Sessão de 6 de abril de 1962

O SR. PLÍNIO SALGADO (Lê o seguinte discurso) — Sr. Presidente, a 7 de outubro deste ano de 1962 completam-se trinta anos do lançamento de um grande movimento por mim presidido, a Ação Integralista Brasileira. Nesse dia deverão realizar-se as eleições para a renovação das Casas do Parlamento. O Partido de Representação Popular, herdeiro daquele movimento, entende ser oportuno reafirmar, perante a Nação, a doutrina que esposa; expor a criteriologia dela decorrente e aplicada à interpretação dos fenômenos sociais; e, finalmente, delinear o seu programa de ação, quer no tocante às soluções que aventa, quer no referente à sua orientação na campanha eleitoral.

Definição

Leal e sinceramente o PRP reafirma que a sua doutrina é a mesma em que se baseou a Ação Integralista Brasileira, cujas atividades foram oficialmente encerradas pelo decreto ditatorial de 3 de dezembro, que suprimiu todos os partidos políticos do País.

Fundamentos Filosóficos

É preciso, entretanto, não identificar o Integralismo com a Ação Integralista Brasileira, pois, enquanto aquela é uma filosofia, esta representou apenas um instrumento de propaganda, utilizando-se de exterioridades adequadas ao tempo de sua atuação.

Preliminarmente, o Integralismo é uma concepção do universo e do homem, segundo afirma-se o manifesto básico. Partindo do princípio de que toda e qualquer política depende de uma conceituação das coisas criadas, da sua natureza, da sua substância, da sua finalidade, da sua dinâmica, o Integralismo considera o universo e o seu criador, certo de que o ”ser” não pode originar-se do ”não ser”, adotando, portanto, uma concepção espiritualista vinculada à crença firme na existência de Deus.

Passa a apreciar o universo na sua unidade substancial, isto é, como expressão de energia nas diferenciações da matéria, cingindo-se às velhas teorias de Anaxágoras e Demócrito, hoje comprovados pelas pesquisas da física nuclear, o que representa o índice mais alto da ciência do século XX. Ao mesmo tempo concebe a dinâmica dos Mundos segundo o relativismo de Einstein, que veio coroar as previsões de Copérnico e Kepler e a prodigiosa antecipação de Newton. No exame dessas leis a nova filosofia brasileira proclama a permanente integração da energia e da matéria na harmonia do equilíbrio perfeito.

Plínio Salgado discursando

Entra, então, na apreciação do Homem e nele descobre um poder singular de intervenção no mundo físico, investigando e assenhoreando-se das leis que o regem, servindo-se desses conhecimentos para criar, sobre a coisa criada, novas formas de expressão, constituídas pelas invenções, que ampliam as faculdades humanas, ultrapassando os limites da evolução das espécies descrita por Wallace e Darwin, ou constituídas pelas formas artísticas da pintura, da escultura, da música e da poesia.

Esse poder de interferir e, de certa forma, criar, evidencia que o homem age por vontade própria, libertando-se do determinismo e o imperativo no mundo físico, fato que o coloca como uma exceção no Universo.

Quando a ”ideia-força” se concretiza no ”fato histórico”, este se subordina às leis do determinismo que governa tudo o que é material; mas o homem, criando novas ”ideias-força”, pode interferir nos fatos sociais e alterar, ao seu arbítrio, a marcha da história. É, realmente, o ”Ser-Excepcional”.

Sua faculdade volitiva decorre de outra maior: a sua racionalidade, servida — como ensinam Bergson e Farias Brito — por intuições profundas do seu mundo interior.

Pergunta, pois, a filosofia integralista, o porquê dessa racionalidade, a razão dessa excepcionalidade, que se erguem com clarões na imensa irracionalidade das coisas criadas. Indaga o motivo pelo qual o homem é o único ser que formula pensamentos matemáticos, revela a matemática dos mundos e nela descobre ter havido um pensamento que o antecedeu, pensamento que ordenou as fórmulas dos íons e dos elétrons, na gravitação, que poderemos dizer astronômica, do recesso dos átomos.

Nada existindo sem uma finalidade, torna-se claro que a Inteligência Ordenadora quis dar a este ser privilegiado o dom de compreender e interpretar a Criação e de interferir sobre o mundo exterior, dele extraindo novas formas de expressão, seja a maravilha do avião ou do rádio, sejam as linhas de uma estátua libertada do seio de uma pedra.

A racionalidade do homem não é, portanto, o resultado da evolução da matéria que compõe o seu corpo, mas a participação com o Verbo, ou Vontade de Expressão, que se realizou no espetáculo universal. A origem e a finalidade do Homem estão em Deus. Se a finalidade de tudo quanto existe, inclusive das coisas engendradas pelo homem, está patente na sua substância, forma e atributos, logicamente o homem, consciência do Universo, tem sua finalidade em Deus. Dela se originam deveres que, por sua vez, geram as ideias dos direitos. O exercício desses direitos é a garantia da possibilidade do cumprimento dos deveres.

Entre os deveres do homem, dois há que poderemos chamar biológicos: o da sua própria conservação e o da permanência do gênero humano na superfície da terra. Pelo trabalho, o homem proverá sua subsistência. Para prolongar, através dos tempos, a continuidade do gênero humano, une-se à mulher e funda o lar doméstico, origem da família. A família é, por conseguinte, o primeiro grupo natural criado pelo homem para o cumprimento de um dever e garantia de seus direitos. Por isso, o Manifesto integralista de 1932 proclama: ”O homem não pode ser transformado numa abelha ou num térmita. Ele é centro de gravidade sentimental. O homem e sua família precederam o estado. Façam do homem uma peça funcionando da máquina do estado e teremos o autômato infeliz, rebaixado de sua condição superior”. Evidencia-se aí nossa condenação ao Estado Totalitário.

Para se suprir e suprir sua família, o homem recorre ao trabalho.

O trabalho, portanto, não é uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, nem — como quer o Marxismo — um complemento da matéria-prima na produção da mercadoria. O trabalho, para nossa doutrina, é algo de sagrado, porque participa da sacralidade do homem, da sua intangibilidade, da sua liberdade, das prerrogativas do seu poder criador. Consequentemente, o trabalhador de qualquer profissão deve ser remunerado não somente para sua manutenção e da sua família, mas deve ganhar o suficiente a fim de que, sendo ajuizado e provido, possa ir reservando uma parte dos seus salários para a aquisição de bens que garantam o futuro de seus filhos. Foi por essa razão que o integralismo foi o primeiro movimento que lançou a ideia da casa própria, do bem familiar.

Por outro lado, é preciso ter em vista que, de acordo com a própria lei da evolução das espécies, é patente a tendência de o mais forte esmagar mais fraco. Mas o homem é o ser racional com poder de interferência na ordem social para corrigir desequilíbrios que não se justificam perante as leis morais e o sentido ético do convívio humano.

Para contrabalançar o peso dos detentores dos meios de produção, em luta uns contra os outros em detrimento do justo ganho operário, organizaram-se na Inglaterra as Trade Unions e as Confederações de trabalhadores propugnadas por Lasalle, na Alemanha, na França, na Bélgica, e na Itália. No Brasil, o Integralismo lançou a bandeira do salário familiar e da sindicalização do proletariado, o que fez não só em seus manifestos, mas no Congresso Revolucionário de 1933, ao qual confluíram todas as correntes ideológicas daquele tempo.

Mas o homem, além das necessidades materiais, sente as culturais e espirituais. Sendo a família o primeiro grupo natural e a associação de trabalhadores o segundo, seguem-se os grêmios de caráter cultural (científicos, artísticos, esportivos, literários) e, como cúpula, as sociedades religiosas.

Esses grupos naturais se reúnem em trechos de território que se chamam Municípios.

O Município é autônomo, por ser constituído de pessoas autônomas, de grupos naturais autônomos, de cuja autonomia participa. Mas, do mesmo modo como o homem e sua família não podem ser, na verdade, autodeterminativos, se não tiverem independência econômica, também a autonomia municipal só existe no papel, se ao Município não for atribuída uma renda que o livre de viver a esmolar favores dos governantes dos estados ou mendigar migalhas nas mesas de orçamento, como até agora tem acontecido. Eis porque o Integralismo, através da Ação Integralista e, posteriormente, do Partido de Representação Popular, vem-se batendo por uma distribuição de rendas capaz de assegurar aos Municípios uma verdadeira autonomia.

Do conceito municipalista o Integralismo vai ao conceito de Nação. Que é Nação? Considerada fisiologicamente, é um conjunto de municípios, de Grupos Naturais, de pessoas humanas que o compõem. A Nação, portanto, é autônoma, autodeterminativa, soberana, porque participa do livre arbítrio dos elementos que a constituem. Nosso conceito de soberania não é o de Rousseau, resultante da ”vontade geral”, porque a Nação não é soberana, pelo capricho de um ato eleitoral. É soberana por ser Nação, uma vez que a soberania é inerente à substância de diferenciação dos demais grupos nacionais. Daí porque o Integralismo distingue os conceitos de País, Pátria e Nação, pois enquanto o país é apenas a terra, e enquanto a Pátria é a resultante do comércio sentimental entre o Homem e a terra, a Nação é consciência histórica. Baseado nessas concepções, o Integralismo desfraldou a bandeira do nacionalismo. Não nacionalismo ufanista e patrioteiro, nem o jacobinista ou racista, mas aquele pregado por Alberto Torres, atento às realidades da nossa terra e do nosso povo, principalmente no que concerne aos nossos problemas econômicos.

Nacionalismo tradicionalista e realista.

Tradicionalista para sustentar viva e ativa a personalidade nacional, cultuando o nosso passado histórico, mantendo nossos costumes, defendendo, contra o cosmopolitismo ou influência de nações estrangeiras, nosso modo de ser, nossa brasilidade, pois se a personalidade humana, segundo Bergson e Stuart Mill, é mantida pela memória e desenvolve-se como um filme cinematográfico, ou sucessão de imagens, como diriam aqueles filósofos, também a personalidade nacional é sustentada pela rememoração dos fatos pretéritos e a História é a memória da Nação.

Éramos e somos o nacionalismo realista que denunciou ao nosso povo a espoliação de que era vítima o Brasil por parte do capitalismo internacional, trustes e monopólios que sugam até hoje, como vampiros, o sangue de nossa pátria. Nacionalismo tonificante, que mostrou a nossa superioridade sobre a pretensa capacidade superior dos povos do hemisfério norte, os quais só progrediram mais do que nós por possuírem jazidas descomunais de hulha, na época da civilização do ferro e do aço.

Esse o resumo da doutrina esposada pelo Partido de Representação Popular, herdeiro e continuador do pensamento integralista.

Atualidades do Integralismo

Algumas pessoas, sem nenhum conhecimento da nossa doutrina e completamente desinformadas sobre o que se passa no mundo em nossos dias, costumam dizer, com as vistas curtas dos perus circunscritos a terreiros exíguos, que o Integralismo está ultrapassado.

Respondemos dizendo que o Integralismo é a mais nova doutrina política do nosso século.

O liberalismo democrático pode-se dizer que teve início após o congresso de Viena, em 1815; tem portanto, 147 anos; o socialismo fez sua entrada na história em 1849; tem, portanto, 113 anos; o nazismo não é mais do que a sistematização das ideias da Escola Histórica alemã, principalmente de Bluntschli, do racismo de Houston-Chamberlain e Gobineau e das teorias da violência de Nietzsche, todos do século passado; o fascismo não foi propriamente uma doutrina política, mas um regime de circunstância, para conjurar o perigo comunista na Itália e, embora tenha tentado criar uma filosofia filiada à escola idealista alemã, pelo esforço de Gentile e uma teoria de Estado através de Rocco, na realidade não foi mais do que a concretização eclética do Nacionalismo de Cavour e de Mazzini, tudo oriundo dos fins do século XIX. Poderíamos ainda falar do nacionalismo tradicionalista de Maurras e Daudet, na França; de António Sardinha, em Portugal; ou do programa dos Carlistas na Espanha; mas estas doutrinas políticas restringiam-se ao âmbito nacional, prendendo-se ao tradicionalismo e ao absolutismo, sem desenvolver uma teoria fundamentada no conceito de universalidade e interpretação filosóficas dos fatos sociais através do homem. Ao contrário, o integralismo, que completa, no dia 7 de outubro deste ano, dia das eleições, apenas 30 anos, sendo o mais novo de todos os movimentos políticos, lança uma doutrina universalista, que pode ser utilizado por qualquer povo, e coloca-se em dia com as mais recentes conquistas da ciência e da técnica. E se, em relação ao socialismo, Henri de Man afirmou ser uma forma de mentalidade da época da iluminação a gás, nós podemos dizer que o integralismo é uma forma de mentalidade da época da física nuclear e da relatividade einsteiniana, pela sua concepção global da fenomenologia sócio-econômica-política. Talvez por isso só um pouco mais tarde seremos compreendidos na plenitude e na profundidade de nosso pensamento.

Veremos, agora, apreciando os critérios integralistas quanto aos processos de representação numa democracia moderna, a atualidade palpitante da nossa doutrina.

Democracia Orgânica

Assim como o corpo, nos seres vivos, não é um saco de células, mas um conjunto de órgãos em que as células se ordenam, também a Nação, estruturada fisiologicamente pelas pessoas humanas, grupos naturais e Municípios, constitui-se, para o exercício das funções distintas mas harmonizadas entre si, de órgãos expressivos de seu ritmo vital. São as categorias econômicas, culturais e espirituais: a agricultura, a indústria, o comércio, o sistema bancário, o aparelhamento das academias dos diversos ramos das atividades intelectuais e as sociedades religiosas.

Partindo desse conceito de Nação, nossa doutrina declara que a verdadeira representação popular há de ser a que proceda diretamente dessas categorias. Por esse motivo propõe a criação de uma Câmara Econômica e Cultural em que todos os órgãos vitais da Nação estejam representados. Além de exprimir essa Câmara a organicidade nacional, trará a vantagem de ter, como membros, representantes vinculados aos interesses específicos da classes respectiva, com pormenorizados conhecimentos dos problemas a ela relacionados. Na assembleia conjunta, através dos debates e estudos, evitar-se-á a hipertrofia de benefícios em favor de uns e em detrimento de outros. Funcionará esta câmara como um instrumento técnico segundo especializações que se conjugam para atingir resultados de benefícios recíprocos e no interesse geral da nacionalidade.

A atualidade e oportunidade dessa Câmara confirma-se nos dias presentes pela palavra dos mais autorizados pensadores, economistas, historiadores e juristas. O Papa Pio XII, no discurso de Natal de 1945, distinguindo a significação de ”massa” e ”povo”, declara que massa é um conjunto de indivíduos tangidos pelos vento da demagogia ou pelo poder do dinheiro, ao passo que o povo é um conjunto de pessoas conscientes, cada qual dentro de sua categoria. Ora, se o homem só se revela consciente e livre dentro da categoria a que pertence, logicamente deve representar-se através dessa categoria.

O Bispo de Nova Iorque, Fulton Sheen, escreve no seu livro Filosofias em Luta o seguinte:

”Deveriam os cristãos procurar ampliar a democracia. Existe, atualmente, uma democracia política, com sistema representativo baseado na geografia, isto é, na população dos Estados, formando a Câmara e o Senado — e que deve ser mantido. Por que não, porém, uma democracia econômica em que haja uma representação não somente política mas também profissional, fundada no trabalho com que os cidadãos contribuem para o bem-estar de todos? Os homens ligam-se mais pelo gênero do trabalho que praticam do que por pertencerem ao mesmo distrito eleitoral”.

Este pensamento é perfilhado atualmente pelo historiador inglês Arnold Toynbee, no livro A Civilização Posta à Prova.

Georges Burdeau, no Curso de Direito Constitucional e Instituições Políticas, adota o mesmo critério, quando faz distinção entre o ”homem abstrato” e o ”homem situado” dentro da sua profissão e dos seus interesses. Idêntico pensamento aflora na Teoria Geral do Estado de Carré de Malberg.

Incluem-se, nesta mesma corrente, Leo Gabriel, professor da Universidade de Viena e autor dos livros Filosofia Integral e Lógica Integral; o professor Michele Federico Sciacca de Roma; os professores norte-americanos Price, Steiner, Blaisdell, Schattschneider, Truman e Key. E aqui mesmo, no Brasil, tais ideias já se refletiram no livro de Juarez Távora, Organização para o Brasil, onde aquele estudioso e culto homem propõe a conciliação da legitimidade do voto com o “sufrágio universal”.

Confirmando essas opiniões, vemos, em nosso País, a tendência, cada vez maior, no sentido de influir na vida administrativa do País, por parte das associações comerciais, rurais, industriais e culturais.

O Integralismo precedeu a todos esses movimentos de opinião mundial, lançando antes da crise de nossos dias essa bandeira hoje empunhada pelos que, a posteriori, consideram a solução correta para o problema da representação orgânica. E isso aconteceu, desde 1932, em consequência da filosofia integral, que tudo concebe segundo as correlações fenomênicas da vida social. Por isso mesmo, Sorokin, no seu livro As Filosofias Sociais de Nossa Época de Crise, examinando as teorias de interpretação Histórica de Danielevsky, Spengler, Toynbee, Schubart, Berdiaeff e Kreebler, diz que ”somente o conhecimento integral e correlação epistemológica dos conhecimentos podem dar-nos uma compreensão completa dos fenômenos sociais e culturais”, acrescentando: ”Sobre esta questão, esses pensadores adotam o ponto de vista integralista”.

Diante de tais vozes universais, provisionando para este século a realização da ideia que lançamos no Brasil em 1932, tornam-se ridículos aqueles que nos perguntam se o integralismo não está ultrapassado, aos quais responderemos que o Integralismo, nestes meados do século XX, está, como um sol nascente, fazendo a sua entrada na noite histórica da confusão e do desespero.

Critério Governamental

Também decorrente da Concepção integral do universo, do homem, dos grupos naturais, dos Municípios, da nacionalidade, é o critério que adotamos no que se refere à administração pública com final.

Entendemos que não será possível encontrar solução isolada para problemas isolados, pois todas as questões, que particularmente se oferecem à nossa consideração, vinculam-se a outras, do mesmo modo como, em nosso corpo, os órgãos e funções se correlacionam, em inevitável interdependência.

Os desequilíbrios econômicos e sociais que observamos no Brasil decorrem da unilateralidade das soluções aventadas ou efetivadas, atendendo a interesses de grupos que a outros se contrapõem e fazendo inteira abstração das implicações e dos reflexos de determinadas medidas favoráveis a determinados setores das atividades econômicas e gravemente danosas em relação a outros.

Repugna-nos a ideia das planificações com excessiva intervenção do Estado, mesmo nas democracias liberais, como hoje acontece, as quais levam, na opinião de Friedrich Hayek, a O Caminho da Servidão e da ditadura.

Somos, entretanto, favoráveis a um planejamento decorrente das deliberações da Câmara Econômica e Cultural, expressivo da harmonização pelos desejos e das vontades das categorias representadas. Desta sorte, não se sacrificará, por exemplo, a agricultura para favorecer demasiadamente a indústria; não se beneficiará excessivamente o Estado em prejuízo dos que produzem as riquezas nacionais; não se favorecerão certas regiões à custa da debilidade de outras; equilibrar-se-á a iniciativa privada com o bem comum; não se desvinculará a finança da economia; não se dissociará o problema social do orçamento e do monetário; o desenvolvimento material não prejudicará o cultural.

Complexidade Brasileira

Somente o critério integral pode abranger a complexidade deste imenso País, de variadas latitudes, diferenciações climáticas, espaços superpovoados e espaços vazios, conglomerados raciais na elaboração de novos tipos humanos, ao mesmo tempo regiões onde permanecem os tipos dos cruzamentos dos Séculos XVI, XVII, XVIII. Nossas estruturas sociais vão desde o homem da pedra polida do Xingu, do Araguaia e dos Sertões do Amazonas e Mato Grosso, passando pelos períodos, ainda subsistentes, de uma agricultura e uma pecuária primitivas, atingindo lavouras mais adiantadas e tecnicamente aparelhadas e culminando nos parques industriais em que tentamos arrancar-nos do subdesenvolvimento. Esse mapa de contrastes humanos corresponde à variedade da composição geológica do nosso território, desde as formas primárias das estruturas arqueanas às mais recentes dos terrenos carboníferos e aos recentíssimos da fase quaternária, ao ponto de Euclides da Cunha, em relação à Amazônia, haver dito que ali o globo terrestre se encontra ainda no último dia da criação. O estudo da Terra e do homem desse grande escritor, conjugado com as análises sociológicas de Oliveira Vianna e o clarividente nacionalismo de Alberto Torres, dão-nos uma ideia completa da necessidade de integração das diferentes faixas de regiões geográficas e grupos sociais no alto sentido da Unidade Nacional. Somente a metodologia integralista inspirada pelo critério da compreensão global dos fenômenos socioeconômicos e políticos e das suas íntimas conexões, pode nos oferecer um esquema de ação a ser empreendido e continuado através do futuro. Transitamos dos processos analíticos do Século XIX, para a síntese do Século XX.

O Sr. Celso Brant — Desejo, Sr. Deputado, cumprimentar V. Exª no momento em que a sua doutrina comemora trinta anos de existência.

O SR. PLÍNIO SALGADO — Muito obrigado.

O Sr. Celso Brant — E desejo fazê-lo especialmente porque V. Exª é uma exceção no cenário político nacional, por ser um homem que defende seus ideais com a inteligência e a cultura que nunca deixamos de reconhecer-lhe. Queremos dizer, Sr. Deputado, que a nós parece ser a grande pobreza do Brasil a pobreza de ideias, e que essa pobreza é o nosso pecado original. Dela decorrem todos os nossos outros males. Sabe V. Exª que nos colocamos em polos opostos. Achamos que sua doutrina é conservadora e tem servido à causa do continuísmo, em nosso País, dessa situação contra a qual o povo já mais de uma vez se pronunciou através das urnas e de outras manifestações. Achamos, Sr. Deputado, que o defeito fundamental de sua doutrina é que ela tem alguma coisa de acadêmico, não tem um conteúdo revolucionário, como se tornaria necessário à realidade nacional. Mas, entendemos que V. Exª, defendendo-a, não faz senão uma obrigação, já que o seu ponto de vista — pelo qual V. Exª tem dado o melhor de seu esforço — é coerente com a sua vida e a sua atividade. O que nos parece que tem faltado, ao partido de V. Exª, em determinados momentos, é exatamente o que outros combatem nele: coesão. Lembro a grande atuação que V. Exª teve ajudando-nos a aprovar o projeto de remessa de lucros. Mas sinto que elementos vinculados ao partido de V. Exª, Deputados de sua agremiação política, têm, fora do ambiente da Câmara, lutado contra essa mesma proposição que, segundo se me afigura, é a realização de um dos postulados básicos da luta nacionalista que caracteriza o Partido Integralista Brasileiro. Assim, cumprimentando V. Exª e seu partido, ao ensejo desta data, devo dizer que não são os pontos de vista que nos colocam em campos opostos, mas apenas apreciações de uma realidade nacional. Isso não nos impede, no entanto, de reconhecer em V. Exª um dos poucos homens de ideias deste país e, mais ainda, um dos poucos homens autênticos que têm atividade na vida pública de nossa terra.

O SR. PLÍNIO SALGADO — Agradeço o aparte do nobre Deputado Celso Brant, que muito me honra, principalmente tendo em vista que em muitas oportunidades temos divergido. Mas V. Exª também exprime a cultura de uma nova geração, e o seu clamor, para que se eleve o nível cultural no Brasil, procede perfeitamente. Quanto ao reparo que faz, de parecer a V. Exª que a ação por mim desenvolvida tem algo de acadêmico, quero dizer que no tempo em que Karl Marx escreveu O Capital em Londres, polemizava com seus opositores, nada era mais acadêmico. Preocupava-se Karl Marx com o criticismo de Kant, com a dialética de Hegel e Feuerbach, com a filosofia do idealismo alemão e com o materialismo inglês. Entretanto, era necessário que Karl Marx assim procedesse, para lançar os fundamentos da sua doutrina, que mais tarde teve a tradução prática, pela introdução de modificações feitas principalmente por Lênin. A ideia fundamental do marxismo, porém, partiu daquilo que V. Exª agora chama forma acadêmica. É necessário, Sr. Deputado Celso Brant, como V. Exª mesmo reclama, elevarmos o nível do pensamento nacional. Não estamos, apenas, no subdesenvolvimento econômico; encontramo-nos em pleno subdesenvolvimento do pensamento, da cultura, e é necessário que todos concorramos para elevar esse nível.

O Sr. Celso Brant — Quero explicar melhor meu pensamento. A meu ver o partido de V. Exª tem uma doutrina que não se identifica com o que constitui, atualmente, a vida pública brasileira. Acho, por exemplo, que nunca um elemento do Partido Integralista poderia fazer parte de qualquer gabinete ou colaborar com qualquer governo, desde que mantido esse status quo. Não nego, antes proclamo a base ideológica do partido de V. Exª, acadêmica em sua pregação. Mas julgo necessário que, além dessa base, haja uma realidade na luta, na concretização dessa doutrina. Marx pregava, de fato, sua doutrina de base exclusivamente científica, mas desejou sua realização no sentido prático. Ele que era um cientista, pôs-se a lutar com as massas no sentido da modificação de um status, contra o qual insurgia ideologicamente. O Partido Integralista deveria ser também o partido revolucionário, no sentido de levar à vida pública a aplicação real e objetiva daqueles ideais que postula sua ideologia. Não condeno nele a parte teórica, mas a inexistência de aplicação prática, de uma reformulação objetiva das soluções para os problemas nacionais. Esta, a meu ver, uma das faltas do Partido Integralista Brasileiro e ninguém melhor do que V. Exª poderá saná-la, porque, conhecedor da realidade brasileira, sabe que necessitamos de levar ao povo soluções objetivas para os problemas do País, para que não se tenha a impressão, já generalizada no Brasil, de que os homens de inteligência e cultura são incapazes de resolver os problemas brasileiros. Isto me parece errado, porque no equacionamento desses problemas a inteligência brasileira tem sido sadiamente compreendida pelo povo. Nas soluções objetivas, porém, o povo ainda não sentiu a capacidade dos homens brasileiros.

O SR. PLÍNIO SALGADO — Agradeço de novo o aparte de V. Exª. Mas quero dizer que no contexto do meu discurso, páginas adiante, V. Exª encontrará resposta demonstrando que temos agido objetivamente e já realizamos muitas coisas no Brasil por intermédio de outros que apóiam a procedência de nossas ideias.

Sr. Presidente, falava eu da complexidade do Brasil. Continuo.

Problemas da nossa atualidade

Nesse todo complexo, afloram problemas imediatos, que estão a desafiar a inteligência e o patriotismo dos nossos homens públicos. O Manifesto-Programa de 1936, em que se consubstanciaram em normas administrativas as ideias nucleares do Manifesto Filosófico de 1932, trazia proposições, muitas das quais foram aceitas e realizadas, ainda que se omitisse a sua procedência. Lamento a ausência do nobre Deputado Celso Brant neste momento, pois vai entrar uma matéria que demonstra a improcedência do segundo aparte com que me honrou. O cap. 2º daquele documento trata do fortalecimento econômico dos municípios e amplia esse fortalecimento aos produtores locais, através do crédito bancário. A primeira dessas ideias foi realizada em duas etapas: por iniciativa do Deputado Integralista Goffredo da Silva Teles Júnior, na Constituinte de 1946; posteriormente, pela reforma constitucional proposta pelo Deputado Osmar Cunha. No mesmo cap. 2º, nosso Manifesto dizia: “Nacionalizar as minas e quedas d’água, elaborando-se um plano de aproveitamento de energia hidrelétrica e das riquezas do subsolo, a indústria siderúrgica e da extração do petróleo e outros combustíveis”. Basta olhar para Volta Redonda, Petrobrás, as obras de Paulo Afonso, Três Marias, Urubupungá, para se verificar que esse primeiro brado integralista vem sendo atendido.

LEIA TAMBÉM  Autonomia Municipal

Ainda nesse capítulo dissemos: “Estabelecer um plano nacional ferroviário e rodoviário e de navegação fluvial”. Aí estão hoje o DNR e a Rede Ferroviária Nacional.

Propunhamos, ainda, “criar o Ministério da Economia Nacional”. Essa ideia está hoje presente nas cogitações de nossos homens públicos. Pugnávamos, ainda, pela criação do Ministério da Aeronáutica, a qual mais tarde foi efetivada.

No capítulo 4º, falávamos da necessidade de um Instituto anexo ao Itamaraty, estabelecendo em quatro alíneas as finalidades do mesmo no sentido de formarmos uma mentalidade diplomática. Tempos depois, criou-se o Instituto Rio Branco. No mesmo capítulo propúnhamos que se estabelecesse um serviço de Imigração e Colonização. Como consequência, tivemos o INIC. No capitulo 6º lançávamos a ideia da justiça do trabalho e da assistência aos trabalhadores. O Governo, posteriormente, adotou essas medidas. Ainda no capítulo 6º tratávamos da participação dos empregados nos lucros das empresas, tendo sido o Integralismo a primeira voz que se ergueu nesse sentido. A sua ideia foi consagrada na Constituição de 1946 e a efetivação da medida é hoje objeto de preocupação dos legisladores.

No capítulo 7º, reclamávamos um Serviço Nacional do Teatro e de Cinema. Em parte, essa ideia tem sido objetivada. No capítulo 8º, sugeríamos a criação do Senai e do Senac, que já foi realizado. No capítulo 9º, mostrávamos a conveniência da criação do DASP, o que mais tarde foi feito. No capítulo 6º, reivindicávamos para o trabalhador a casa própria; essa providência, embora a passos lentos, vem sendo objetivada. A alfabetização de adultos, assunto que hoje empolga todo o País, foi iniciada pelo Integralismo, com suas milhares de escolas espalhadas por todo o território nacional. Igualmente, a obra assistencial popular começada pela Integralismo com mais de um milheiro de ambulatórios médicos, creches e lactários foi, mais tarde, transformado em uma organização governamental com o nome de Legião Brasileira de Assistência; do mesmo modo, os restaurantes populares, principiados pelo Integralismo, transformaram-se, algum tempo depois, no SAPS.

Seria longo enumerar os pontos do Manifesto-Programa de 1936, em que o integralismo propunha uma série de medidas a serem adotadas, como realmente o foram, ocultando-se a sua origem.

Mas, agora, estamos em face de problemas imediatos, como dissemos no início deste capítulo. São problemas do momento. Entre eles, a Lei Agrária.

Colocação do problema agrário

Numerosos são os projetos do que se convencionou chamar “reforma agrária” e intensa é a propaganda que, a respeito do assunto, se desenvolve em todo o país. Entendemos necessária e urgente a solução dessa importante questão. Entretanto, submetida ao critério integralista da concepção global das diferenciações em que se exprime a unidade do tema, entendemos que a maior parte dos que sinceramente pugnam em tal esfera, pelos interesses do homem do campo, do equilíbrio social e dos imperativos da produção nacional, têm equacionado mal a sua tese.

Partem da apreciação do termo “terra”, quando deveriam partir do termo ”homem”. O Integralismo esquematiza o problema considerando que de nada vale distribuir terras sem que o homem esteja aparelhado para utilizá-la. O homem, para aproveitar a terra, necessita de: 1) saúde; 2) instrução; 3) financiamento; 4) transportes; 5) assistência técnica. Sem esses elementos, o agricultor irá morrer de fome estabelecido no solo mais fértil.

O discurso pronunciado na Câmara dos Deputados pelo representante de São Paulo, Valdemar Pessoa, sobre as enfermidades que depauperam as nossas populações rurais, é um documento impressionante, que deve estar à vista dos que propugnam por uma lei agrária. Mas suponhamos termos um lavrador em perfeita saúde, mas analfabeto. Como pode ele aprender o que lhe é mister para produzir mais e melhor? Demos, entretanto, que ele tenha saúde e seja instruído, porém, sem recursos financeiros, sem crédito bancário, como hoje acontece. Como tocará a sua lavoura? Como atualizará a faina agrícola, com as máquinas indispensáveis ao tombamento, ao plantio, à colheita, às iniciais operações de beneficiamento dos produtos? Como poderá utilizar-se nos adubos adequados? Usemos de otimismo e suponhamos que esse homem tem saúde, instrução e, por um milagre, obteve financiamento para o trato do seu chão, mas não transportes; nesse caso ficará à mercê dos especuladores, com suas frotas de caminhões, se houver estradas, apagar-lhe um preço que não atinge os gastos que fez. Digamos, todavia, que esse agricultor é saudável, instruído, financiado e dispõe de transportes, mas lhe falta assistência técnica; não conhece a natureza do seu terreno, ignora quais os processos mais adequados à sua produção, desconhece a natureza química dos adubos convenientes. Nesse caso, será um lavrador rotineiro, pouco útil a si mesmo e aos interesses da produção nacional.

Passando do termo ”homem” para o termo ”terra”, devemos ter em vista: 1) as diferenciações geográficas e geológicas (vocação da terra) no imenso território; 2) as diversidades dos tipos de produção; 3) os conceitos variáveis de minifúndio e de latifúndio. A legislação há de ser plástica, acomodada às circunstâncias da complexidade brasileira, científica e tecnicamente instruída no sentido de um planejamento orgânico.

Isto posto, é preciso complementar a Lei Agrária adotando-se um método racional de armazenamento e distribuição dos produtos agrícolas, de sorte a liberar o produtor e o consumidor da bárbara exploração de intermediários desalmados. Isso resolverá, ao mesmo tempo, dois problemas: o da justa remuneração ao homem do campo e o barateamento do custo de vida nos centros urbanos.

O Sr. Campos Vergal — Permite-me V. Exª? Estou ouvindo, com aquele respeito e grande acatamento de sempre, o oportuno e esplêndido discurso de V. Exª. Em todo ele o que mais nos comove é exatamente a situação do trabalhador do campo.

Trabalhador, tanto pode ser agregado como simples lavrador sitiante, chacareiro, como V. Exª sabe. Entretanto, quero lembrar que, de um modo geral — até no nosso próprio estado —, o sitiante, o lavrador modesto, pobre, não tem assistência médica e nem odontológica. Sem assistência médica ele está sujeito não apenas às verminoses, às epidemias, à endemias, mas ao pior, a mordedura de animais venenosos, peçonhentos, aracnídeos etc. V. Exª sabe dessa realidade. O trabalhador do campo não pode ir à cidade consultar um médico e muito menos o dentista para as pessoas de sua família. V. Exª, que conhece muito bem problema, sabe que ele não pode sair do seu sítio para ir à cidade ver o médico, ir à farmácia, e ao dentista então é quase impossível.

Agora, pergunto: por que não começar criando quadros especiais de médicos e dentistas rurais, rigorosamente rurais, não para ficarem na cidade à espera do doente, da vítima, mas para irem às zonas rurais, acudir à família trabalhadora dos campos? V. Exª está vendo que o curso primário de alfabetização já está penetrando nas zonas rurais. Uma escada, por mais alta que seja, tem que ter seu primeiro degrau. Nobre Deputado Plínio Salgado, eu pediria a V. Exª que com o talento e o patriotismo que são invulgares no país e vulgares em V. Exª, advogasse o princípio, já, da criação de quadro de médicos e dentistas essencialmente rurais. Repito, não que fiquem na cidade à espera das vítimas e doenças, mas que percorram as zonas rurais devidamente pagos pelo Estado ou pela União, sem que, porém, recebessem coisa alguma dos pobres trabalhadores dos campos. V. Exª inegavelmente, uma grande alma cristã, um grande sonhador e grande idealista, poderia advogar essa causa e teria, com seu talento e alta posição nos quadros da política nacional, de obter ótimo resultado em favor dos nossos patrícios trabalhadores no campo.

O SR. PLÍNIO SALGADO — Deputado Campos Vergal, o seu aparte vem confirmar a tese que estou desenvolvendo. Na verdade, de nada adianta falarmos em distribuir terras para homens doentes, abandonados, inteiramente relegadas ao triste ostracismo da enfermidade e da inanição. O problema brasileiro é complexo e temos de pôr os olhos em todos os seus aspectos, adotando a criteriologia integral, aquela que prego há tantos anos em nosso país.

Continuando, Sr. Presidente:

Essa ideia, por nós exposta, tem sido por alguns confundida como cooperativismo. Mas não se trata disso. Trata-se da organização de grêmios (grupalismo) ou associações de produtores, que elegem a sua própria diretoria. Esta, recebendo em seus armazéns, silos e frigoríficos, a produção total de cada agricultor, estabelece, mediante dados aritméticos precisos sobre o custo da referida produção, um preço remunerador ao produto, pago pelos compradores aos quais será determinado o preço da revenda aos consumidores. Isto evitará delongas burocráticas e interferências do Governo, nem sempre imune ao vírus político-eleitoral e dos negócios escusos de camarilhas palacianas.

Só assim haverá estímulo ao agricultor, hoje desanimado pelo preço vil que lhe pagam e escandalizado pelo preço altíssimo pelo qual o seu produto é revendido aos consumidores desesperados pela alta crescente do custo de vida.

Volvendo ao tema da chamada “reforma agrária”, queremos assinalar o ridículo de certas disposições legais. Por exemplo: a lei não permite que INIC divida as suas terras em lotes superiores a 35 hectares. Isto para todo o vasto Brasil. Acontece que, no Amazonas, possui o INIC, para lotear, 300.000 hectares. Pode-se comparar a selva amazônica com as regiões do Sul? Mas, na hipótese de se dividirem essas terras em 860 lotes para colocar uma família em cada um, onde estão os recursos financeiros para essa obra de colonização? E fala-se em “reforma agrária” como se todo o problema estivesse no fator ”terra”, quando ele abrange os mais variados aspectos.

Municipalismo

Intimamente ligado à reforma agrária é o problema do Municipalismo. O fortalecimento dos Municípios, dando-lhes possibilidades econômicas para multiplicar suas estradas municipais, para cuidar da instrução primária rural, para colaborar na obra de assistência médica ao homem do campo, para cooperar com o Estado e a União no que se refere à assistência técnica, esse fortalecimento, pela sua correlação com os interesses da zona agrícola que abrange, facilitará extraordinariamente a reestruturação racional do sistema agrário brasileiro. Errôneo é, pois, pretender-se subtrair aos Municípios o que a recente reforma constitucional lhes outorgou no tocante ao imposto territorial e só um completo desconhecimento da realidade brasileira poderia inspirar essa ideia.

Cumpre-nos, ainda, bater-nos pela criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Municipal, que será o elemento propulsor do progresso e do revigoramento da célula municipal, consequentemente de todo o País. Passemos, entretanto, a outro assunto.

Educação e instrução

Perante quatro mil professores, o Papa Pio XII declarou, em junho de 1953: “Educação é perfeição humana e não enciclopedismo. Ela consiste em completar e aperfeiçoar o ser humano e não em enchê-lo de conhecimentos”. Mais adiante: “Um povo ignorante está à mercê de agitadores hábeis e de políticos sem escrúpulos”.

Não confundimos educação com instrução. E como o Estado brasileiro, conquanto nas preliminares da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino, esboce os objetivos da formação da personalidade, mas seja, entretanto, omisso e demissionário no que tange, objetiva e praticamente, a essa formação, estamos dispostos a empreender uma larga campanha de educação moral e cívica, em todo o território nacional, convencidos de que inúteis serão todas as reformas, se não começarmos pela reforma do homem.

O Sr. Milton Brandão — Quero expressar as minhas congratulações pelo oportuno e brilhante discurso de V. Exª em defesa do homem do campo, do homem da província. Oferecendo também os meus conhecimentos modestos sobre aquelas regiões do País, desejo dizer a V. Exª o que penso a respeito. O nobre Deputado Campos Vergal fez referência à necessidade de assistência médica, odontológica, e tantas outras medidas capazes de propiciar maior índice de produção ao homem do campo e de contribuir, portanto, para a economia nacional. Devo declarar a V. Exª e àquele Deputado que o principal neste país, para que possamos conseguir aquilo que S. Exª acabou de apontar, são as vias de comunicações. Não temos estradas para levar aos camponeses essas melhorias de que carecem. Bastamo-nos, pois, para que as estradas cheguem à província, ao interior, cheguem aos mais longínquos rincões do Brasil, e teremos despertado a consciência nacional e tornando mais civilizados as populações rurais para receber estes benefícios. Grato a vossa V. Exª, que é um brilhante Deputado, homem de prestígio nacional, que muito poderá contribuir com a sua palavra em benefício dos brasileiros.

O SR. PLÍNIO SALGADO — O aparte de V. Exª vem confirmar plenamente a doutrina que esposo, a criteriologia dela decorrente. V. Exª, falando das estradas necessárias para levar saúde ao campo, demonstra a correlação dos fenômenos e vim confirmar que não existe solução para nenhum problema isolado, porque todos têm íntima conexão: ou resolvemos todos, no largo planejamento, ou ficaremos sem resolver nenhum.

Sr. Presidente, prosseguindo, quero referir-me a um grave problema nacional: o da corrida salários-preços.

Corrida salários-preços

Quando falamos sobre inflação, sobre o desequilíbrio orçamentário, sobre a desvalorização monetária, esquecemo-nos, frequentemente, de ir às raízes dessas questões. A causa fundamental dos nossos desequilíbrios tem sido a antinomia entre o falsamente social e o empiricamente econômico. É a corrida salários-preços.

A demagogia eleitoreira tem levado o operário à desgraça, facultando-lhe aumentos salariais que não correspondem ao aumento dos preços das utilidades. Mal se acrescentam 30 ou 40 por cento dos ganhos do operário, imediatamente crescem de 50 a 100 por cento os preços das mercadorias, não só por não podermos contrariar a lei econômica relativa ao custo da mão-de-obra, mas ainda pelo fator psicológico do medo de falência em que se encontram muitos estabelecimentos industriais e comerciais, numa época em que tudo é instável e incerto, e o fator imoral da especulação desenfreada. Como consequência, o funcionalismo civil e militar reclama aumento de vencimentos. Concedidos estes, o governo precisa recorrer, ou a emissões ou a novos impostos. Qualquer dessas medidas acarreta novo aumento do custo das utilidades. Então, novamente os operários vão ser iludidos, escamoteadas pelos demagogos de praça pública e das tribunas parlamentares. Neste círculo vicioso caminha a Nação, e o operário é o mais sacrificado de todos os sacrificados. E a nação se empobrece, porque produz tão caro e não pode concorrer nos mercados internacionais. E o empobrecimento da Nação vai diretamente ferir os seus trabalhadores.

Urge deter essa loucura. A contenção dos preços, não pelos métodos artificiais da intervenção estatal, mas pelos processos orgânicos da orientação à produção e disciplina na distribuição, virá trazer a estabilidade dos ordenados, gratificações, subsídios e salários, único meio de se evitarem os déficits astronômicos no Orçamento e a queda progressiva da nossa moeda.

O SR. PRESIDENTE (Osvaldo Lima Filho, 1º Vice) — Lembro a V. Exª que o tempo regimental de que dispunha está esgotado.

O SR. PLÍNIO SALGADO — Senhor presidente, permiti usassem da palavra vários oradores, antes de iniciar um discurso, e o ilustre Presidente, que então dirigia nossos trabalhos, declarou-me que poderia falar até 16 horas. Como já estou no fim da minha oração, atenderei a V. Exª dentro de cinco a seis minutos.

O SR. PRESIDENTE (Osvaldo Lima Filho, 1º Vice) — A Mesa presta essa liberalidade a V. Exª dado o interesse com que está sendo ouvido pelo plenário.

Participação dos empregados nos lucros das empresas

O SR. PLÍNIO SALGADO — A ideia da participação dos empregados nos lucros das empresas, como disse atrás, foi lançada pelo Integralismo em 1936. Ergueremos essa bandeira, por ela nos bateremos. Conclamamos todos os empregados para nos ajudarem neste afã, pois, conseguindo nosso objetivo, acreditamos ter concorrido para o bem-estar dos que trabalham e para o próprio desenvolvimento das empresas.

Disciplinação dos capitais estrangeiros

Desde nossos primeiros manifestos e, principalmente, no livro de Gustavo Barroso, Brasil, colônia de Banqueiros, os integralistas se batem pela disciplinação dos capitais estrangeiros em nosso país. É preciso dizer que não somos contrários à colaboração desses capitais no esforço pelo nosso progresso e aos lucros justos e razoáveis que aufiram pela sua participação na vida nacional. O que não podemos permitir é a excessiva ganância de alguns, principalmente de trustes que agem à sombra de nossa benevolência, muitas vezes mascarando-se à custa de denominações despistadoras e sob o patrocínio de brasileiros que se prestam para tal. No desenvolvimento da campanha eleitoral deste ano, procuraremos esclarecer o povo brasileiro acerca desse problema.

Política Exterior

A nossa posição no tocante à política exterior do Brasil é a mesma sustentada, não somente dos documentos básicos da Ação Integralista Brasileira, mas ainda na Carta de Princípios e no Programa do Partido de Representação Popular. Nessas condições, ainda que procurando ajudar o atual Governo em tudo o que disser respeito a medidas, por nós julgadas justas, relacionadas com nossa política interna e questões administrativas, opomo-nos frontalmente à sua orientação no exterior, que não é senão a mesma por nós combatida quando o Governo Jânio Quadros enveredou por esse perigoso caminho.

Fomos contrários e continuamos contrários às relações diplomáticas com a Rússia Soviética. Somos adversos à posição que o Ministro do Exterior Brasileiro assumiu em Punta Del Este protegendo, amparando, estimulando o Governo Comunista de Cuba, sob pretextos, sofismas e subterfúgios aparentemente jurídicos, na realidade contrários à tradicionalidade de nossa política pan-americana.

Tendo sido, nos últimos tempos, pela ONU, derrogadas, abderrogadas, suprimidas todas as razões de ordem jurídica e moral, adotando-se uma política dos fatos consumados, em relação a Indochina, ao Tibete, à Hungria, a Goa, entendemos que a política exterior do Brasil deve cingir-se a objetivos estratégico-militares de defesa do Ocidente, das liberdades dos Povos Americanos, da preservação do nosso hemisfério e, sobretudo, do Brasil.

Em todos os casos atuais ou próximos em que se envolvam os interesses da defesa da Civilização Ocidental, clara e definida é nossa atitude.

O Comunismo

Temos de encarar o comunismo, mais sob o aspecto psicológico do que econômico. É certo que Karl Marx colocou o problema social nos quadros da Economia, aceitando as doutrinas dos fisiocratas e dos liberais, principalmente as de Adam Smith e de Ricardo, das quais se dizia continuador. Mas o fundamento do Marxismo está no materialismo histórico, o qual, adaptado à dinâmica hegeliana, produziu o materialismo dialético. Nessa confluência do materialismo inglês com o idealismo alemão se encontra a fonte da mística revolucionária dos marxistas. Posteriormente, Lênin — grande gênio político do começo deste século — inovou o marxismo, adotando métodos que, no fundo, se contrapunham ao determinismo materialista, flagrante no pensamento da economia liberal e patente na própria dialética de Hegel, que não é mais do que a aplicação do determinismo ao processo de formação das ideias, porquanto os métodos leninescos consagravam o livre-arbítrio, ou a interferência do Homem nos fatos, para a precipitação do ritmo da destruição do capitalismo.

Não se pode negar que a crítica de Marx ao sistema capitalista é absolutamente correta. O que se não pode aceitar são as conclusões do comunismo, rigorosamente subordinado aos próprios conceitos do capitalismo, que também é uma forma de materialismo, revestido dos aspectos do agnosticismo utilitarista ou pragmatista.

Para combatermos o capitalismo, não podemos aceitar suas teses fundamentais, sua amoralidade, que o comunismo aceita. Temos de nos opor ao espírito burguês com a bandeira do espiritualismo. Nestas condições, cumpre-nos lutar contra o comunismo como uma das formas do capitalismo, pois o seu objetivo não é outro senão substituir a plutocracia pela burocracia, ambas detendo os meios de produção e escravizando os homens.

Nosso combate ao comunismo não deve, entretanto, sem efetivar por meio de violência de medidas policiais. Existe um estado psicológico nos comunistas, que deve ser considerado como expressão de um conceito de vida. É uma enfermidade do espírito. Consequentemente, devemo-nos esforçar por curá-la, opondo doutrina contra doutrina. Uma ideia se combate com outra ideia. Em nome de que a burguesia capitalista pretende combater o comunismo? Que oferece ela às massas populares, senão compensações materiais, quando os homens estão desesperados pela ausência do Espírito? Não existem pobres anticomunistas e ricos comunistas?

O integralismo vai às raízes profundas do mal, que se encontram no mundo capitalista, no seu materialismo, na sua preocupação exclusiva dos lucros, na sua voluptuosa ostentação. Essa mentalidade de azinhavre é até vanguardeira de nossas relações diplomáticas com a Rússia Soviética e estipendia organizações comunistas a fim de que propugnem por um falso nacionalismo, que favorece certos trustes contra outros, em prejuízo do povo e da nossa nação.

Combater o comunismo sem combater o capitalismo é ferir apenas uma das faces do problema. Se o comunismo é a supressão da liberdade e da dignidade humanas, o capitalismo é o caminho que a ele nos leva. Somente uma concepção espiritualista e cristã da vida pode nos fazer paladinos na luta contra o monstro de duas cabeças, que se serve de nossas debilidades dominando um pelas negociatas desmoralizadoras e o outro pela infiltração nas classes intelectuais, nos partidos e nos governos, como é notório.

Parlamentarismo e presidencialismo

Como se sabe, o parlamentarismo surgiu como remédio adequado a uma crise político-militar que poderia levar o País à guerra civil. Trouxe um remédio imediato e pode também trazer os mediatos, evitando novas crises como as que assinalaram o sistema presidencial. Certamente o seu funcionamento encontra dificuldades, sobretudo se tivermos em vista que em nosso País coincidem três transições: a mudança da Capital, o esforço para passarmos do subdesenvolvimento para o desenvolvimento e, finalmente, o trânsito do presidencialismo para o parlamentarismo, havendo necessidade de uma adaptação dos homens públicos ainda afeitos a costumes e hábitos antigos.

Julgamos prematuro um julgamento do novo sistema. Há que esperar mais um pouco, sempre atento às realidades brasileiras.

Lei eleitoral

Temos pontos de vista firmados sobre certos aspectos de reforma eleitoral propugnados por alguns legisladores. Não é aqui o lugar próprio para nos batermos a questões que, na verdade, julgamos superficiais. O essencial é dizermos que todas as reformas que se fizerem serão inúteis se, em primeiro lugar não reformar homem brasileiro. Impõe-se uma transformação de nossa mentalidade ao mesmo tempo utilitarista e messiânica à procura de homens e não de ideias. Educar o povo, criar uma consciência nacional, eis a questão.

Movimento de Reconstrução Nacional

Para isso, urge um grande movimento, suprapartidário, em que colaborem todos os homens de boa vontade em nosso País. Ouso desfraldar essa bandeira. A bandeira da Reconstrução Nacional.

Assistimos a um espetáculo de ruínas em nossa Pátria. Derruídas se encontram a Ordem e Disciplina. Solapado o princípio da autoridade. Dissolvido o conceito da responsabilidade. Apodrecida a consciência de moralidade. Os homens públicos cortejam as massas populares e, em vez de as conduzirem para o próprio benefício delas, deixam-se por elas arrastar e tremem de medo de falar a verdade ou de tomar deliberações que os possam impopularizar, ainda quando se trata de salvação da Pátria. Na burocracia imperante, nunca se tornaram mais atuais os conceitos de Émile Faguet, quando escreveu o livro O culto da Incompetência e o Horror da Responsabilidade, pois, a respeito de qualquer decisão, correm papéis sobre papéis, formando volumosos autos, onde se multiplicam os pareceres e os despachos demissionários, jogando a bola uns para os outros. Nos meios econômico-financeiros, é a fome de lucros dos novos Ugolinos, avareza dos Shyloks, a multiplicação dos golpes, a ânsia pelo enriquecimento fácil e rápido.

Todos os escrúpulos desapareceram. Todas as aventuras são toleradas, a todas as negociatas se faz vista grossa. A vida social se decompõe nas exibições e ostentações dos círculos da elegância com reflexos da clicheria nas colunas das revistas e dos jornais. Vestem-se fantasias carnavalescas de milhares de milhões de cruzeiros, enquanto morrem de inanição os desamparados, os humildes, os marginais, os que naufragaram no oceano da vida. Ninguém quer trabalhar a sério, viver a sério, pensar a sério. Os métodos modernos de educação — consistem em nenhuma educação — vão preparando uma futura geração de monstros. Por isso, desde já, os crimes se multiplicam à sombra da impunidade.

É a nação sem Deus. É o homem sem alma. É o desprezo pela austeridade e nobreza de uma existência cristã. E no entanto, não podemos ficar inertes. Precisamos criar algo novo, acima dos partidos. Congregar os elementos ainda vivos e saudáveis da Nação.

Desfraldo, portanto, esta bandeira: da Reconstrução Nacional. Reergamos o edifício da Nacionalidade. O ímpeto com que nos levantamos provém da força de todas as gerações pretéritas, que nos legaram o patrimônio territorial, político e moral que temos em mãos. É o cumprimento de um dever e o passo decidido para uma superior destinação histórica.

Seja este convite o fecho deste discurso em que expus a doutrina adotada pelo meu Partido, a sua criteriologia, a sua interpretação dos fenômenos sociais e das soluções que aventa. Seja este um convite aos homens de boa vontade para que, acima dos partidos, levantemos a obra maior de todas, que é a de, tendo recebido o Brasil de nossos ancestrais, engrandecê-lo por nosso esforço, trabalho, sacrifício místico, ainda que em meio a todas as incompreensões. Sacudamos a Nação Brasileira e despertemo-la para uma vida cristã. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)