Elevar o espírito da Nação: pela Força, pelo Bem, pela Beleza — eis textualmente a palavra de ordem do Chefe Nacional, na qual se contém a expressão do sentido estético do Movimento Integralista.
Efetivamente, o problema Brasileiro é substancial e primordialmente um problema não só de educação, mas também de cultura.
Em sua visão cósmica das realidades Brasileiras, Plínio Salgado, tendo como ninguém auscultado e sentido a fundo a alma coletiva de nossa Nacionalidade, tendo como ninguém reconhecido e compreendido as falhas e deficiências de nossa formação ética e estética, considerou no impressionante desnível do panorama intelectual Brasileiro, a necessidade premente e inadiável de supri-lo e elevá-lo a uma altura condigna não só aos foros culturais de nossos antepassados, senão também e principalmente aos gloriosos destinos da nova civilização brasileira que vai assim ser construída e integrada definitivamente no grande ritmo das portentosas civilizações do Velho Mundo.
Assim, lançando o Chefe Nacional os alicerces do Estado Integral, criou, entre os demais, este importante departamento [Secretaria Nacional de Cultura Artística], cônscio de sua relevância dentre múltiplos e ingentes problemas que à Revolução Integralista incumbe resolver, pois abrangendo todas as modalidades na órbita do pensamento humano, visa entre nós especialmente e por motivos plausibilíssimos, a esfera cultural e artística, o que equivale dizer, a esfera do sentimento na sua expressão mais nobre e sublimada.
Na feição épica do pensamento moderno que caracteriza a Quarta Humanidade, dominada, por um lado, pela mística dos seus intraduzíveis anseios, por outro, por uma contínua necessidade de ação, se impõe antes de tudo e acima de tudo, dar expansão às almas nacionais da estesia, que, do mesmo passo que inspira e orienta, pela elevação de sua ideologia, e pelo poder de sua fé, refreia e compensa, pela disciplina da harmonia, pela força do equilíbrio e pela excelência da justa medida das proporções.
De acordo com este determinismo hodierno, o novo afluxo espiritual tomou como centro de expansão as almas nacionais “daqueles” povos que ainda têm vigor, que ainda possuem crenças e aspirações, afim de induzi-las e conduzi-las a uma compreensão mais íntima e exata de suas relações e interdependências psíquicas e materiais, criando-lhes, destarte, novos órgãos sociais.
Sente-se nitidamente nestes povos predestinados a gestação de um novo ideal humano, prelúdio magnífico de uma renovação social, filosófica, artística e religiosa, valores estes imprescindíveis e que representam a essência, o substractum da grande obra revolucionária, a qual em constituir e fechar um novo ciclo para a humanidade.
Na história dos povos como na história das religiões, nas grandes etapas que o homem percorreu no planeta, nunca se logrou dissociar o fator arte das ideias verdadeiramente renovadoras.
Efetivamente ela tem sido não só a fonte sublime de todas as emoções, mas também a maior e melhor inspiradora dos movimentos culminantes de todas as civilizações.
Aí se situa precisamente a magnitude e relevância de nossa responsabilidade em face do Estado Nacional que vamos criar, pois o Integralismo não pode, nem deve prescindir deste preexcelso e sempiterno fator. Pois arte, senhores integralistas, não é só ficção pura, é também ação, ação criadora, iniciativa fecunda, força construtora, que ergueu cidades, erigiu catedrais, fundou impérios e fez a glória imortal de imortais povos.
“Le nation sans ars ne sont pas restées dans la memoire des hommes” [As nações sem arte não remanescem na memória nos povos], disse um insigne pensador.
Realmente, os povos que não se caracterizam por uma forte e legítima expressão de arte não deixaram na história senão o rastro frio e indiferente de sua passagem pela terra.
O que sabemos nós, hoje, ou o que nos interessa, em verdade, de uma caterva de povos, de um sem número de grandes e pequenas nações, mais ou menos bárbaras cuja expressão apenas foi ou ainda é meramente geográfica?
Em compensação, relanceai os olhos pela História, evocai a Assíria, a Babilônia, o Egito, hoje desaparecidos da carta, mas evocai sobretudo esta minúscula Grécia, esta formidável Hélade, que se constituiu e impôs até os nossos dias como o padrão único e incontrastável de perfeição e de beleza, refulgindo como marco mais glorioso e imperecível da civilização humana. Vinte e três séculos são passados, outros tantos ainda decorrerão sem que guerras ou revoluções, incêndios e devastações, consigam apagar da face da terra o traço resplandecente deste pequenino povo.
E um dia virá, valendo-me de uma imagem de Anatole France, milênios afora em que este planeta rolará glacial pelos espaços infinitos, carregando, todavia, consigo e guardando ciosamente nos seus flancos, os sublimes despojos e as ruínas magnificas da Acrópole e do Partenon, templos augustos que concretizam a beleza eterna, tendo cristalizado o ideal para todo o sempre em mármore pentélico e imaculado.
A Grécia, porém, não é admirável somente pelas obras de arte que são expressões magnificentes de uma nação. Ela é admirável sobretudo pelo seu povo. Povo dentre todos admirável sim, povo que criou com a sua arte imperecível, a sua ciência, a sua filosofia, tão imperecíveis como aquela, e, mais do que tudo isto, criou a própria civilização nos primórdios da Humanidade.
Havendo sido um povo de elite constituiu-se na elite dos povos pela educação perfeita de sua juventude, pela formação integral de sua gente.
Considerai um grego daqueles tempos! Era um homem completo, na acepção mais rigorosa de significado: mens sana in corpore sano.
Vigor físico, fortaleza moral, elevação e beleza cultural artística, todos esses atributos desenvolvidos dos harmoniosamente e proporcionalmente, ao contrário do que sucedia com os romanos e o que hoje ainda se observa na maior parte dos países, em que a cultura física não só prevalece, mas até esmaga, constituindo a única preocupação de governos e dirigentes das falidas liberais democracias.
Nelas realmente o culto da força sobreleva o do espírito. Efetivamente por toda a parte do mundo assim sucedeu vitoriosamente e nós não podíamos fugir à regra. O músculo desenvolveu-se em detrimento do cérebro. O corpo sobrepujou a alma. A cultura física relegou a cultura espiritual. E como corolário fatal, a arte passou a interessar mediocremente ou quase nada às gerações atuais, que vivem inteiramente obcecadas nas praças desportivas e nas praias de banho, exclusivamente votadas ao culto da força e da forma.
Não vejam, porém, qualquer intuito restritivo da parte da Ação Integralista Brasileira à cultura física. Muito ao contrário. Dela somos apologistas francos e a melhor prova está em que o Chefe Nacional, no recente Congresso de Petrópolis, reconhecendo igualmente a sua relevância, criou uma Secretaria Nacional de Cultura Física.
Para o vigor e a robustez, para a energia e a saúde de nossa raça, tudo o que se faça em prol de aperfeiçoamento do tipo físico brasileiro em verdade nunca será demasiado, só podendo ser louvável que se enriqueça a musculatura, que se galvanize o corpo, que se forje a estirpe.
Não é tudo, porém. Se é um regalo observar, sob o ponto de vista físico, a raça nova que desponta, é profundamente desolante e contristador sondar os espíritos sob o ponto de vista de cultura em geral, sendo aí efetivamente deplorável e doloroso o contraste que se nos depara.
Não é a culpa, em absoluto, desta mocidade esplêndida e generosa, da qual nos podemos orgulhar, e sim unicamente do sistema governamental que não só não cuida, não se interessa, não se preocupa, com as altas questões culturais, mas ainda pior, oficializa a ignorância, fazendo tábua rasa do ensino e aniquilando o estímulo para o estudo, pelos exames por decreto e pelas promoções por média, dum lado, e, por outro, limitando e trancando as matrículas à mocidade estudiosa, transbordante das mais legítimas aspirações.
Aludi ao contraste deplorável entre a cultura física e espiritual de nossa gente e, como prova melhor, atentai neste simples fato: enquanto que na nossa bela metrópole, de dois milhões de habitantes, pompeiam oito suntuosos palácios, com as suas esplêndidas praças desportivas, nós não possuímos, afora esta modesta sala oficial do Instituto Nacional de Música, nenhuma sala mais de concertos. Afora a nossa pinacoteca em plena fase de desmoronamento, nós não dispomos de nenhum recinto adequado para as exposições de artes plásticas! E isto na capital do país!
Não é edificante, senhores, e não é realmente chocante aferir e cortejar o esplendor e magnificência, o prestígio e ascendência da cultura física, com o abandono e penúria, o desamparo e negligência da cultura artística?
Consequência fatal e irremediável é a decadência das artes, e com tal incontestável decadência o desaparecimento do senso estético, o descalabro do gosto, a morte da emoção, e, por conseguinte, o aniquilamento desta beleza interior que acrisola as almas e eleva os espíritos.
A tudo isto incide e corresponde a invasão insidiosa e o inundamento sistemático da alma brasileira por uma pseudo-arte lançada, prestigiada e financiada pelo paganismo dissolvente, pseudo-arte de importação norte-americana e que nos vem pela grande maioria dos filmes, em que tudo se falseia e subverte, a verdade histórica e a ficção dos romances e obras clássicas, pseudo-arte dissolvente e corruptora que não trepida em prostituir os maiores tesouros, os melhores padrões de glória do espírito humano, pseudo-arte que não hesita em transformar uma marcha fúnebre de Chopin num “bice” e de profanar um Ave-Maria de Schubert num “fox”.
Eis um dos sintomas do chamado espírito da época, verdadeira calamidade que nos atingiu também em cheio, espírito da época cuja tendência manifesta e irreprimível é de se comprazer com as emoções espontâneas, mas incontestavelmente rudimentares dos sambas e choros, agravados ainda pelo jazz-band e outras tais manifestações cacofônicas e deploráveis de absoluto abastardamento do senso estético.
A arte pura, em suas expressões nobres e elevadas, não interessa mais à nossa gente, os grandes artistas e as grandes obras não empolgam, sequer mesmo atraem ou quiçá despertam a atenção do nosso grande público.
No entanto a mentalidade nossa não deixa de ser excelente entre as que mais o sejam; a índole substancialmente musical, o talento fundamentalmente plástico do brasileiro não é em nada inferior ao dos outros povos, reconhecido e essencialmente artístico, lícito me sendo afirmar que possuímos, mercê de Deus, pendores e dos melhores para as artes, talentos e pendores estes servidos por uma sensibilidade das mais finas e requintadas.
Sofremos, porém, do grande mal dos tempos que correm, tempos estes sob o signo nefasto da liberal democracia, a grande responsável por esta crise universal de sentimento, tempos de materialismo crasso e avassalador, tempos contaminados pela nevrose deste modernismo tão cheio de extravagâncias, aberrações e paradoxos, modernismo que tudo deforma e enfeia e que, pior ainda, assalta e embota as sensações melhores e mais puras dos mais sagrados recessos de nossa alma
E assim o mundo ora atravessa uma angustiosa fase não só de sensível decadência e abastardamento em matéria de arte, mas também de estreito e crasso utilitarismo, e, como consequência fatal e imediata, de progressiva e alarmante despersonalização, em que o culto do bem e da beleza se substituiu seja pelo culto da inércia, da displicência, do sibaritismo, seja pelo culto força discricionária e bruta em que as velocidades devoram os espações e as máquinas destroem a fé, em que os nobres ideais que constituíam a mais bela armadura da humanidade se desvirtuam e subvertem em holocausto à grosseria e à violência.
Esta fase crepuscular que se caracteriza principalmente pela crise de toda a estesia, pela ausência de todo o sentimento bom, faz com que o homem atualmente esteja vivendo uma hora de verdadeira ferocidade e desordem de confusão e desvario.
E porque todos então gritam e bradam e vociferam, não mais se ouve a voz dos bardos e menestréis, dos rapsodos e trovadores, e porque a humanidade assim uiva e berra já nem mesmo mais a pena cantar.
* * *
A crise efetivamente é universal. Em todos os países do orbe terrestre se observa tal decadência, processando-se esta delinquescência moral e estética. As artes perderam a sua ascendência espiritual e, portanto, a sua força de ação social, não só sobre as massas, como também, e o que é muito pior e muito mais contristador, sobre as próprias elites.
Nesta hora, porém, calamitosa entre todas, de voragem e de vertigem, de angústias e incertezas, de tormentas e procelas, um grande sino, ó! Integralistas, um grande sino toca a rebate, despertando energias ignotas. Este sino, bronze sonoro e forte, se faz ouvir pela voz clangorosa de Plínio Salgado!
Sim, camisas verde! Nesta hora de apatias e indecisões generalizadas, irrompe radioso e magnífico o Integralismo, irreprimível em sua projeção material como força e incontrastável na sua ascendência espiritual pelo Bem e pela Beleza.
O Integralismo será uma realização física, espiritualizada por um valor moral e embelezada por um halo cultural e artístico.
Nós vamos reviver a época áurea da Hélade. Nós vamos refazer o brasileiro nos moldes perfeitos que a Grécia antiga idealizou e realizou, criando aquela mocidade pulcra e destra do século de Péricles e Eurípedes.
Nós vamos nos empenhar com todas as energias de nossa fé e toda a força de nosso entusiasmo para que sejamos verdadeiramente dignos do nosso belo símbolo, o Sigma, devendo na soma de todos os valores e atributos pessoais, ser integral e perfeita a formação individual de cada um de nós, educando outrossim a mocidade que desponta nos moldes perfeitos do puro helenismo, paradigma admirável do homem integral que não contente, nem fatigado com as horas que passava nos estádios e ginásios, adestrando o seu corpo por exercícios físicos sabiamente aplicados, ia depois para a orquestra embelezar a sua alma no culto das artes corais ou coreográficas, oratórias, beletrísticas ou dramáticas, esculturais ou plásticas, passando em seguida, ainda não satisfeitos, para os jardins dos metalistas, onde sob a sombra dos sicômoros e dos loureiros, arrematavam o dia, aprimorando o espírito nas práticas morais e filosóficas.
Na antevisão dum futuro não muito remoto eu vejo nitidamente o Integralista tal como foi heleno, vigoroso e sutil, generoso e culto, “fortiter in re, suaviter in modo”, em atitudes ufanas, mas benignas, expressão de perfeito equilíbrio, de vigorosa saúde física e espiritual.
Para tanto a ação do Integralismo na formação estrutural de cada indivíduo será total e completa.
No que concerne à Secretaria de Educação e Cultura Artística, a sua principal tarefa será, propagando e difundindo, elevar o nível cultural não só da mentalidade das elites, mas sobretudo das massas, procurando penetrar e influir em cada indivíduo no seu âmago, nos recessos de sua alma, e aí despertar as vocações, estimular os pendores, revelar as faculdades, vocações, pendores e faculdades que cada um de nós, que cada um de vós, oh! Integralistas, possuis em maior ou menor grau, mas que, existindo em estado latente, adormecido ou entorpecido no subconsciente de cada um, não logrou manifestar-se porque não encontrou o ambiente propício, o eco favorável, o incentivo necessário e os meios necessários para se desenvolverem porque a liberal democracia nem os proporcionou nem deles tem cogitado.
Quantas vocações perdidas não serão assim salvas e reconduzidas!
Quantas revelações magníficas não teremos então que despertar a alma brasileira para criar e formar a grande e verdadeira arte nacional, a grande e incomparável arte integralista, com o seu cunho essencialmente nosso, com o seu estilo substancial e visceralmente Brasileiro.
E, assim, só assim seremos finalmente uma Nação, pois possuiremos a nossa Arte!
Aqui termino, não sem me penitenciar sinceramente pela amplitude que tomaram as minhas prometidas breves palavras. É que o tema, sendo por demais considerável, vasto e fascinante, não soube eu resistir à sedução de aqui vos falar, prevalecendo-me da ocasião, para expor-vos o programa desta Secretaria, embora de um modo rápido e sucinto.
Não desejando nem lícito me sendo, furtar-vos por mais tempo do prazer ao que vindes, cedo os quais gentilmente asseguraram o seu valioso concurso na realização deste recital.
Ides inicialmente ouvir dois trechos, selecionados dentre os mais belos nos opulentos acervos da música de câmera: a famosa Elegia de Vincent D’Indy e o primeiro tempo do belíssimo Trio de Tschaikovski, executado pela fina artista e insigne camarista Maria Amélia de Rezende Martins, pelo exímio violinista Edmundo Blois e por este artista de raça que é Gomes Grosso, portador e herdeiro do nome de Carlos Gomes, a mais legítima glória musical brasileira, cujo centenário de nascimento no ano próximo será condignamente celebrado pelo Integralismo.
Ides em seguida ouvir em canoras modulações e arpejos na voz privilegiada de Alicinha Ricardo Mayerhofer, secundada ao piano pelo eminente professor José de Souza Lima, proporcionando-nos na primeira parte do programa de três números brasileiros e na segunda um clássico e dois românticos.
Ides ouvir ainda, abrindo a parte clássica, um magnífico quarteto de Beethoven, opus 18, que conta entre as mais formosas e inspiradas páginas da primeira maneira do grande gênio de Bonn.
Dentre os executantes deste quarteto encontrareis um camisa-verde.
Que não vos cause espécie dar com a presença de um modesto e simples diletante em meio dos artistas do quilate virtuosístico cujos nomes figuram por extenso no programa. Vede e considerai, entretanto, na sua presença, para a qual vos peço todas as indulgências, apenas um único mérito, qual seja o desejo de influir pelo incentivo e pelo exemplo pessoal.
É que o gênero camerístico, sendo a expressão mais pura e elevada da música, havendo os grandes mestres a ele confiado o melhor de seu estro, é, ao mesmo tempo, um modelo perfeito de intimismo, sendo, portanto, a forma por excelência para o cultivo da boa música no recesso do lar.
A Ação Integralista Brasileira, indica como seu fundamento o postulado: Deus, Pátria e Família. E o camisa-verde que no recesso do seu lar, no seio de sua família, e diante do altar da arte, estiver oficiando ou comungando neste divino culto, está praticando o Integralismo dentro de sua mais esplêndida e nobilitante forma: elevando o Espírito pelo Bem e pela Beleza.
Rodolfo Josetti
“A Offensiva”, 18 de maio de 1935.