Este artigo de Miguel Reale é um esboço do que depois se transformou em trecho do livro ABC do Integralismo e, em parte, Perspectivas Integralistas. Foi publicado no jornal A Offensiva. Este é um dos textos mais importantes escritos nos anos 30 sobre o Corporativismo Integralista, sendo citado por todos os principais doutrinadores do Sigma.
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O Corporativismo pregado pelo Integralismo é mais completo que o fascista, pois não consideramos apenas as corporações econômicas, mas também as corporações sociais e culturais da Nação, como as Igrejas, o Exército, a Magistratura, e as Sociedades das Ciências e das Artes.
De mais a mais, enquanto na Itália ainda subsistem um Senado de base não-corporativa e um Conselho originado do Partido Fascista (fora das corporações), nós, integralistas, proclamamos que só é legítimo o poder constituído sobre alicerces corporativos.
As corporações, portanto, não estarão, no Brasil, subordinadas a um poder político de origem não-corporativa; as próprias corporações serão o Estado.
Sendo integral o nosso corporativismo, ao lado da Câmara Corporativa Econômica — síntese mais alta das atividades produtivas da Nação — haverá um Conselho Nacional reunindo os representantes das corporações não-econômicas. A missão deste Conselho é especialmente de antepor os interesses nacionais aos interesses particularistas dos grupos, pois o Estado Integral não é o Estado subordinado à Economia, mas sim o Estado supereconômico, que está acima da Economia, não como produtor, mas como orientador e fiscalizador.
A mesma organização existente no âmbito municipal se produz, como no círculo provincial congregando federações sindicais, no âmbito nacional compondo em unidade as corporações.
Não se confunda, portanto, corporação com sindicato. O sindicato é a sociedade que representa um grupo de homens que se dedicam ao mesmo ofício, como, por exemplo, o sindicato dos motoristas.
Se todos os sindicatos de motoristas da província de São Paulo se reunissem, nós teríamos a “Federação dos Motoristas”. E por fim, a “Confederação Nacional dos Motoristas”.
Pois bem, não são somente os motoristas que têm os seus interesses ligados ao problema do transporte comercial, pois há empresas, patronais, companhias ferroviárias, etc., etc. Quando os representantes desses se reúnem para resolver sobre os problemas comuns, surge a Corporação.
A corporação moderna não é, porém, fechada e exclusivista como eram as corporações da Idade Média que só olhavam para o interesse interno da classe. A Nação possui muitas profissões, muitíssimos setores de atividade. Por isso, as corporações integralistas têm um caráter nacional, são coordenadas entre si, de maneira que um grupo nunca resolve sem serem consultados os demais. Dessa forma, impede-se que os plantadores de café obtenham vantagens em detrimento das outras classes, e que um grupo de industriais consiga a proteção alfandegária para indústrias artificiais, causando imensos prejuízos ao povo.
Organizado dentro dos princípios do corporativismo integral, o Brasil poderá alcançar o equilíbrio social de que tanto necessita, equilíbrio de forças em composição harmônica, e não equilíbrio de morte por terem esgotado as forças.
Para provar a superioridade da Democracia Corporativa sobre a Democracia Liberal, basta comparar o partido com a Corporação ou o sindicato.
Enquanto o partido é heterogêneo, a Corporação é homogênea, congrega homens do mesmo ramo de atividades, e, portanto, naturalmente unidos.
Enquanto o partido é artificial e transitório, vivendo em função de descontentamentos pessoais, a Corporação é natural, pois os homens se procuram naturalmente quando têm as mesmas coisas a defender.
Enquanto o partido só tem vida real nos passageiros instantes das eleições e é, portanto, intermitente, a Corporação, exprimindo um sistema de forças sociais que não sofrem solução de continuidade, é ipso facto, um organismo permanente.
Enquanto o partido se constitui nos grandes centros para impor os seus quadros ao resto do país, a Corporação congrega elementos sindicalizados ligados a problemas de toda a Nação e, muitas vezes, especificamente locais, não da periferia, mas do sertão.
Enquanto o partido se forma animado do desejo de galgar o poder para excluir os outros partidos, a Corporação é um órgão do próprio Estado, objetivando a solução das questões próprias e no conjunto orgânico das questões nacionais: o partido é força de exclusão, enquanto que a Corporação é elemento de coordenação.
Enquanto o partido acaba entregando o poder a um grupo (PC, PRP, PRM, etc.), a Corporação sempre se mantém como um dos elementos de governo: quem governa não é esta ou aquela classe, mas a Nação diferenciada em todas as suas classes.
Enquanto o partido, empenhando-se nas lutas hegemônicas, lança brasileiros de uma província contra brasileiros de outras províncias, a Corporação reúne todos os brasileiros cuidando de seus interesses de um modo orgânico e unitário, sem exclusivismo e parcialidades.
Enquanto o partido, pelo fato de precisar de um voto que diretamente não interessa ao eleitor, é obrigado a usar de sistemas de corrupção, a Corporação, distinguindo os homens segundo setores de atividade social, moraliza o voto, pois cria o interesse no eleitor que sabe que o representante por ele escolhido irá falar em seu nome, tratar de seus problemas, cuidar de suas necessidades: o partido é elemento de corrupção, a Corporação é fator de moralização.
Enquanto o partido organiza planos de governo para um quadriênio, vendo sempre o fantasma da derrota nas urnas, a Corporação permite o descortino de vastos horizontes, a fixação de uma planta nacional para ser realizado em dezenas de anos; o partido impede a continuidade administrativa; a Corporação a exige.
Enquanto o partido é um intermediário entre o povo e o governo, a Corporação é um órgão no qual o próprio povo se reúne para governar.
Enquanto o partido é uma reunião de homens devido a interesses momentâneos, imediatistas e, às vezes, inconfessáveis, a Corporação é uma reunião de homens para tutelar interesses permanentes e legítimos: o partido nasce do absurdo oportunista; a Corporação se funda na mútua compreensão dos direitos e dos deveres comuns.
Enquanto o partido força o Estado a tomar esta ou aquela medida econômico-financeira, regado a forças dos grupos que o financiam e abertamente o dirigem, a Corporação só pode agir com o conhecimento dos demais, sob a fiscalização do Conselho Nacional.
Enquanto o partido reúne trabalhadores e parasitas, a Corporação só acolhe em seu seio homens criadores de riquezas e de utilidades sociais, culturais ou econômicas: o partido é muitas vezes o desaguadouro dos fracassados de todas as profissões; a Corporação, ao contrário, permite o reconhecimento de esforço e capacidade.
O partido exprime o capricho de um momento, capricho provocado pelas artimanhas da propaganda astuciosa: a Corporação reflete uma vontade consciente.
O partido, por ser pragmático, vive no terreiro dos programas; a Corporação tem necessidade de uma doutrina, pois, sendo órgão de um Estado, é também expressão de sua soberania e de um regime.
O partido olha no homem somente a sua atividade cívica; a Corporação se funda na concepção integral do homem, objetivando a expansão de todas as suas energias.
O partido leva à Democracia Ilusória em que governam os banqueiros e os plutocratas; a Corporação leva à Democracia orgânica e realista que identifica Estado e Povo, Estado e Nação.
Miguel Reale
A Offensiva, 10 de agosto de 1935.