Esta entrevista foi concedida ao Diário de Notícias (Rio de Janeiro), e publicada em 25 de março de 1935. Aqui, Plínio Salgado explica a posição que terão, no Estado Integralista, os intelectuais, a Arte e a Literatura.
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Sobre a atitude dos intelectuais brasileiros em face do momento político?
Penso que ele (o intelectual brasileiro) não pode se desinteressar do assunto porque é um dos que se encontram mais ameaçados. Se continuar a liberal-democracia, o intelectual continuará a ser a flor exótica das estufas burguesas, o elemento decorativo de uma sociedade materializada, a fauna bizarra dos excêntricos. Será mantido como um luxo de civilização. Será explorado como secretário de todas as mediocridades. Suas ideias, sua capacidade de expressão estarão sempre ao serviço dos que, ao mesmo tempo, os festejam e os desprezam. Os intelectuais, portanto, devem desejar a queda de um regime que os explora, dando-lhes os pratos de lentilha dos cargos burocráticos, enquanto outros lhes usurpam o governo da Nação. Esta revolução integralista é, principalmente, a rebelião das inteligências, a insurreição das elites longamente submetidas a um sistema de cativeiro.

Plínio Salgado
Quais as diretivas, nesse sentido, do Integralismo e como orienta a sua ação?
O Integralismo quer mobilizar todas as forças intelectuais brasileiras, a fim de formar uma verdadeira Aristocracia da Cultura, baseada no hierarquismo dos valores pessoais da inteligência, do trabalho, do armazenamento de conhecimentos. Como se sabe, o Integralismo não é um partido: é um movimento de vastíssima amplitude, abrangendo todas as expressões das atividades humanas. Temos uma visão totalitária do mundo, não somente no que concerne às suas formas expressionais, porém, no que se refere também a seus movimentos. Somos uma revolução que se opõe ao que o século XIX chama evolução. Somos a revolução permanente porque o mundo não para, e por isso o movimento é constante tanto no mundo da matéria como no mundo do espírito. Revolução é direito do espírito. Existe um princípio moral imutável, como imutável é a essência do mundo material. Tudo o mais varia e por isso é que concebemos o Estado Revolucionário, em transformação contínua, guardando uma inalterável essência, que ultrapassa os domínios tanto do Espírito como do desenvolvimento material das forças econômicas, porque é a essência do Infinito. Nestas condições, partindo de uma concepção totalitária do universo e de seus movimentos, o Integralismo é, por índole, totalitário, abarcando no campo das atividades humanas todas as suas expressões. Ora, entre as expressões do Homem está a intelectual. Como decorrência do nosso pensamento filosófico, estão os problemas econômicos, os problemas político-sociais. Como cúpula, porém, de toda a civilização que desejamos construir, estão os Pensadores e os Artistas. Em todos os ramos das atividades do Estado Integral, precisamos de intelectuais. São eles os que devem governar a Nação. Só eles compreenderão o sentido ético da nossa Revolução. Só eles, pelo seu próprio caráter de desinteresse material, estão em condições de recompor equilíbrios sociais todas as vezes em que ele se der pelo desencadeamento das forças cegas dos fatores materiais da sociedade. Só eles, pela sua sensibilidade, pela sua intuição, pela sua mediunidade serão capazes de compreender os mistérios da Raça, a voz secreta da terra, os anseios profundos do ente humano.
Não observa nos escritores uma tendência, em certos círculos, acentuada, para o extremismo?
O extremismo quer destruir os escritores, servindo-se deles, apenas, como instrumento. O homo economicus não compreende o homem superior. Se existe alguma coisa que não se subordine a standards é o pensamento humano. Nada anseia tanto pela liberdade. Ora, o comunismo impõe um standard em estética. Isso nesta primeira fase, em que é necessário usar dos escritores como “forças de vanguarda”. Futuramente, mandará a arte às urtigas, como, desde já, está mandando o pensamento puro na Rússia Soviética. A essência do comunismo é a negação do homem. O homem para ele não existe; o que existe é o valor econômico. O homem é um número. Nada mais contrário ao pensamento puro. A subordinação da filosofia à ciência é uma castração em massa de todos os geradores de ideias. A filosofia materialista e burguesa do século XIX foi que gerou o comunismo. O evolucionismo conformista, comodista e burguês de Spencer procede da mesma fonte de que se originam Feuerbach e Marx. Todos vieram dos animalizadores da criatura humana: Darwin, Lamarck, Haeckel. Compreende-se porque o comunismo faz guerra de morte à “intelligentsia”. É preciso destruir no homem os últimos vestígios do Espírito. Então, quando tudo for massa proletária, governarão meia dúzia de financistas. A Arte será objeto de riso. A Arte é também o ópio que faz esquecer as misérias. Daí a mediocridade espantosa dos escritores a que alude, eivados de ideias extremistas. É que já sofreram a castração do Pensamento. Sua arte repete a arte realista do século passado. Sua arte é “interessada”, não no sentido de expor angústias humanas, situações do espírito humano, dramas da alma, inquietações, como tantos romances que, ferindo assuntos sociais terminam sem nenhuma conclusão, deixando uma sombra de mistério nas suas páginas. A arte desses comunistas é repetida como uma liçãozinha aprendida em Bukharin, em Trotsky, em Lênin. Todas têm, como as fábulas do barão de Paranapiacaba, o seu conceito. São os Zolas falsificados. São, muitas vezes, os “diletantes” nos quais se surpreende, quando tratam de assuntos nacionais, a alma do turista, a mera curiosidade. Já perderam a alma. Esses podem ser extremistas. Mas os verdadeiros valores nunca serão bolchevistas, porque preferirão à arte standard dos bureaus da Komintern os grandes gritos de Nietzsche e o rumor abafado de procela que ruge debaixo das tragédias de Ibsen. O Integralismo quer a liberdade do Ser Humano. O Estado Forte que desejamos construir respeitará a personalidade do Homem, o seu direito e o seu dever de interpretar o universo, de exprimir pelo pensamento, pela cultura o seu diálogo com o Infinito.
A sua pergunta sobre se a Arte, no Integralismo, será desinteressada ficou respondida com as palavras que acabo de lhe dizer. Realmente não podemos submeter a arte brasileira ao vexame a que submeteram a arte na Rússia. Todos os escritores comunistas são como meninas de colégio: vestem-se com o mesmo uniformezinho, andam em fila guiados pelas madres do internato. Seria uma vergonha que fizéssemos o mesmo no Brasil. Além do mais, essa pequena mentalidade dos plagiários dos novelistas burocráticos da velha Rússia corresponde a uma expressão de mentalidade do século passado. Na verdade, para considerar os problemas contemporâneos, precisamos libertar-nos do “processo de pensar” do século XIX e o marxismo representa uma das modalidades do unilateralismo daquele século, conforme observou Henri de Man. Essa unilateralidade provém mesmo dos processos de experimentação científica, porque o século passado foi um conjunto de laboratórios de especializações, dentro dos quais ficaram os pais da filosofia medíocre dos positivistas e evolucionistas. A Arte, porém, não pode ser unilateral porque se tornaria ridícula. A amplitude, a altura e a profundidade, o sentido misterioso da Arte, o seu ímpeto de liberdade, a sua inquietação, a sua tentação eterna de Infinito, jamais se conteriam nos cânones estreitos de Lunatcharski ou desse medíocre compêndiozinho de Trotsky sobre literatura, tão medíocre que já hoje desapareceu completamente da circulação. Não: a Arte Integralista será tão revolucionária como o Estado Integralista. Ela não se conformará com os estatutos de clube de futebol daquela arte submissazinha e enlatadazinha para fins bolchevizantes de invictos que aparecem ainda na literatura brasileira com o disfarce de um modernismo mais que suspeito, e os cabelos brancos que traem a procedência made in Russia.
Pode-se afirmar que o Integralismo é, antes de tudo, a afirmação da Personalidade. O Estado Integral será forte, para evitar que forças organizadas à sua revelia venham atentar contra a liberdade humana, pela inoculação de venenos que destroem por completo, sem que o paciente o perceba, a sua fibra de masculinidade criadora e a sua energia espiritual que então cai na estagnação das tranquilidades anunciadoras da morte do Homem.
Não julga que os intelectuais brasileiros continuam, em geral, muito desinteressados dos problemas políticos, quer partidários, quer ideológicos, sendo que aqueles que têm atividade política a exercem em terreno inteiramente estranho ao intelectual?
Isso poderíamos dizer até há pouco. Agora, vejo no Integralismo tantos valores intelectuais, que seria injustiça responder afirmativamente a sua pergunta. É que os intelectuais compreenderam a sua missão, o ludibrio em que viviam, as ameaças com que o comunismo se lhes apresenta. As forças bárbaras da terra, as energias da nossa raça, exprimem-se mais facilmente naqueles que, pela sua sensibilidade, pela sua intuição e pela sua mediunidade são os escolhidos pelas forças ocultas da natureza e da alma das populações de que são índices, para as interpretar e as traduzir. Parece um absurdo mas não é. A alma livre do caudilho, a bravura selvagem do cangaceiro, a misteriosa comunhão cósmica do homem brasileiro com a floresta, a complexidade de nossas tendências caboclas, tudo isso vai se traduzir no extremo oposto, na alta cultura, na alta sensibilidade das aristocracias intelectuais. Só estas saberão aproveitar essas forças bárbaras para criar uma civilização nova. O “homem telúrico” vive e palpita na alma das nossas verdadeiras elites, daquelas que não se confundem com a vassalagem dos que perderam a personalidade em face das literaturas estrangeiras que os esmagaram. Eis porque estou convencido de que é aos intelectuais brasileiros que deveremos dar o governo da Nação. Este movimento procede dos grandes anunciadores, dos profetas da Pátria, que foram, nestes últimos tempos, por mais que choque o contraste de suas personalidades, Euclides da Cunha, Farias Brito, Alberto Torres, Olavo Bilac, Graça Aranha e Jackson de Figueiredo. Estes homens foram absolutamente diferentes. Entretanto havia neles uma lógica misteriosa. É com a força dessa lógica que estou construindo este movimento. Vem daí o meu ardente desejo de organizar uma verdadeira aristocracia intelectual, com a qual poderemos dar combate à brutalidade tanto do capitalismo explorador, como do comunismo escravizador. A brutalidade dos medíocres. A estupidez dos demagogos. A ambição dos conspiradores. O materialismo dos atormentados pela exaltação sexual. A indiferença dos comodistas. A subserviência dos fracos de espírito. A indisciplina dos incapazes. O despeito dos fracos. A ironia dos decrépitos. Para sustentar essa aristocracia do Pensamento, da Cultura, estou formando a milícia dos camisas-verdes.