O meio católico tem sempre discutido se a doutrina integralista, tal como é ensinada pelos seus líderes e pensadores, pode constituir um pensamento falso e herético, incompatível com a consciência católica. Em seu tratado Ciência e Religião, que o Pe. Leonel Franca elencou como a primeira apologia do Catolicismo “de certa importância, escrita em português”, o Mons. Emílio José Salim quis dedicar uma parte do segundo volume à política. Eximindo-se, porém, da responsabilidade, entregou à “proficiência” do Pe. Ludovico Kauling a confecção de todo o capítulo, que leva duas partes. A segunda parte é exclusiva sobre o Integralismo. O Pe. Ludovico Kauling era um sacerdote holandês. Em 1911, foi encarregado de fundar, ao lado do Pe. Adriano van Iersel, a congregação dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus no Brasil. A obra Ciência e Religião, assim como o capítulo do Pe. Ludovico, tiveram grande repercussão no Catolicismo brasileiro. Elogiada por muitos bispos, Ciência e Religião foi adotada na maior parte dos seminários brasileiros, sendo de estudo comum para os aspirantes ao sacerdócio no Brasil. Por isso, este estudo sobre o Integralismo é de singular importância, tendo sido a análise doutrinária de maior expressividade entre os católicos brasileiros sobre o pensamento integralista. Foi, depois, republicado por Plínio Salgado em O Integralismo perante a Nação.
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Diretrizes e juramento
1. As Diretrizes Integralistas [1] são ensinadas nos Núcleos, e portanto constituem uma base para julgar o sistema. Ora, estas proclamam o domínio supremo de Deus (I), o espiritualismo (II, XVI), os direitos da pessoa (VIII, IX, X), da família (XI, XII, XIV), da Igreja (XIV, XVII, XVIII, XIX), da iniciativa particular na educação e na economia (XIII, XXIII). O Manifesto-Programa de 26 de janeiro de 1936 [2] não contradiz nem restringe as Diretrizes. Logo, o programa do Integralismo não impede a adesão dos católicos.
2. O juramento integralista [3] não é contrário à Encíclica Non abbiamo bisogno [4], porque se limita a diretrizes justas e definidas, havendo declaração expressa de Plínio Salgado: “No dia em que os Chefes Integralistas se afastarem dessas diretrizes, ninguém está obrigado a obedecer-lhes”.
3. O erro, diz Chesterton, muitas vezes foi uma verdade que fugiu das outras verdades e enlouqueceu. E Santo Inácio de Loyola, no aviso prévio aos Exercícios Espirituais, censura a mania de farejar heresias nas palavras do próximo. Até prova do contrário o Integralismo tem o direito de ser julgado antes pela sua síntese do que pelas semelhanças que apresenta com movimentos congêneres. De todos os movimentos que preparam a ordem futura, que sairá do caos atual e se imporá de certo a todo Ocidente, e provavelmente ao mundo inteiro, [5] o Integralismo Brasileiro é o que contém maior dose de espiritualidade e um corpo de doutrina mais perfeito. [6]
Nazismo, fascismo, integralismo
Não só pela reivindicação dos direitos da pessoa, repelindo a esterilização, como também pela recusa de uma luta racial, e principalmente pelo primado dos valores espirituais nas Diretrizes o Integralismo difere do nazismo. A convicção do Integralismo acerca da autoridade foi exposta pelo Deputado integralista João Carlos Fairbanks na Câmara dos Deputados de São Paulo: “A ordem legítima manda prestigiar acima da autoridade da soberania de César, peritura ou perecível, a Autoridade da soberania imperecível e transcendente do Criador de todas as soberanias e causa da própria autoridade”. [7]
Os ideais do Integralismo
Aos integralistas o sistema se apresenta como a manifestação perfeita da nacionalidade neste momento de sua história.
O observador, contudo, tem o direito de se colocar em outro centro psicológico da síntese para julgar o movimento, e de considerar primeiro a verdade, que é o critério universal.
A liberdade resulta da verdade, porque um valor parcial ou parcialmente conhecido não constrange um espírito capaz de universalidade.
A liberdade postula a disciplina, porque uma liberdade de criatura se esgota excedendo os seus limites. O nacionalismo dá ao universal a sua feição particular.
1. O ideal da Verdade
a) O Integralismo se esforça por superar a mera adição dos conhecimentos, a fusão dos planos epistemológicos, a desagregação dos elementos hipertrofiados, para chegar a um conhecimento total, integrando e não suprimindo os aspectos do problema. [8]
b) O integralismo vê no cidadão não só o homem político (liberalismo), nem só o homem econômico (socialismo), nem somente o homem ético (solidarismo) ou ascético, mas o homem integral, tal como é membro da sociedade civil. [9]
c) O Integralismo quer elucidar os problemas atuais com sínteses históricas, e deste modo evitar uma reação unilateral e integrar no futuro as conquistas do passado. [10]
d) A revolução, diz Hilaire Belloc, [11] é a readaptação repentina e dura da sociedade que se afastou por demais do seu estado normal.
Considerada como guerra dos súditos contra autoridades que continuam a ser legítimas, é reprovada pela moral. [12]
Considerada como uma mudança de atitude, individual ou social, [13] em face dos problemas, depende dos direitos soberanos da verdade. Considerada como interferência consciente e constante do espírito no curso dos acontecimentos, mormente se for feita pelo próprio Estado, [14] não é a insurreição condenada pela moral. Santo Tomás observa que poucas pessoas fazem uso do seu direito de interferir. [15]
e) Os esforços do Integralismo em prol da verdade estão de acordo com a doutrina católica, contanto que se admita, nos termos do cânon 1324, [16] o valor de soluções incompletas e provisórias, quando estas forem necessárias para obviar um perigo imediato. O culto que o Integralismo dedica à verdade, permite um prognóstico favorável acerca da realização da justiça, porque tanto a verdade como a justiça exigem submissão a um objeto. Talvez as reclamações populares sejam antes uma exigência de justiça do que propriedade, e Santo Tomás insistiu na conexão íntima da verdade e da justiça. [17]
2. O ideal da Liberdade
a) Nenhum governo poderá escapar ao problema atual de adaptar a liberdade à maior complicação da vida moderna, e à guerra mais ou menos latente que movem contra a soberania nacional o comunismo e o capitalismo. [18] Neste ponto o integralismo parece estar numa posição privilegiada para favorecer a liberdade, porque seu programa é capaz de garanti-la com um lastro cultural e econômico, e de socializá-la, tornando-a acessível a todos, o que pode coincidir com a redenção do proletariado, exigida pela encíclica Quadragesimo Anno. [19]
b) A democracia pode ser considerada como a expressão da liberdade política do povo. O integralismo quer salvar a democracia identificando o Estado com a Nação, e não com uma pessoa, um partido ou uma classe, e substituindo o sufrágio atômico dos partidos pelo voto orgânico das corporações. Os estudos históricos afastam do movimento a tendência à ditadura. [20]
c) Sob o ponto de vista católico é preciso reconhecer que o Integralismo satisfaz às exigências de liberdade formuladas pela Encíclica Non abbiamo bisogno.
3. O ideal da Disciplina
a) A firmeza dos Estados resulta da ordem, quando esta for conforme às verdades eternas. [21]
b) A saudação, o uniforme e a hierarquia são elementos que constituem como o corpo do Integralismo, e têm valor na medida em que correspondem ao adágio: Mens sana in corpore sano.
c) A decisão de disciplina, de afirmação e de construção é a interferência do espírito num tempo dominado pela mentalidade cética e gozadora, e pela orgia de vingança e de destruição.
d) A Encíclica Quadragesimo Anno exige um governo forte e um princípio diretivo na economia, e admite a nacionalização de serviços cujo poder particular é um perigo para a soberania do Estado. Ora, diz R. Georges Renard, O. P., considerando o Estado como a empresa da soberania, em comparação com as empresas particulares, o Estado mantém a sua preponderância se houver um certo equilíbrio entre a massa dos serviços administrativos ou de qualquer modo dominados ou fiscalizados pelo Estado, e a massa das empresas capitalistas. De outra parte, a nacionalização do crédito virá pôr ordem na “Nova Idade Média”, que já existe, porque as empresas particulares estão numa dependência feudal do crédito. [22]
Logo o programa integralista de disciplina econômica não encontra oposição no ensino pontifício.
4. O ideal do Nacionalismo
a) O meu nacionalismo está cheio de Deus, diz Plínio Salgado, e é sedento de justiça; o meu nacionalismo não é reacionário, porém revolucionário; o meu nacionalismo não é uma atitude literária, é um drama, é uma tragédia, é a interpretação das angústias de um povo e das aspirações de uma nacionalidade. [23] A nação, como pessoa moral, é subordinada a Deus, não é subordinada a outras nações e as ajuda com o seu supérfluo.
b) A cultura tradicional do país tem o direito de prevalecer contra a civilização adventícia e imitada de outros países. [24]
c) Admitindo-se a participação dos católicos nos partidos compostos de crentes e ateus, a fortiori será admissível a frente única dos crentes preconizada pelo Integralismo.
A solução integralista tem em seu favor o argumento de que o bem comum é para todos, e que a fé em Deus indica uma capacidade moral de colaborar no bem comum. Pio XI exige que nesta colaboração não haja nenhuma coação contra a fé ou a prática da religião, e que simultaneamente os católicos possam fazer parte de associações religiosas, por exemplo da Ação Católica. [26] Limitando a colaboração aos problemas da ordem natural, e afastando as tentativas de nivelar a instituição divina com diminuições humanas, o Integralismo não será contrário à Encíclica Mortalium Animos. [27]
d) Os nexos culturais e históricos que existem entre os vários países da América Latina, proporcionam ao nacionalismo uma visão larga, e fazem esperar uma defesa coletiva da cultura sul-americana, e uma influência mundial dos seus princípios. [28]
Conclusões
1. A religião não impõe e nem impede a adesão dos católicos ao Integralismo. [29]
2. O Integralismo contribui para a philosophia perennis pela sua doutrina da Quarta Humanidade e do homem integral, mormente pela afirmação vigorosa do direito que assiste ao pensador de preferir a visão integral do problema a soluções parciais embora dignas de respeito. Em comparação com o Estado totalitário o Estado Integral representa um progresso, porque não inclui a ideia cesariana de autoridade e exprime melhor a iniciativa das partes no todo. [30]
3. O Integralismo é um sistema aberto e perfectível, que oferece uma base sólida para estudar novas soluções e enfrentar novos problemas.
4. Merecem toda a consideração as reflexões apresentadas por Tristão de Ataíde: a) São atitudes dignas de censura a condenação, a exaltação, a expectativa. b) É perfeitamente compatível com a doutrina e a prática do catolicismo a compreensão ou penetração simpática, e a participação ideal, considerando-se membro doutrinário do movimento. c) Pode ser de grande alcance para o futuro do Brasil que ingressem no movimento católicos leigos que não tenham responsabilidade de direção na Ação Católica, e tenham vocação política, sem perda da sua consciência católica, que deve estar sempre acima de tudo, pois é a própria expressão da sua honra e da sua dignidade de homens. [31]
Notas e referências
[1] Publicação oficial. Miguel Reale. ABC do Integralismo. X. Rio, 1935. Nota do Site: Em Diretrizes Integralistas.
[2] Oswaldo Gouvêa. Brasil Integral. App. Rio, 1936. Nota do Site: Em Manifesto-Programa de 1936.
[3] Gustavo Barroso. O que o integralista deve saber. Rio, 1935.
[4] A. A. S. 1931 p. 306.
[5] Léon de Poncins, Tempête sur le monde.
[6] Gustavo Barroso. O Integralismo e o Mundo. Rio, 1936.
[7] Sessão de 28-8-1936, em homenagem ao Exmo. Sr. Bispo de Campos. A Tribuna, 5-9-1936. [Nota do Site: Omitimos os parágrafos desta seção em análise do nazismo e do fascismo, pois não dizem respeito ao tema de estudo do Integralismo perante o Catolicismo.]
[8] Plínio Salgado. A Quarta Humanidade. 2ª Ed. Rio, 1936.
[9] Miguel Reale. O Estado Moderno. Rio, 1934; Olímpio Mourão. Do Liberalismo ao Integralismo. Rio, 1935; Gustavo Barroso. Espírito do Século XX. Rio, 1936; Paupério e Moreira. Introdução ao Integralismo. Rio, 1936.
[10] Miguel Reale. O Estado Moderno. O Capitalismo Internacional. Rio, 1935; Formação da Política Burguesa. Rio, 1935; Atualidades de um mundo antigo. Rio, 1936; Gustavo Barroso. O quarto império. Rio, 1935; Ovídio da Cunha. Ensaio de perspectiva da história. Rio, 1936; Anor Butler Maciel. O Estado Corporativo.
[11] Danton, cap. I.
[12] S. Tomás, [Suma Teológica] IIa. IIae. quaest. XLII.
[13] Olímpio Mourão. Do Liberalismo ao Integralismo.
[14] Plínio Salgado. A Psicologia da Revolução. Rio, 1933. A Doutrina do Sigma. São Paulo, 1935.
[15] [Suma Teológica] IIa. IIae. quaest. XCV, art. 5, ad. 2.
[16] Nota do Site: Do Código de Direito Canônico de 1917. O cânon 1324 dispõe sobre a prevenção não apenas contra as heresias, mas a todos os erros que se aproximem da heresia, e a estrita observância de todas as constituições e decretos da Santa Sé que tenham condenado e proibido falsas opiniões.
[17] [Suma Teológica] IIa. IIae. quaest. CIX, art. 3.
[18] Gustavo Barroso. Brasil – Colônia de Banqueiros. Rio, 1934; Miguel Reale. O Capitalismo Internacional; Plínio Salgado. Doutrina do Sigma.
[19] Miguel Reale. ABC do Integralismo. Perspectivas Integralistas. São Paulo, 1935.
[20] Plínio Salgado. Palavra Nova dos Tempos Novos. Rio, 1936. Olímpio Mourão Filho. Do Liberalismo ao Integralismo. Anor Butler Maciel. O Estado Corporativo. Jaime R. Pereira. Democracia Integralista. Rio, 1936.
[21] Gustavo Barroso. O Quarto Império.
[22] La Vie Intellectuelle, I-7-1936.
[23] A Offensiva, 9-8-1936. Nota do Site: Em 7 Reflexões sobre Verdadeiro e Falso Nacionalismo.
[24] Plínio Salgado. A Psicologia da Revolução.
[25] Santo Tomás, [Suma Teológica] IIa. IIae. quaest. CXIV, art. 3; Pio XI, Encíclica Caritate Christi compulsi, de 3-5-1932 sobre a oração e a penitência. A. A. S. 1932 p. 184.
[26] Enc. Quadragesimo Anno, A. A. S. 1931, p. 187.
[27] Pio XI. Enc. Mortalium Animos, de 6-1-1928, sobre a verdadeira unidade na religião. A. A. S. 1928, p. 5.
[28] Plínio Salgado. Discurso no Centenário de Carlos Gomes, Campinas, 11-7-1936.
[29] Nota do Site: A conclusão do Pe. Ludovico Kauling coincide com a resposta de Nossa Senhora das Graças sobre o Integralismo, ao Pe. Kehrle, em sua aparição em Pesqueira, 1936. Questionada se era lícito ao católico auxiliar o Integralismo, Nossa Senhora respondeu: “Se quiseres” (Eu sou a Graça, p. 293).
[30] Gustavo Barroso. O Integralismo e o Mundo.
[31] Indicações Políticas. Rio, 1936.