O Manifesto Municipalista foi escrito por Plínio Salgado e Goffredo Telles Júnior, então representante do Sigma na Câmara dos Deputados. Na V Convenção do Partido de Representação Popular (1948), agremiação partidária do Movimento Integralista entre 1945 e 1966, o documento foi lido por Goffredo. A Convenção havia sido dedicada a estudos e debates aprofundados sobre o Municipalismo. Em uma das sessões, Goffredo proferiu um discurso sobre o municipalismo integralista, por influência de uma conversa que teve com José Denizard Macedo, de Fortaleza, sobre a necessidade de sistematizar as ideias municipais do PRP. Conversando, depois, com Plínio Salgado, sobre seu propósito de lançar uma grande campanha municipalista em escala nacional, Goffredo entregou-lhe o texto de seu discurso, que foi formalizado, mais tarde, como o Manifesto. A leitura do Manifesto veio na sessão solene de encerramento, à noite, transmitida pelo rádio e acompanhada por uma grande massa popular. Logo em seguida, Murillo Fontainha propôs a sua leitura nas tribunas por todos os vereadores e deputados integralistas. Nos anos seguintes, o Manifesto foi lido na tribuna de centenas de Câmaras Municipais em todo o Brasil, sendo transcrito na imprensa de todos os níveis e regiões. No período de 1946 a 1966, os integralistas se empenharam especialmente na campanha de fortalecimento dos municípios. Isso se deu através de novos benefícios tributários, sociais, administrativos, financeiros, assistência técnica, etc. O municipalismo tornou-se, então, a “ordem do dia” entre os políticos e partidos do Brasil. E o Manifesto Municipalista lançou e capitaneou essa campanha, da qual resultaram os Congressos Nacionais dos Municípios e uma série de leis pró-municípios, dando às municipalidades uma vitalidade que desde nossa independência não haviam tido. Neste contexto está a importância do Manifesto, explicando o assunto e apresentando as 3 Bases do Municipalismo.
Manifesto Municipalista
I
Assim como a palavra espiritualismo resume nossa filosofia, a palavra municipalismo resume nossa política. [1]
Queremos a felicidade do homem na tríplice esfera de suas aspirações materiais, intelectuais e espirituais. Mas sabemos que o homem só será feliz se for livre, e só será socialmente livre se viver dentro de uma Pátria moralmente grande.
Ora, um país, como um todo, só é moralmente grande e politicamente forte, quando são pujantes os elementos de que ele se compõe.
Quais são os elementos de que se compõe a Nação Brasileira? Como se divide o Brasil?
Do ponto de vista administrativo, o Brasil se divide em Estados, que são criações políticas. Mas se considerarmos a evolução natural da sociedade brasileira, verificaremos que a Nação é constituída de Municípios, que se formaram espontaneamente, por força da própria vida. [2]
Os Municípios são, portanto, os elementos naturais de que se compõe o corpo da Nação.
O Brasil palpita e vive dentro de seus Municípios.
É dentro do Município que o povo, bem ou mal, vai tecendo sua existência cotidiana. É dentro do Município que o agricultor cultiva sua terra, o industrial transforma os produtos, o comerciante troca as mercadorias e que os homens de todas as profissões exercem seus misteres. E a produção, riqueza, a saúde e a cultura dos brasileiros só podem provir das atividades municipais — pois o Município é a oficina do progresso nacional.
É dentro do Município que a população aumenta e se prepara para o futuro.
É dentro do Município que cada cidadão tem sua família e seu lar, seu grupo profissional e sua associação de cultura, seu clube e seus amigos, sua igreja, e seus túmulos queridos no cemitério da cidade.
A União e o Município são os dois pontos em torno dos quais gira a quase totalidade dos interesses dos cidadãos e da Pátria. Em verdade, a vida de cada homem acha-se estreitamente ligada às condições do Município em que ele reside, assim a grandeza da União se afirma em razão direta da vitalidade dos Municípios, de que ela se compõe.
Somos, pois, municipalistas. Somos municipalistas porque vemos no Municipalismo o meio eficiente e adequado de realizar praticamente a nossa Carta de Princípios. Pelo fortalecimento do Município, promoveremos a expansão do organismo nacional, e, em consequência, aumentaremos o bem comum e particular dos cidadãos. Estaremos, assim, nos aproximando do ideal da felicidade humana e da grandeza nacional, que constitui o objetivo supremo de nossa luta.
II
Para nós não seja a palavra Municipalismo uma palavra vazia! Tantos se têm aproveitado dela em vésperas de eleição e dela se esquecido na hora das realizações!
Para nós, Municipalismo é o nome da nossa campanha: a campanha pelo fortalecimento dos Municípios brasileiros. Chamemo-la Cruzada Municipalista Nacional.
Em que consiste, exatamente, esta cruzada? Consiste não somente na defesa teórica do princípio da autonomia municipal, mas, sobretudo, no denodado esforço para a solução dos problemas fundamentais que afligem os Municípios da nossa terra.
Mil são os problemas dos Municípios brasileiros. Em grande parte destes, falta água encanada, falta rede de esgotos, falta calçamento nas ruas, falta eletricidade para iluminação suficiente e para energia adequada, faltam escolas, hospitais e maternidade; faltam órgãos de assistência social, faltam estradas e pontes. Faltam, enfim, quase tudo.
Mas o que cumpre proclamar, sem rebuços, é que quase tudo e muitas vezes tudo falta aos nossos Municípios porque, em verdade, uma coisa lhes falta: o dinheiro. Realmente, sob o aspecto material, o problema básico dos Municípios brasileiros é o da carência de dinheiro. Resolvido esta, os outros se resolverão automaticamente.
Assim, pois, nossa Cruzada Municipalista Nacional significa, antes de tudo, campanha contra a miséria dos Municípios.
III
De acordo com o artigo 28 da Constituição Federal [de 1946] compete aos municípios: 1º) realizar sua própria administração no que concerne a seu peculiar interesse; 2º) organizar os serviços públicos locais. Isto significa que, entre outros, são encargos municipais os seguintes: policiamento; organização e manutenção dos serviços de socorro relativo à saúde pública em geral; assistência à infância, à maternidade, às famílias de prole numerosa; assistência aos miseráveis e inválidos; fiscalização de gêneros alimentícios; organização e manutenção dos serviços de limpeza pública e saneamento; fiscalização do comércio e da indústria; instalação e manutenção dos serviços de água, esgotos e drenagem; abertura, calçamento e conservação de ruas, estradas e caminhos; fornecimento de luz e energia elétrica; organização e fiscalização de parques, jardins e cemitérios; extinção dos formigueiros e das pragas em geral, fomento da lavoura, do comércio e da indústria; introdução e colocação de imigrantes e colonos; levantamento de estatísticas, recenseamento da população e organização do cadastro industrial, fomento das artes e das ciências.
Numerosos e pesados são, pois, os encargos municipais. A experiência e os estudos já realizados sobre esta matéria, demonstram que as Prefeituras só poderão se desincumbir satisfatoriamente de seus deveres, se lhes for entregue, pelo menos, importância equivalente a vinte e cinco por cento da renda tributária total da Nação. Aliás, nos países civilizados do mundo inteiro, a percentagem média reservada para os Municípios é de trinta por cento das respectivas rendas tributárias totais.
IV
No Brasil, entretanto, os Municípios, com exceção das capitais dos Estados, só contam para se manter com três ou quatro por cento da renda tributária total do país! Com as vantagens que lhes foram conferidas pela Constituição Federal em vigor, essa percentagem se elevará, talvez, a sete ou oito por cento. É evidente, pois, que nossos Municípios, vivendo em estado de jejum permanente, têm sido submetidos, em matéria financeira, a um desarrazoado regime de sangria desatada. Jejum permanente porque, com os Municípios, não fica, nem de longe, a renda tributária suficiente para o pagamento das despesas ocasionadas pelos encargos que lhes são atribuídos. Sangria desatada porque, dos Municípios, é sugada, impiedosamente, em benefício da União e dos Estados, quase a totalidade de sua renda tributária.
E aqui está a explicação da tragédia muitas vezes ignorada dos Prefeitos do Interior, heróis silenciosos do bem comum, transformados em mendigos de empréstimos, implorando aos cofres estaduais a esmola de uma ajuda, para a construção de uma caixa d’água, ou para restaurar a barragem rompida de um açude, ou para refazer uma ponte que a enxurrada levou…
As sucessivas constituições brasileiras vêm consagrando o princípio da autonomia municipal. Mas tal princípio não tem sido mais do que um manto de irrisão. Ilusória autonomia, a dos nossos Municípios! Pois, liberdade na miséria, outra coisa não pode ser além de escravidão.
Que a verdade seja proclamada de uma vez por todas: quando os Municípios brasileiros solicitam um aumento de renda tributária, não estão mendigando: estão, sim, exigindo que lhes seja entregue o que lhes é devido, em virtude de sua importância na organização nacional.
Ergamos, portanto, a bandeira da rediscriminação das rendas tributárias, a fim de que seja conferida aos Municípios brasileiros uma receita proporcional a seus encargos.
Em consequência, nossa primeira tese municipalista, decorrente do princípio da autonomia municipal, é a seguinte:
Imediato fortalecimento do Município, por meio de uma equitativa discriminação de rendas tributárias.
Que nosso primeiro lema seja:
Dinheiro para os Municípios!
Mas a penúria municipal não decorre apenas de uma causa financeira. É o efeito, também, de uma causa de ordem econômica, qual seja, o desalento da produção rural.
Quem não percebe o desânimo, o abatimento e a tristeza que se apoderam do nosso homem do campo?
O trabalho na gleba diminui e a produção tem decrescido. Antigas lavouras estão sendo abandonadas e novas não foram empreendidas. As tulhas, os paióis, os armazéns estão vazios. Engenhos e fábricas acham-se paralisados.
É que uma profunda angústia invadiu nosso trabalhador rural. Ele assistiu às campanhas oficiais em favor de dezenas de produtos diferentes. E, perplexo, assistiu também às manobras oficiais que destruíram esses mesmos produtos. Acompanhou a história, sempre a mesma e sempre repetida, do nascimento, do apogeu e de extermínio das grandes riquezas nacionais, como o café, o algodão, a borracha, a seda, o rami, a juta, a mandioca, a soja, o amendoim, a laranja, a hortelã, o trigo, cuja sorte variou ao sabor de inconstantes marés provocadas por interesses misteriosos de mil forças ocultas. Cada produto que passou, deixou atrás de si um longo e profundo rastro de desilusão. É verdade que, não poucas vezes, deixou, ainda, mais cheias, as bolsas de meia dúzia de especuladores, que sabem o segredo de trazer para suas mãos gananciosas, o ganho, a paga, o lucro, que legitimamente pertencem aos autênticos realizadores da riqueza nacional.
O trabalhador rural viu seus produtos apodrecerem nos celeiros, por falta de meios de transporte. Viu seus escassos recursos se esvaírem, em virtude do pagamento de altíssimos fretes, de absurdas taxas de armazenagem e de preços proibitivos dos adubos, inseticidas, instrumentos e máquinas agrícolas. Foi escorchado por crescentes impostos antieconômicos, que a terra e o trabalho rural não podem suportar. Foi surpreendido e castigado pela retração do crédito, o que impediu o financiamento das lavouras.
Então, o desalento deu ingresso na casa do sitiante. E sucedeu o inevitável. Descrente e semivencido, o trabalhador rural sentiu o fascínio dos grandes centros urbanos. As luzes da cidade o atraíram. E, sob a influência de uma nova ilusão, largou a gleba e dirigiu-se para os parques industriais em busca de mais altos e mais estáveis padrões de existência.
Agora, nossos campos estão despovoados. Nossas lavouras estão minguando. Diminui a produção nacional.
Empobrece-se o Brasil.
Os Municípios do interior veem-se desfalcados de seus melhores homens, que se encaminham para as Capitais. A economia municipal entra em colapso. E a miséria se instala no sertão brasileiro.
Como conclusão, ressalta a impossibilidade de realizar a redenção dos Municípios, sem prévia salvação das atividades rurais. O que cumpre fazer é reconduzir as populações trabalhadoras para o campo.
Das capitais para o interior, rumo à gleba! Tal é o sentido do êxodo que pregamos.
Mas como conseguir um grande movimento populacional nessa direção? — Só há um meio, uma vez que, para atingir tal objetivo, nenhum método autoritário daria resultado. E esse é a reabilitação econômica das atividades rurais, ou seja, a realização de um vasto plano de assistência completa ao produtor, com abolição dos entraves que dificultam a produção. Com isto, o homem se fixará no campo, por força de seus próprios interesses.
Assim, nossa segunda tese municipalista é a seguinte:
Imediato incremento das atividades rurais, com a fixação do homem ao campo, por meio de financiamento adequado, fornecimento de sementes selecionadas, suprimento de adubos e inseticidas, técnica, garantia de preços mínimos, criação de redes de armazéns, silos e frigoríficos, segurança de transportes, redução dos fretes e das taxas de armazenagem, abolição dos tributos antieconômicos. [3]
Que nosso segundo lema seja:
Toda assistência aos produtores rurais!
V
Temos a certeza de que a realização dos propósitos contidos em nossas duas primeiras teses municipalistas fará renascer o amor à terra no coração dos brasileiros. O amor à terra acarretará, forçosamente, o amor ao Município. Surgirá assim, em todo o território nacional, um certo estado de espírito, uma homogênea consciência sertaneja, que se exprimirá num amor cada vez mais intenso pelo Brasil verdadeiro.
Com este amor arraigado no peito de seus filhos, a Pátria será indestrutível. Eis porque nossa terceira tese municipalista é a seguinte:
Incentivação do amor à terra e ao Município e, em consequência, ao Brasil, com a criação de uma mentalidade profundamente nacional, invulnerável a quaisquer influências desagregadoras e antibrasileiras.
Que o nosso terceiro lema seja:
Amor ao Brasil verdadeiro!
VI
Mas o Brasil verdadeiro não está em nossas grandes capitais cosmopolitas. O Brasil verdadeiro se acha nos Municípios do sertão e do campo.
Entretanto, até hoje, só as Capitais foram beneficiadas pelo regime reinante. Basta dizer, para comprová-lo, que o Distrito Federal levanta, em impostos, importância duas vezes maior do que a importância global cobrada pela totalidade dos Municípios brasileiros.
Na região do norte do país, 73,2% do comércio é realizado nas Capitais; no nordeste, 52%; no leste, 55%; no sul, 49%. Mais de 50% do imposto do giro comercial é arrecadado nas Capitais. Nestas, são realizadas 90% das operações bancárias do país, e nelas se acham instalados quase 40% dos estabelecimentos industriais existentes. Mais de 50% dos capitais investidos na indústria acham-se na Capital de São Paulo e na da República. E nestes dois centros, efetuam-se 60 a 70% das vendas mercantis realizadas em nossa terra.
Mas é necessário revelar que nas Capitais só se encontram 15 ou 16% da população do Brasil, sendo certo que a população das Capitais, em grande parte, não é brasileira, não exprime a verdadeira índole de nosso povo, achando-se contaminada pelo espírito decadente de velhas e esgotadas civilizações.
Cumpre dizer, entretanto, que, ao proclamarmos estas verdades, visamos igualmente o bem-estar das populações das Capitais, porque o abandono dos campos, com a hipertrofia dos grandes centros, ocasionará, por força, dificuldades de vida cada vez maiores nesses mesmos centros, onde as necessidades aumentarão de mais e mais, e onde os recursos produzidos pelas atividades rurais, irão escasseando progressivamente. Batendo-nos pelas populações do interior, beneficiamos também as populações das Capitais. Pois, se estas são as consumidoras, aquelas são as produtoras. E, como é claro, o depauperamento dos produtores determina fatalmente a angústia dos consumidores.
Esta é a hora do campo. Esta é a hora do sertão. Esta é a hora de 85% da população nacional — dessa população dos campos, dos sítios e das praias, das pequenas cidades de todo o território da Pátria; dessa população que continua autêntica e imaculada, e que o cansaço, o ceticismo e a maldade do século não atingiram.
É preciso, agora mais do que nunca, que a vontade do campo e do sertão se manifeste, influindo nos destinos da nacionalidade. É preciso, pois, que a voz do homem do interior seja ouvida e respeitada. E, sobretudo, é preciso que o campo e o sertão estejam de pé e a postos, em permanente vigília.
Com estes objetivos, bater-se-á sem trégua o Partido de Representação Popular.
Façamos grandes os nossos Municípios. Demos-lhes os meios de que necessitam para se governarem, com independência e altivez, em tudo quanto diga respeito a seus peculiares interesses. Estimulemos suas fontes de produção, para que se enriqueçam, beneficiando os cidadãos e fortalecendo o Brasil. Defendamos sua integridade territorial contra quaisquer propostas de desmembramento, que não atendam à expressa determinação dos próprios munícipes. E, principalmente, acumulemos no interior do país as energias puras da raça. Ali construamos a barreira intransponível da honra do nosso povo.
O Partido de Representação Popular desfralda neste momento a Bandeira do Municipalismo, e assume a direção da Cruzada Municipalista Nacional.
No desenvolvimento desta ação, estamos certos de que não nos arrependeremos. Porque, um dia, todos os Municípios — do sertão, dos campos, do litoral —, despertados em espírito da Unidade da Pátria, salvarão o nosso Brasil.
Notas do Site:
[1] O Integralismo é, segundo os doutrinadores integralistas, a política de vitalização das autonomias sociais, que existem e operam no município. O fortalecimento da vida municipal (municipalismo) é, portanto, em última análise, o resumo da política integralista. Dentro do contexto do Estado, também escreve Gustavo Barroso (A Sinagoga Paulista, Rio de Janeiro: Renato Americano, 1937, p. 169): “A realidade política brasileira se afirma na autonomia municipal. Politicamente, é esse o alicerce da doutrina integralista”. Na Ordem Política, deduz-se dos documentos integralistas, o Estado Integral fundamenta-se, antes de tudo, no Município, partindo da sua intangibilidade sagrada.
[2] Escreve Plínio Salgado, no capítulo República sindicalista, em O Integralismo na Vida Brasileira, sobre a doutrina integralista: “Havia, ainda, o problema inerente à nossa organização municipal e ao sistema federativo, os quais deveriam se manter íntegros, a primeira por doutrina (a autonomia como expressão das autonomias dos grupos naturais e das pessoas que compõem o município) e o segundo como imperativo histórico e conveniência evidente da administração de um país de tamanha vastidão territorial”.
[3] O Projeto nº 277, Revolução Agrária, proposto por Plínio Salgado, busca dar os meios de efetivação prática desse princípio.