Nota de Idade Nova: Em 16 de agosto de 1947, uma “passeata da fome”, constituída de donas de casa, foi levar à Assembleia Paulista um requerimento que ali foi lido pelo deputado Alfredo Farah, do PDC. Pronunciando-se a respeito do mesmo, o deputado populista Loureiro Júnior pronunciou um discurso que foi ouvido com a maior atenção, principalmente pelas galerias repletas das manifestantes. Os líderes comunistas tentaram fazer retirar a sua massa, o que não conseguiram. O discurso do deputado Loureiro Júnior foi o seguinte:

* * *

Trago meu irrestrito apoio ao apelo feito pelas senhoras que se encontram neste recinto (Muito bem!). De fato, a situação de incúria, de dificuldades imensas, que atravessa o povo, não se verifica apenas em São Paulo, mas em todo o Brasil e, talvez, em todas as partes do mundo, — situação essa que merece dos Srs. Deputados uma análise acurada, porque, na verdade, o simples protesto de senhoras perante os poderes constituídos não soluciona a crise atual. Não basta, de maneira alguma, indicarem-se os males, se não se tem o cuidado de, em primeiro lugar, perquirir suas causas, estabelecer sua origem, para em seguida dar-se-lhes o remédio adequado. E a palavra dos deputados, tenho certeza, não desiludirá nem ludibriará a massa popular.

Luís Compagnoni, à esquerda, e Loureiro Júnior, à direita

A demagogia não resolve problemas

A desilusão não virá, de nenhum modo, através de declarações negativas desta Câmara, que se encontra disposta a trabalhar pelo povo, e realizar o bem do povo, a fazer com que o progresso e o bem estar atinjam todas as camadas sociais.

Mas, também, o ludibrio não partirá de nossos lábios. É preciso acabar com os engodos das falsas soluções, na esperança única de vantagens eleitorais ou políticas. É preciso que todos saibam que almejamos a melhoria de vida de cada um, mas que, para isso, muito teremos de lutar, muitas serão as dificuldades que surgirão. Discursos pejados de falsos otimismos, não solucionam! (Muito bem!) Protestos não resolvem! (Muito bem!) Se nós descambarmos, neste instante gravíssimo da vida nacional e mundial, para o palavrório estéril, para a oratória descabida, estaremos, também, iludindo o povo, porque o de que se precisa é de um exame detalhado e seguro sobre as razões dos males que nos afligem.

Presenciamos a vinda de homens e mulheres, num sábado, a uma Assembleia, para apelar aos representantes do povo. Todos trazem uma grande angústia. Estas mulheres não deixaram, em vão, as suas casas. Por certo prefeririam, todas elas, estar ao lado de seus maridos, de seus filhos, de seus noivos, ou mesmo aproveitando em algum divertimento este fim de semana. Entretanto, aqui estão reclamando uma vida mais fácil e melhor, solicitando medidas que possam lhe assegurar uma participação maior nos benefícios da sociedade.

Mas indagamos: teremos possibilidades de resolver, prontamente, essa situação? Terá ela, solução imediata no Rio Grande do Sul, na Paraíba ou em outro qualquer Estado, isoladamente? Não. O problema é geral. E assim, sendo, a solução para esta crise não poderá sair desta Casa particularmente, e infelizmente, acrescento.

Evolução política do problema econômico

É preciso colocar-se, devidamente, os temos de retroagir e analisar as diversas fases da história da humanidade. Em todas vemos permanente, as angústias criadas pelo fator econômico. E cada época procurou, sempre, encontrar a solução devida. Dessa forma, todos os períodos tiveram a sua doutrina. Nos séculos XVIII e XIX o povo logrou alcançar as suas reivindicações políticas, de caráter democrático. Até então, o trabalhador, em geral, vivia uma vida à parte na sociedade e desejava, ardentemente, conquistar a liberdade pessoal, participar do governo e cooperar nas suas deliberações. Esses anelos foram atingidos com o advento da Revolução Francesa.

A Revolução Francesa fundava-se na doutrina do liberalismo, que deu origem à Economia Liberal. Os economistas dessa Escola achavam que as diversas atividades do homem, quer no campo social ou econômico, se não fossem submetidas à interferência indébita dos governos, tenderiam, naturalmente, a um grau de perfeita harmonia, entre si. É de onde origina aquele célebre postulado da economia liberal: laissez faire, laissez passer. Todavia, se no campo do comércio, se no campo da colocação dos produtos industriais tal conceito trouxe vantagens inequívocas, — para o trabalhador foi uma verdadeira desgraça. Deixou-o fraco e desamparado, na dependência de salários estipulados conforme os ditames da lei da oferta e da procura, que só beneficia o patrão que dita o preço da mão de obra, contratando os seus operários, livremente, sem considerar outros interesses que não sejam o de maior rendimento para o seu capital. Isso ocasionou a situação que até hoje, ainda se nos depara: a exploração dos trabalhadores pelo detentor do capital.

Quando digo capital, refiro-me ao que já perdeu o senso do respeito devido à pessoa humana, que transformou o homem em uma simples peça de máquina, servindo apenas para incrementar a produção, torná-la cada vez maior, a fim de que seu rendimento, também, cresça cada vez mais. Refiro-me ao capital que vota um desprezo sem par às classes trabalhadoras.

E o que decorreu disso tudo? Falou-se ao operário: você é livre, você tem tribunais, você vota, você não pode ser preso, você tem habeas corpus. Mas o que interessa, realmente, aos operários ninguém disse. Ninguém falou: você tem a garantia do emprego, você tem salário familiar, você tem a participação do lucro, você tem uma posição de privilégio, porque você é quem incontestavelmente, dá margem ao maior progresso da indústria e ocasiona o maior rendimento do capital.

Democracia e Trabalhismo

Dessa forma, que resultados trouxe a doutrina liberal? Os operários continuaram desamparados. E mais que tudo isso, a revolução que se fez em nome da liberdade política, por uma incongruência, foi a que proibiu a livre manifestação dos trabalhadores. Assim, logo após a Revolução Francesa, as associações de classes não mais puderam reunir-se. Vedaram-se ao operário suas associações particulares. Foi-lhe cancelado o direito de discutir seus problemas e expor suas necessidades. Nesse setor houve, portanto, um cerceamento total da liberdade.

E a grande inquietação continuou, agora sob novos aspectos. Surgiram as lutas sindicais que se estenderam por todo o século passado. Surgiu a doutrina do sindicalismo revolucionário das associações de classe, sendo que, na França e na Alemanha, as atividades nesse sentido mais se desenvolveram. E na sustentação de tais ideias o operário passou — verifiquem que o problema não é de hoje, e sim do século passado — a lutar contra a polícia que o oprimia em nome de uma vã liberdade. Foi batido, tiroteado, surrado, ferido, só porque desejava reunir-se na defesa de um melhor nível de vida, para reivindicar justa melhoria social, maior retribuição ao seu trabalho.

E essas lutas e descontentamentos, esse estado social deu lugar ao aparecimento de um doutrinador que foi célebre nos meados do século passado: Karl Marx.

De Marx a Lênin

Marx viu a exploração a que estava sujeito o operário, verificou o seu desamparo e, então, arquitetou uma doutrina que só pode ser aceita como crítica severa à economia burguesa. Trata-se porém de uma doutrina sem ineditismo, essencialmente materialista porquanto provém diretamente de Rousseau, Saint-Simon, Proudhon e Feuerbach, e indiretamente de Max Stirner, Darwin e outros. As agitações sindicais perderam o caráter de reivindicação econômica para tomar aspecto político, principalmente, quando o Marxismo sofreu a influência de Lênin.

A figura de Lênin, no cenário da Europa, modificou, assim, inteiramente as consequências previstas por Marx. Com fundamento já se afirmou que Lênin é a própria negação de Marx, porque Marx estabeleceu a evolução natural da sociedade capitalista, para atingir progressivamente o reino do Comunismo. Entretanto, vem Lênin, nega-o, e desencadeia a revolução. Inspirou-se, então, o movimento comunista, nas Réflexions sur la violence, de Sorel, da mesma forma que os fascistas da Itália e nazistas da Alemanha seguiram essa mesma doutrina em sua ação, e os processos prescritos por Curzio Malaparte em Tecnica del colpo di Stato. Assim, Sorel e Malaparte foram os mestres da atividade totalitária, na Rússia, na Itália e na Alemanha.

Dessa maneira, com a interferência política de Lênin, cresceu a maré das reivindicações sociais. Viram-se os trabalhadores, ora em greve pacífica, ora em greve violenta, enfrentar a polícia que não lhes reconhecia o elementar direito da reunião. Agravaram-se, no entanto, ao invés de diminuir, os males do trabalhador. Operários que ganhavam pouco, depois de serem espancados nas ruas, porque organizaram greves, foram para as prisões, e, em consequência, a fome invadiu seus lares. É claro: onde não há trabalho há fome e as vítimas inermes, as mais sacrificadas, nessas lutas são, incontestavelmente, as crianças e mulheres. E o problema do mundo, com a violência do comunismo, em vez de encontrar solução pacífica e definitiva, se agravou!

Pergunto: como poderemos solucionar, prontamente, as dificuldades que nos assoberbam, como poderemos atender aos justos desejos do povo de nossa terra, resolvendo esse problema que é universal e vem do fundo dos séculos? Sem uma análise detalhada, aos olhos ingênuos dos exploradores de aflições populares, parecerá fácil. Mas, para os que desejam, verdadeiramente, uma justa solução para os males sociais — o problema se revela por demais difícil e complexo. Principalmente porque se torna indispensável indagar das verdadeiras raízes das injustiças que nos atormentam.

Democracia política e democracia econômica 

É preciso reconhecer: o século passado foi o século da revolução política. Foi, sobretudo, a Revolução Francesa que possibilitou a conquista das garantias jurídicas para os cidadãos. E isso constitui, sem dúvida, um passo adiante no caminho das legítimas reivindicações. Mas a era de sua influência já passou. Tudo o que podia dar, foi dado. Hoje batemo-nos foi pelo prosseguimento da pomada. Tendo o povo já obtido o direito político, urge que atinja, agora, o direito a uma vida digna e estável na sociedade. Não basta que o homem possua apenas os direitos que correspondem à sua cidadania política. Não mais lhe interessa a democracia, unicamente sob o aspecto político. O povo quer uma democracia econômica, reclama bases de uma vida melhor para todos. Que adianta a um eleitor dizer que escolheu livremente o seu representante se para tal fim chegou ao colégio eleitoral em bondes apinhados, com seu espírito conturbado pelas necessidades domésticas e o pensamento aturdido por mil empecilhos de ordem econômico-financeira que lhe embaraçam a vida, enquanto na mesma urna votam outros, possuidores de ricos cabedais, que vieram trazidos por caríssimos automóveis de luxo para praticar tal direito com o esnobismo de quem aposta em corridas de cavalo? Que igualdade é essa onde alguns permanecem submergidos num luxo nababesco enquanto outros se afligem sob o guante opressor de todas as penúrias?

Este antagonismo, esta incongruência, este desequilíbrio, esta situação dolorosa é que devemos solucionar. De que forma?

Há um país que pretende ter feito a revolução social. Peço agora, aos meus ilustres colegas, os Srs. Deputados Comunistas, que não atribuam às minhas palavras qualquer empenho em menosprezá-los ou um desígnio preestabelecido de forçar o confronto de duas doutrinas. Não. Nenhum desses propósitos me movem. Pretendo, apenas, expender uma crítica imparcial. Falo, por isso, sem nenhum partidarismo. Não quero, outrossim, visar ninguém, destruir quem quer que seja, combater qualquer partido político. Almejo mostrar aos que me ouvem, homens, senhoras e moças que aqui se encontram a enorme dificuldade de se resolver a questão social. Mas espero firmar a certeza de que estamos decididos a tentar todos os esforços para atingir esse objetivo comum.

Na Rússia não há liberdade

Há, como dizia, um país que enfrentou a revolução social. Refiro-me à Rússia soviética. Mas, de que modo operou essa revolução? Todos nós o sabemos mas, para esclarecer melhor, é bom recapitular: o fundamento da doutrina bolchevista é o postulado de que a propriedade privada é o mal gerador de todas as dificuldades sociais. Afirmam os doutrinários comunistas que uma vez superado o princípio da propriedade privada, reinará a ordem, a liberdade esplenderá e será possível atingir-se a harmonia social. Mas o que, de fato, acontece? No regime capitalista burguês, de verdadeiro desamparo social, o operário não é protegido, na verdade, como deveria ser. Mas, se o trabalhador recebe salário baixo e injusto, tem no entanto liberdade de não se conformar com esse estado de coisas e querendo obter melhor remuneração da fábrica, se desemprega, procura outra fábrica, muda de serviço, adquire nova atividade. Na Rússia, todavia, foi abolida a liberdade individual juntamente com a propriedade privada. Declarou-se: a propriedade privada é crime. Mas, suprimindo-se em consequência, a liberdade individual, o que se verificou? Para se libertar uma classe escravizou-se o homem. Desse modo, se o operário não está satisfeito com o salário que percebe (se é que se pode falar em salário no regime russo) é obrigado a se conformar, mesmo a contragosto, porque se acha mobilizado para o trabalho que desempenha. Será esta a solução almejada? Por esse meio ficariam vencidas as preocupações e dificuldades que cruelam o operariado?

Filas e racionamentos na Rússia

Asfixiado o regime comunista toda a liberdade, pergunto: poderemos em sã consciência, aplaudi-lo? Nós todos, as senhoras e senhores que nos ouvem, os meus ilustres colegas, reclamamos sempre qualquer sistema de racionamento. Indago: desejamos para o Brasil um regime em que até os gêneros da necessidade sejam sempre racionados, independente de situações econômicas anômalas ou não, como acontece na Rússia? Em que a mulher seja impedida de escolher sequer um vestido para a sua toilette, não como consequência da anormalidade dos dias atuais mas devido a resoluções tomadas por outros fundamentos bem antes do início desta última guerra? Queremos o estudo, a educação também a cargo do Partido Único que seleciona as crianças mais aptas e em melhores condições para esse aproveitamento, tendo em vista os serviços por elas já prestados na organização partidária denominada Juventude Comunista? Queremos essas racionadas, com famílias e famílias vivendo numa promiscuidade desoladora, sem nenhuma ligação de sangue, nenhum laço de sentimento entre si, apenas porque o Estado proclama que esse congestionamento de criaturas numa só moradia, visa o bem da coletividade?

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Tenho a certeza de que não. As senhoras que se encontram neste recinto ostentando cartazes com dísticos referentes à liberdade e à democracia, contra o racionamento, favoráveis a construção de casas próprias para operários, ao barateamento dos gêneros de primeira necessidade, ao ensino gratuito e obrigatório às crianças — aspirações essas perfeitamente compreensíveis e justificáveis — as senhoras repito não podem aspirar um regime em que o Estado é o único patrão, em que o Estado é o único proprietário, em que o Estado é o senhor onipotente e absoluto. As senhoras não podem pleitear um regime onde tudo faz racionado e dirigido, não só a vida política através de um Partido Único, mas toda a vida econômica e financeira do país, mediante a adoção de burocráticos planos quinquenais que não foram democraticamente aprovados pelo povo, o qual jamais foi consultado se aceitava ou não esses planos traçados pelas autoridades administrativas.

Nossa esperança: uma Democracia Cristã

Dessa forma, reafirmo e tenho a certeza de que, nesse ponto, interpreto o pensamento de uma grande maioria dos senhores deputados, apesar de não estar credenciado por nenhum nem ser procurador de quem quer que seja, — aos que em nós confiam que tudo faremos para resolver os problemas submetidos à nossa apreciação: Mas é preciso ter paciência e coragem para vencer dificuldades da hora presente que são sem conta. Ludibriaria quem afirmasse o contrário, acenando ao proletariado a bandeira das fáceis soluções. Nós, entretanto, não pretendermos prometer em vão nem desejamos organizar para o operariado brasileiro e para as famílias cristãs de nossa terra, um regime de racionamento em que tudo é orientado, feito e dirigido por um Estado totalitário, suserano e absorvente. Nós pugnaremos pelas conquistas econômicas que não firam o respeito devido à pessoa humana. Este objetivo, contudo, não pode ser alcançado, por inteiro em São Paulo, nesta Casa, porque não é da competência desta Assembleia legislar livremente sobre o assunto em foco. Porém, num dia que esperamos próximo, o Brasil alcançará tudo o que almejamos ao realizar a verdadeira Democracia. É por ela que combatemos! Um dos objetivos mais imediatos da nossa luta, pois o julgamos o início da resolução dos angustiosos contrastes sociais, é o salário familiar, isto é, cada trabalhador ganhando o suficiente para manter com decência e dignidade sua prole. O seu trabalho precisa render o suficiente para a manutenção da sua família. Mas isso somente não basta. É outrossim, justa e recomendável a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. Argumentamos: se o operário labuta o dia todo e faz ainda serão para que o produto de seu trabalho dê um rendimento X ou Y, é justo que esse trabalhador receba apenas em recompensa um salário mínimo que sequer lhe assegura o indispensável ao pagamento das reduzidas despesas de sua desamparada família? Não! Cada um deve perceber na base do rendimento líquido de seu trabalho. O regime de igualdade de salário vem ainda favorecer o menos ativo. O que produz pouco e trabalha mal ganha tanto quanto o que se esforça e produz melhor. Dessa maneira o aconselhável, além do salário equivalente à capacidade e ao esforço de cada um, será a participação efetiva do trabalhador no lucro líquido das empresas. É, ainda, indispensável se estabelecer o sistema de seguro social, nas suas diversas modalidades: seguro para as doenças, invalidez, velhice e demais formas recomendáveis.

Teremos, assim, resolvido em parte o problema do trabalhador quando o Estado efetivar essas inovações e outras de caráter subsidiário. Quando o Estado tornar-se nitidamente anti-burguês-capitalista e antitotalitário. Antiburguês e anticapitalista, porque o Estado burguês e capitalista é o Estado da opressão das classes trabalhadoras pelas classes que dominam o capital. Antitotalitário porque o Estado totalitário, mormente o marxista, escraviza todas as classes a um só patrão soberano. É o Estado instrumento do Partido Único, a entidade que pensa, que raciocina e que domina a Nação. Nós batalhamos pela verdadeira democracia.

A mulher no mundo burguês e no mundo soviético 

Ambicionamos superar o regime das desigualdades políticas e sociais. Não é justo que, por exemplo a minha mulher e a dos meus preclaros colegas ou outras senhoras quaisquer, possam permanecer tranquilas e despreocupadas em suas casas, presas aos atrativos domésticos, enquanto uma enorme maioria de esposas é forçada a abandonar, horas a fio, os lares, os filhos, os cuidados mais legítimos para ir ganhar numa fábrica parte da exígua quantia que a manutenção de sua necessidade familiar exige. Marido e mulher saem cedo, no frio e na chuva, a pé ou numa condução superlotada, de mínimo conforto, para conquistar o direito de uma vida medíocre no maior desamparo. É, principalmente, para a solução desse aspecto do problema social que urge o salário familiar. Ele trará para a mulher a igualdade democrática a que tem direito. É preciso que a mulher volte para o lar. É preciso que a mulher reassuma o seu papel de mãe e esposa. É preciso que a mulher readquira o conceito cristão da família, do qual, dia a dia, vem se afastando. Nós não desejamos a mulher para o regime do amor livre, metamorfoseada em máquina de procriar crianças, transformada em guerreira da revolução internacional. Nós almejamos a mulher sentimento, a que não se desvia das finalidades inerentes ao seu sexo. Não aprovamos a escravização das crianças nas creches governamentais onde se as crias e educa nos moldes exigidos para o ingresso posterior nos exércitos partidários.

A mulher no mundo cristão

Estamos de acordo nisto: é justo que as mulheres levantem bem alto o símbolo de suas reivindicações; é justo que as mulheres lutem por um melhor nível de vida. Mas é preciso que homens e mulheres, não se desviem do seu verdadeiro caminho, natural e racional, e passem a batalhar por um regime que transforma a mulher em máquina de procriar e a criança em instrumento futuro de opressão.

Não! É necessário dar a cada mulher a possibilidade de ter o seu lar, a cada criança o direito de ir à escola e vencer devido à sua exclusiva capacidade e ao fulgor de sua inteligência. É necessário garantir ao trabalhador o salário familiar que merece e precisa; é necessário assegurar-lhe o porvir com os benefícios de amplo seguro social.

Temos de enfrentar e vencer todos os patrões retrógrados, mesmo quando esses patrões, como acontece na Rússia, se denominem Estado Totalitário. Teremos de lutar contra o patrão que vislumbra, apenas, o seu lucro e visa sempre maior vantagem, desinteressando-se pelo teor de vida de seus operários.

E se houvesse, na verdade, boa vontade geral, como se tornaria fácil a realização da democracia social!

Uma experiência edificante

Ainda exemplificando, peço licença aos Srs. Deputados para narrar a experiência interessantíssima vivida por um amigo meu. Esse amigo comprou uma fazenda. Não a adquiriu com o fito de dedicar-se à lavoura porque possui outras fontes de renda mais lucrativas e interessantes. Comprou-a, diremos mesmo, a fim de ter um lugar de repouso para o final de semana. Foi à fazenda e verificou que apresentava vários problemas. Não era de seu intuito obter lucros, mas, aquela propriedade agrícola deveria render, ao menos para a sua própria manutenção. No entanto, se encontrava em situação precária. Não havia colonos e os poucos que lá moravam se mostravam sem interesse e incapazes. Nem a plantação, nem a colheita processavam a contento. O trabalho não rendia. Já estava o meu amigo desanimado, porquanto os seus afazeres citadinos impediam-no de dedicar-se mais seriamente à lavoura, quando sua senhora, mulher inteligente e progressista, pediu-lhe que a deixasse dirigir a fazenda. Meu amigo, sorrindo, acedeu e confiou à sua mulher a direção dos trabalhos. A senhora pôs a mão à obra e realizou a tarefa social mais interessante que conheço e com mais eficientes resultados. Em primeiro lugar, convocou os colonos, reuniu-os e disse-lhes que todas as queixas e reclamações deveriam ser dirigidas diretamente a ela. Tratou, depois, da melhoria material da colônia, adaptando suas casas às regras da higiene e comodidade. Em seguida, organizou uma creche e entregou-a a pessoas competentes. Lá são deixadas as crianças cujas mães trabalham na roça. Nessa creche é prestada assistência material — roupa, leite, etc. — como, também, assistência moral e espiritual. Estabeleceu serviços médicos, deu amparo efetivo aos colonos doentes, em suas próprias casas. Instalou um armazém de gêneros de primeira necessidade a preço de custo, a fim de impedir exploração feita por negociantes inescrupulosos. Foi além, com uma inovação violenta: pagou o trabalhador rural em dinheiro, abolindo o sistema de vales. Assim, presenciou a alegria do colono ao receber o dinheiro. Libertou-o de vários polvos, com essa iniciativa.

Os resultados obtidos com esses empreendimentos foram: a fazenda que jazia desfalcada de braços, se encontra perfeitamente colonizada, e quase todos os dias novas famílias surgem atraídas pela notícia daquelas realizações; a terra que estava maltratada com os cafezais semilargados, as colheitas desperdiçadas pelos carreadores e terreiros, readquire como que seiva nova e a ordem de momento a momento, se restabelece; finalmente, o balancete dessa fazenda, que sempre acusava grande déficit, hoje não o tem.

Pergunto: tudo isso por quê? Qual o motivo dessa transformação radical? A resposta é simples: porque os trabalhadores estão satisfeitos. Passaram a residir em casas mais cômodas. Seus filhos possuem escolas gratuitas na fazenda, estão bem alimentados e os pequeninos, se encontram abrigados na creche enquanto os pais trabalham. Sabem que, em caso de doença, o médico e os remédios não faltarão em suas casas. E, para realizar tudo isso, não foi preciso a essa senhora recorrer a nenhuma doutrina exótica. Apenas aplicou os princípios de humanidade e bondade já contidos há dois mil anos na doutrina sublime de Jesus. E, tenho a certeza de que não haverá campanha política capaz de perturbar a ordem daquela fazenda. Aliás, isso já foi posto à prova. Existiam lá dois casais de colonos espanhóis. Um deles era anarquista, outro comunista. Tentaram estabelecer confusão. Ficaram, porém, desapontados… Não encontraram ambiente para as suas manobras. O anarquista mudou-se e o comunista não tardou a pedir, também, as contas.

Vê-se, assim, que de certa maneira, algumas dificuldades sociais foram resolvidas numa unidade agrária de nosso Estado, sem desvarios, mediante solução perfeitamente recomendável.

Apelo à Câmara dos Deputados

Por essa razão, formulo o seguinte apelo à Câmara: tentemos focalizar alguns ângulos mais prementes do problema social. Mas deixemos de lado os velhos métodos. Lembremos-nos que não progrediremos jamais, enquanto persistimos no mau hábito nos discursos estéreis, da oratória ineficiente. De nada servirá convocar-se mulheres e crianças para expô-las aos debates de praça pública. O que adianta tirar a mulher do lar e envolvê-la nos comícios políticos uma vez que seus esforços ali serão inúteis? Nós é que devemos superar a crise. E só conseguiremos esse propósito na hora em que nos dispusermos a enfrentar, decisivamente, o problema social, expurgado, sem dúvida, do caldo de cultura que serve alimento às doutrinas exóticas.

Não será com prisões, com truculência policial, com cancelamento de registro de partidos políticos que se beneficiará o povo. Conquista-se o povo, assegurando-lhe melhor nível de vida.

Mensagem às mulheres comunistas

À guisa de conclusão, faço esta simples pergunta às mulheres que se acham neste plenário: qual dentre vós, que tendo o seu pequenino lar, a sua casinha, pintada de amarelo, de vermelho, de azul ou verde, mobiliada segundo o seu gosto pessoal, com os seus objetos dispostos como bem lhes aprece — qual dentre vós diante disso, preferirá residir em uma vila operária, com casas feitas em série, tendo como senhorio um Estado Totalitário? Qual a mulher que podendo ministrar a instrução aos seus filhos, transmitir-lhes a educação familiar que advém de geração em geração, tratá-lo com o carinho que só a mãe sabe ter, ficará tranquila e feliz sabendo-o criado pelas mãos mercenárias de funcionários do Estado, nos abrigos de menores? Qual a mulher que podendo permanecer em seu lar, cuidando dos afazeres domésticos, à espera que o marido regresse do trabalho, preferirá, ao invés, ser mobilizada para o trabalho obrigatório numa fábrica ou repartição?

A mulher, nesse regime, perde a feminilidade e se torna um ser sem características próprias, fora a de produzir o elemento que o Estado mais aprecia e valoriza: o soldado para a guerra. Não! Em sã consciência, não há mulher que queira isso!

Faço, pois, um apelo para que as mulheres brasileiras confiem nos legisladores. Nós ainda realizaremos a verdadeira revolução social. Seremos incompreendidos, mais do que já está sendo esta Assembleia, considerada aí fora como esbanjadora. Dirão que pretendemos “arruinar o Tesouro Público”. Pouco importa! Não temeremos esvaziar o Tesouro Público, porque sabemos muito bem de que maneira poderá refazer-se, onde se reabastecerá das importâncias vastas em benefício da coletividade. Não ignoramos os enormes lucros das grandes indústrias. Sabemos como agem os tubarões. Sabemos como agem os exploradores do povo. Chegará a hora em que o Estado encontrará o necessário para os empreendimentos do alcance social.

O povo deve manter sua crença nesta Assembleia, aplaudir a Democracia e mostrar-se disciplinado e trabalhador. Não precisa promover distúrbios nem barricadas porque a violência nunca constrói. Não cabe às mulheres disputar com a polícia. É necessário apenas preservar sempre a fé, porque muito breve será realizada a Democracia Social. Depois do Estado Liberal, indiferente e passivo e impedindo o advento do Totalitário, materialista e escravizador, a sociedade contemporânea adaptará o Estado Cristão. Este Estado, na sua ação redentora dos males sociais, amparará, acima de tudo, a mulher, célula primeira do edifício social, reconhecendo a dignidade que lhe cabe como mãe, esposa, filha e irmã. O Estado Cristão não permitirá que a mulher seja transformada em instrumento de amor livre e a livrará do espetáculo da escravização de seus filhos. Não a arrebanhará para as fábricas, repartições ou forças armadas, o que a desvia de suas verdadeiras e autênticas finalidades. Fará a mulher retomar à sua posição ímpar e relevante no cenário social: a de formadora das futuras gerações. E tudo isso tornar-se-á possível no seio fecundo de uma pátria cristã, realizadora da justiça social, sem nenhuma ditadura, cada mulher em seu lar, cada homem satisfeito em seu trabalho honroso que lhe rende o suficiente para manter, com dignidade, sua família, construindo para os seus, construindo para o Brasil.

Loureiro Júnior
Reproduzido em “Idade Nova”, 18 de setembro de 1947.