é negócio” (city’s business is government or city’s government is business), e não passam das iniciativas frustradas e experiências de laboratório.

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Um governo sem autoridade nunca pode executar um plano sério, porque está sempre à mercê de interesses particulares. Qualquer político influente, proprietário de reles casinholo, terá força, no Estado liberal, para desviar, por mero capricho, todo o destino de um bairro, de uma avenida, de uma cidade, ou de um “master plan”.

O Estado Forte, ao contrário, controlando eficazmente a eletricidade e os meios de transporte em geral a economia nacional; com a assistência de técnicos especializados, pode realizar a harmonia possível na distribuição do homem na cidade e no campo. Pode impor, sem restrições, condições sanitárias e de localização às fábricas, obrigando seus proprietários a facilitarem ou mesmo executarem a construção de cidades-jardins para o operário, em lugar convenientemente escolhido em relação ao corpo da cidade. Pode, enfim, impor a prática do zoning.

O controle da eletricidade pelo Estado dá-lhe força bastante para prover a distribuição das classes trabalhadoras rurais e urbanas em áreas suficientemente grandes, dotando-as de centros de diversões e instrução.

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A organização do Estado Forte na vida moderna é, pela própria condição de sua existência, um dos fatores de mais importância no problema da habitação.

Estudar a revolução na arquitetura de hoje, só sob o ponto de vista das transformações decorrentes do novo material usado, da nova técnica de construção e no processo de transporte ou subordinando somente ao critério estético, sem dar a merecida atenção aos outros dados, também reais, do problema, é incidir no mesmo unilateralismo tão peculiar ao século passado.

As conquistas de ordem material, como o concreto e a eletricidade, ao invés de servirem como elemento de escravização e degradação do homem, devem ser reduzidos ao serviço dos interesses superiores dele e das nações.

A arquitetura sempre esteve a serviço dos povos. Serviu ao Império Romano nas suas soluções monumentais. Serviu à ideia de Deus, na Idade Média, e serviu à cultura helênica na Grécia antiga. Reduzida ao serviço do capitalismo, perdeu a nobreza e elevação das coisas que vivem naturalmente para o bem da humanidade.

O Estado novo, ético, tem a missão de trazê-la novamente aos mais altos destinos.

Luís Saia
Um dos maiores arquitetos da história do Brasil, foi responsável pelos planos diretores dos municípios de Goiânia, Anápolis, Lins, Águas de Lindoia e São José do Rio Preto. Artigo publicado em A Offensiva, 16 de agosto de 1936.