Em julho de 1957, o Partido de Representação Popular realizou em Vitória a sua XIV Convenção Nacional. Em uma emocionante sessão, o Sigma voltou a ser o símbolo oficial do movimento integralista. A Convenção ainda aprovou a criação de novos dispositivos nos Estatutos do PRP, prevendo a defesa do Corporativismo e esclarecendo sua doutrina sobre o Estado, a democracia, o nacionalismo, o espiritualismo e a política externa. Foi preparado o Jubileu de Prata do Integralismo, com o retorno da camisa-verde. Na sessão de encerramento da Convenção, Plínio Salgado leu um Manifesto à Nação. É o que segue.

Manifesto de Vitória

O Partido de Representação Popular, reunido em Convenção Nacional na Capital do Estado do Espírito Santo, após ter examinado a situação brasileira em tudo quanto se refere à sua vida econômica, financeira, administrativa, social, política e moral, entende de seu dever dirigir um Manifesto à Nação, expondo as conclusões a que chegou e traçando as normas de suas atividades inspiradas pela doutrina que esposa.

A Nação Brasileira, ainda que os dias transcorram e os aspectos materiais do seu território se transmudam segundo os imperativos do progresso técnico, apresenta, invariavelmente, os mesmos problemas que se oferecem a sucessivas gerações. Quer no tocante ao setor econômico-financeiro, quer no referente à situação dos partidos, ou considerando-se o panorama social, quando se tem a impressão de haver caminhado através do tempo, verifica-se que se continua no mesmo lugar.

Plínio Salgado lendo o Manifesto de Vitória

Retrospecto histórico e atualidade brasileira

Nada mudou no país. O período anterior à Ditadura, e assinalado entre os anos de 1930 a 1937, não difere em nada do posterior ao Estado Novo, tendo este constituído apenas um parêntesis na evolução político-social de nossa Pátria. Continuamos na mesma. Os fenômenos, enquanto se manifestam sob formas aparentemente diversas, ainda são os de ontem, expressivos de uma Nação que não encontrou o centro de gravidade e de equilíbrio de suas instituições.

No advento da Ação Integralista Brasileira, em 1932, a dificuldade econômica andava paralela à desordem política e à confusão dos espíritos. Aquele movimento surgiu principalmente como uma definição no meio da indefinição geral. Mas a indefinição decorria da idêntica atitude de todos os indefinidos: a do utilitarismo agnóstico e oportunista, gerador de uma visão estreita e unilateral que a todos levava a trabalhar em favor da Anti-Nação, julgando muitas vezes bem servir ao Brasil.

Hoje, em maior volume e gravidade, subsistem as mesmas crises e os mesmos choques de ambições particularistas; persiste o desconhecimento da hierarquia dos valores humanos e nacionais, não se concatenam os temas fundamentais relacionados com a vitalidade da Pátria, segundo suas naturais conexões; as opiniões se dividem, umas atendo-se ao Social em prejuízo do Nacional, outras cingindo-se ao Nacional em detrimento do Individual; outras jungindo-se ao Individual em favor do Bem Comum e dos superiores interesses da Nacionalidade. Nestas condições, não existe unidade de planos e de direção por parte dos Governos, como não se a verifica no campo da Oposição, nem se a observa na linha de comando dos partidos. Tudo é consequência da falta de uma definição doutrinária, de uma concepção filosófica de que proceda o critério uniforme da interpretação dos fenômenos sociais, econômicos e morais, o método capaz de equacionar os termos de cada problema e os princípios normativas dos largos planejamentos da estrutura política e da gerencia administrativa.

Desagregação dos partidos

O descontentamento geral é fruto da desorientação de todos; e as queixas que se levantam da Oposição contra o Governo e do Governo contra a Oposição, dentro de um clima em que as diversas categorias de Produção vivem permanentemente a lamentar-se, degeneram numa vasta desilusão popular.

Esta desilusão pelos homens públicos vai-se transformando, dia a dia, em desilusão pelas Instituições, em descrença nas iniciativas do Executivo, nas atividades do Legislativo, na isenção do Judiciário, na honestidade dos atos políticos do sufrágio e na apuração.

O Povo perdeu a consciência política porque os partidos em que se arregimentava perderam a substância programática, diluíram-se na indisciplina, corroeram-se pelo regionalismo, despiram o caráter nacional, abdicaram da autoridade parlamentar, calaram-se diante de todas as questões postas à discussão nos plenários legislativos e nas colunas da imprensa e deixaram que seus representantes se desgarrassem e se unissem aos de outras legendas no comum objetivo de reivindicações extrapartidárias.

Uma Lei Eleitoral engendrada a capricho para impedir o funcionamento nacional das agremiações políticas e para exauri-las do possível conteúdo ideológico, torna impotente o esforço dos dirigentes no sentido de imprimir uma fisionomia uniforme à parcialidade que comandam. Surja a tese do divórcio ou da legislação agrária, da reforma do ensino ou da exploração do petróleo, e veremos posições assumidas individualmente pelos parlamentares, formando blocos em que se misturam elementos dos mais variados matizes, mas nunca veremos a atitude do partido a que pertencem, chamando-os ao dever de respeito à legenda, em razão de cujo programa determinada fração popular os teria eleito, de sorte que o eleitor nunca sabe se o seu representante vai satisfazê-lo ou desagradá-lo quando houver de debater ou votar esta ou aquela proposição.

Decorre de tal fato a ausência de fé e de confiança nos partidos, que atuam da vida pública brasileira apenas como instrumentos de conquista do Poder ou de posições lucrativas, nada mais representando para seus respectivos eleitorados senão agências de colocação ou escritórios de corretagem nas aventuras inconfessáveis da advocacia administrativa. 

Origina-se de tão lamentável espetáculo a onda de postulantes de favores, que se encrista e espumeja às portas dos Ministérios, alçando-se em ressaca nas antessalas do Catete e ameaçando afogar deputados e senadores, forçados ao exercício da dourada mendicância para auferir os óbulos do prestígio indispensável ao mercadejar dos votos nas periódicas feiras do sufrágio universal.

O eleitorado avilta-se transacionando benefícios e submetendo-se à pressão dos doadores de verbas, dos emitentes de despachos nas tendas do Executivo, dos propinadores do “dá-se um jeito” jorrados das cornucópias do Poder. No íntimo, entretanto, esse eleitorado é tão disponível como os partidos a que temporariamente se ajeita; basta simular uma situação estadual para que o rebanho tresmalhe na direção de outro mangueiro onde o novo capataz enche de milho o cocho dadivoso. Porque ninguém acredita nem nos partidos, nem nos seus homens, e se estes exploram o Povo, o Povo também os explora, enquanto não forem bagaço de prestígio a caminho da derrota eleitoral inevitável… O Povo vota sempre, ou em função de interesses individuais, ou por ser “do contra”, cedendo ao impacto da propaganda de aventureiros inéditos ou soezes. E isso é a política no Brasil.

Novos deuses do paganismo político

Como pode, entretanto, essa matéria-prima do sufrágio, que afinal se constitui de indivíduos mais ou menos sentimentais, viver sem acreditar em alguma coisa? Os que conhecem a psicologia dos elementos formadores da “massa”, atentos à lição de Sorel quando afirma “ser mais fácil uma revolução por causa da cor de uma bandeira do que por um pedaço de pão”, oferecem novos mitos ao fetichismo das turbas. O mais recente de todos é o falso nacionalismo, que já produziu seus efeitos nos povos hoje dele despojados por aqueles mesmos que o insuflaram, utilizando-o na coordenação das disponibilidades mentais e sentimentais, sempre à mercê das manobras das minorias solertes.

O mais curioso é notar que as mesmas teses levantadas entre 1932 e 1937 pelo Integralismo e que eram então malsinadas e apontadas como revelações de fascismos e nazismo, são hoje desfraldadas como bandeiras de sagradas reivindicações nacionais, porque agora é o Comunismo que as fornece, por ordem expressa de Moscou.

O Comunismo Internacional está comandando o Nacionalismo Brasileiro! A ausência de conhecimentos políticos, não apenas na massa popular, mas nos homens de partido e nos intelectuais do país, cria a mais favorável das condições ao processo leninista de composição de circunstâncias sociais e estados psicológicos específicos determinantes da “oportunidade histórica” propiciadora da transformação do Estado Liberal-Democrático em Estado Totalitário Bolchevista.

O verdadeiro e o falso nacionalismo

O Nacionalismo não pode ser considerado unilateralmente. O verdadeiro Nacionalismo não estabelece preferência por um Imperialismo Capitalista Ideológico e Militar para combater outro capitalismo atuante no campo econômico. Ou combate os dois Imperialismos ou não é Nacionalismo. Ou se insurge contra os truste ocidentais, que aspiram do domínio econômico de nossa Pátria, ao mesmo tempo que se insurgindo contra o truste estatal que hoje absorve a economia dos países seus satélites e pretende absorver a nossa, ou então está a serviço de um desses monstros devoradores de Povos.

Esse falso Nacionalismo, que oferece seus deuses à idolatria das massas, inclui entre estes o “anticolonialismo”. Mas o “colonialismo” a que se refere é um conceito cujos limites não vão além da chamada Cortina de Ferro. Não se articula uma palavra sequer contra o “colonialismo” exercido pela Rússia Soviética sobre os países dos Bálcãs, da Europa Central e Oriental onde a economia dos respectivos povos está sujeita aos ditames do Comissariado do Comércio da União Soviética. Não se formula uma única acusação ao Imperialismo Russo, que anexou nações inteiras anteriormente livres, como a Lituânia, a Estônia e a Letônia. Não se balbucia o mínimo libelo contra o Imperialismo de Moscou, que absorveu metade do território da Polônia e mantém no restante um governo quisling. Não se pronuncia a mínima palavra contra o Imperialismo do Kremlin, que invadiu com poderoso exército a Hungria, esmagando, a ferro e fogo, e afogando em sangue as legítimas aspirações de liberdade de uma Nação. Como pode esse Nacionalismo pretender inculcar-se ao Povo Brasileiro? Com que credenciais se apresenta a combater o outro Imperialismo, não cruel e sanguinário como o russo, mas igualmente pernicioso, como demonstrava a Integralismo, no tempo em que ser Nacionalista era um crime de lesa-Democracia?

Fisiologia e psicologia do nosso povo

Esse fato gravíssimo da hora atual brasileira, por ser a reprodução exata do ocorrido na China, na fase preparatória do domínio russo naquele país, é corroborado por outros, indicativos do perigoso caminho pelo qual é levada a nossa Pátria.

Estamos nos mostrando um Povo economicamente depauperado; financeiramente desaparelhado; institucionalmente desajustado; politicamente decepcionado; socialmente degradado; intelectualmente desorientado; moralmente em começo de dissolução; espiritualmente perturbado. Um povo que vai perdendo a noção da sua procedência, o conhecimento da sua origem, o conceito do seu valor no Passado, o culto da própria Personalidade oriunda da consciência da sua Tradição e do seu Destino Histórico. Um povo que vai se entregando ao fatalismo, que vai deixando de viver em função de si mesmo para viver em função de outros povos, a oscilar entre a vassalagem aos Estados Unidos ou à Rússia Comunista. Um povo que vai se desabituando de pensar por sua própria cabeça, preferindo a de Nova York ou a de Moscou.

A obra educativa do Integralismo

Ora, a situação em que se achava o Povo Brasileiro em 1932, quando foi lançado o Manifesto de Outubro da Ação Integralista Brasileira, era conquanto menos grave a mesma de nossos dias.

Em cinco anos de doutrinação, o Integralismo conseguiu modificar extraordinariamente esse panorama. Criou em nosso Povo uma consciência de tradição nacional e de realidade atual; um culto entusiástico pela Pátria; ensinou-lhe a cantar o Hino Nacional; a compreender a significação da nossa Bandeira; a reverenciar os grandes vultos da Nacionalidade; a comemorar os altos feitos do nosso Passado Histórico: a tomar conhecimento de seus interesses incutindo lhe um nacionalismo sadio e puro; a rejeitar as doutrinas racistas, a repelir o cosmopolitismo descaracterizador; a amar a disciplina social; a aceitar a hierarquia dos valores, sobrepondo o moral sobre o intelectual e o intelectual sobre o material, e — sobretudo — fazendo-lhe presente sua origem cristã e a aspiração as virtudes, mediante a revolução interior de cada pessoa.

Essa obra foi interrompida pela Ditadura em 1937. Restauradas as liberdades políticas no país, fundou-se o Partido de Representação Popular, que passou a atuar na vida brasileira com a dupla finalidade de pugnar pela defesa nacional contra o comunismo e a de restaurar a verdade histórica sobre a Ação Integralista Brasileira, apresentada pela Ditadura ao reverso do que pregava e dos objetivos que se propunha aquele grande movimento.

Decorridos agora doze anos de funcionamento deste partido e agravando-se os males da Nação apesar de seus ingentes esforços, é chegado o momento de se atualizar os dois documentos básicos do Integralismo, resguardados os seus princípios, preservada a sua substância, para que possa ser empreendido um apostolado esclarecedor da opinião pública, de educação moral e cívica do Povo Brasileiro, de formação de um novo espírito nacional capaz de distinguir o mau do bom nacionalismo e de impedir a destruição da verdadeira Democracia que assenta nas atuais instituições.

A oportunidade é a melhor possível, pois neste ano de 1957, celebra-se o jubileu de prata do Manifesto de Outubro, cujas ideias se tornam de impressionante atualidade, em face das realidades atuais do nosso país e das conclusões a que têm chegado, pensadores e filósofos, expoentes da cultura mundial.

Síntese do Manifesto de Outubro de 1932

As ideias nucleares daquele Manifesto são as seguintes:

  1. Concepção espiritualista do Universo e do Homem.
  2. A Pessoa Humana, fundamento de toda a construção social e nacional.
  3. Expansão da Pessoa Humana, dentro da harmonia social e excluída toda ideia de luta de classes, de raças ou de indivíduos entre si.
  4. Unidade Nacional e grandeza da Nação, superando os interesses particularistas regionais, locais, partidários e individuais.
  5. Culto ao Princípio da Autoridade e da Hierarquia Social segundo as normas institucionais e os valores morais.
  6. Nacionalismo baseado nas tradições da Pátria, no culto à personalidade nacional, em contraposição ao cosmopolitismo, ao capitalismo internacional, ao internacionalismo socialista, à influência estrangeira em nossos costumes.
  7. Sustentação do Princípio da Propriedade e da Livre Iniciativa, esta com as limitações impostas pelo Bem Comum.
  8. Sindicalismo, corporativismo e representação política das categorias profissionais.
  9. Defesa da Família Cristã contra os agentes de destruição de suas bases materiais, de corrupção moral e contra qualquer tendência absorvente do Estado.
  10. Municipalismo. Fortalecimento econômico dos Municípios como base de sua autonomia.
  11. A Nação organicamente estruturada com base nas Famílias, nos demais Grupos Naturais e nos Municípios, é a criadora do Estado e, consequentemente superior a este, não se devendo, portanto, confundir, no mesmo conceito, Estado e Nação, estatismo e nacionalismo.
  12. Todos os problemas sociais e nacionais se correlacionam, se intercomunicam através de íntimas conexões, pelo que nenhum deles pode considerar-se a fonte das soluções dos outros, o que exige, de um Governo esclarecido, largo planejamento administrativo atendendo às consequências maléficas ou benéficas que as providências a favor de um setor econômico ou social possam acarretar a outros setores que também são vitais à sobrevivência e à saúde da Nação.
  13. Construção da Democracia Orgânica, mantidos os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), asseguradas as liberdades humanas, a autonomia dos Grupos Naturais, a representação política destes, a autonomia dos Municípios, e estabelecendo-se a temporariedade dos mandatos a começar pelo do Chefe da Nação.

Estas ideias, que constituem a súmula do pensamento integralista, ganharam hoje um valor de atualidade crescente. Atendem às necessidades da Nação Brasileira e às aspirações frequentemente evidenciadas pelo nosso Povo através dos órgãos econômicos, sociais, políticos e culturais do país.

Em vez de levar os homens públicos e os estudiosos dos problemas nacionais a rastejar no rés-do-chão das particularidades isoladas que, afinal, não encontram soluções satisfatórias, soerguem as mentalidades dirigentes, partindo do geral para o particular e enquadrando todas as questões no esquema panorâmico de uma concepção dos fenômenos político-sociais, econômico-financeiros, culturais e morais.

Os líderes integralistas Oswaldo Zanello e Luís Compagnoni, ao lado de Plínio Salgado, no Conclave de Vitória

Construção social e nacional

Parte a doutrina integralista da fé em Deus e nos destinos eternos do Homem. Assenta a construção da sociedade na Pessoa Humana e dá-lhe como alicerce os Grupos Naturais criados pelo Homem para o cumprimento de seus deveres e garantia de seus direitos. Compreende a Nação, quanto às suas estruturas, como um conjunto de Pessoas e de Grupos Naturais, e sendo ela própria um Grupo Natural atribui-lhe uma personalidade histórica decorrente da sua diferenciação dos demais agrupamentos humanos e, consequentemente, lhe reconhece a Soberania, como um direito natural, e não como simples resultado da famosa “vontade geral” expressiva da mais vaga e indefinida concepção de Povo. Considerando, ainda, a Nação, como uma dualidade material e moral exprimindo-se numa unidade política, propugna pela manutenção dos limites que realizam essa unidade e que se constituem do patrimônio territorial, da tradição histórica, da expressão social e das atividades políticas.

Nação e Estado

Essa unidade reclama o culto da Autoridade Legítima e da Hierarquia dos valores representativos da Nação e se alimenta do sadio nacionalismo, que não é mais do que a consciência adquirida pela Pátria da sua diferenciação em referência a outras Pátrias.

Esse Nacionalismo não confunde a Nação com o Estado. por vários motivos: 1) — porque o Estado é uma criatura da Nação; 2) — porque a Nação é permanente na História enquanto conservar a sua personalidade, ao passo que o Estado pode ser modificado pela Nação que o criou soberanamente; 3) — porque o Estado, sendo o resultado “ideal” de uma condição psicológica da Nação em determinadas circunstâncias não pode sobrepor-se a envolver o “real”, que é a expressão viva e atuante da personalidade nacional; 4) — porque o Estado, exorbitando de suas funções, irá ferir legítimos direitos dos grupos naturais e das pessoas humanas, que formam a Nação, erigindo-se em Super-Nação e deixando, dessa forma, de cumprir o mandato expresso que lhe é outorgado no texto da Carta Constitucional que o engendrou; 5) — porque o nacionalismo, quando confunde no mesmo conceito, Estado e Nação, deixa de ser Nacionalismo para se tornar Socialismo, que, em última análise, é a antítese do Nacionalismo, uma vez que submete os grupos naturais e as pessoas humanas aos interesses do Imperativo categórico do Estado-Nação, ou simplesmente do Estado.

Representação das classes

A Nação, para se manifestar em toda a verdade e latitude de seu livre-arbítrio, precisa de instrumentos adequados à captação das vontades autônomas e capazes de traduzir as aspirações do Homem isolado e do Homem integrado na sua categoria social. Para isso, propomos a criação de uma Câmara Econômica, em que se representem todas as classes profissionais e ciclos de produção, não excluindo a Câmara Política eleita pelo sufrágio universal [1] e destinada a transformar em lei as soluções técnicas dos problemas advindas do órgão corporativo. Os partidos continuarão a existir, com a missão superior de propugnar pelas reformas que julgarem consentâneas com as suas respectivas ideologias ou programas. Apenas não se deverá consentir o funcionamento da agremiação política que tenha por finalidade abordar as liberdades humanas, abolir os direitos dos Grupos Naturais, suprimir a livre iniciativa, suprimir os partidos, submeter a Nação ao Estado e adotar uma filosofia ateísta e materialista contrária aos fundamentos cristãos da Pátria, pois transigir nesse sentido seria permitir a destruição da Democracia, do sistema pluripartidário e dos direitos humanos consagrados pela nossa Constituição.

Evidência de uma realidade

O anseio dos que trabalham e produzem, em nosso país, por conseguir representação nos órgãos do Estado Brasileiro, tem-se manifestado ultimamente e de modo impressionante. A reunião das Associações Comerciais de todo o país, na Capital Paulista, convocando os quatro candidatos à Presidência da República no pleito de 1955, a fim de serem interrogados sobre variados temas econômicos, financeiros, sociais e políticos; os sucessivos congressos e conclaves de representantes da Indústria, do Comércio e da Agricultura, debatendo problemas nacionais relacionados com suas atividades; as representações, contendo conclusões de debates sobre a política financeira do Governo, levadas pelas entidades de classe aos órgãos governamentais da União, dos Estados e dos Municípios; as atividades dos sindicatos operários, transferindo, dia a dia, seus objetivos do terreno econômico-social para o terreno político; as interpelações frequentes dirigidas aos partidos pelos dirigentes de associações de classe — tudo isto vem demonstrar que existe um desejo de participar nas responsabilidades administrativas do país da parte dos grupos atuais em que se congregam os que trabalham e produzem. Estamos, pois, diante de uma realidade social, que precisamos transformar em realidade institucional.

Defesa da Família

A doutrina integralista prossegue, atingindo o âmago da vitalidade da Nação: a Família. E quando dizemos Família, referimo-nos à Família Cristã, indestrutível, permanente e estável, que com esses atributos representa a própria continuidade da Pátria através dos séculos. É necessário ampará-la de uma vida digna com todas as possibilidades de educação dos filhos. E é necessário defendê-la moralmente, contra os abusos de um libertarismo que penetra os lares levando jornais e revistas pornográficas, programas de rádio e televisão muitas vezes indecorosos. É preciso defendê-la contra o mau teatro e mau cinema, que dominando em todo o país, ou privam as famílias honestas de um legítimo direito ao divertimento, ou lecionam corruptoramente, introduzindo os piores venenos na fonte mais pura da vitalidade espiritual da Pátria. É preciso ainda defendê-la contra os maus professores, que habilmente destilam a peçonha do ateísmo ou de materialismo, perturbando a adolescência e a juventude mediante a tentativa de destruir nos meninos e nos jovens a semente do Cristianismo recebida no lar, através de sistemas educacionais baseados no pragmatismo, que pretendem tudo dominar suprimindo o ensino particular e estatizando o magistério.

O problema da Família, como os demais, prende-se a outros relacionados com as leis de ensino, com o funcionamento do rádio e da televisão, com o movimento editorial de jornais, revistas e livros. Vincula-se, ainda, na parte econômica, com a própria situação de um país, onde a instabilidade dos preços dos gêneros de primeira necessidade e das indispensáveis utilidades domésticas, anda ao sabor da mais infrene demagogia, que estoura o equilíbrio orçamentário da União e dos Estados, que ilude os operários aumentando-lhes os salários de um lado e tirando-lhes o dobro por outro, com o inevitável encarecimento da vida em que colaboram todos os gêneros de impostos, contribuições, taxas, não se falando nos altíssimos juros a que se sujeita o comércio e a indústria em consequência do sistema monetário que adotamos. Essa instabilidade de preços leva à desordem ao lar doméstico, onde não é possível haver previsões relativas ao custeio e gerência da casa. A insuficiência do ganho afasta a mulher das suas lides naturais de esposa e mãe, lançando-a na concorrência brutal das repartições, dos escritórios e das fábricas, em prejuízo muitas vezes das suas virtudes cristãs. A esse quadro doloroso da Família Brasileira, teremos de acrescentar a coação inexorável da propaganda capitalista, impondo luxos e superfluidades, avolumando o geral bovarismo, ou insaciável sede de prazeres e exibições, principal responsável pela catástrofe de muitos lares, que insensivelmente se vão afinando pelo diapasão da torpe granfinagem. Procede daí a diabólica doutrina do “golpe”, da negociata a enriquecer rapidamente, do suborno ao funcionalismo e da advocacia administrativa nas altas esferas. Decorre desse relaxamento de costumes a ausência de formação moral da infância e da mocidade, produzindo os tristes episódios das corriolas alcoolizadas e maconhadas, nas alfurjas de Copacabana.

O Município

Pretendendo sanear e vitalizar a Família Brasileira, a criteriologia integralista, aplicada à apreciação dos problemas da nossa Pátria, vê no Município o elemento básico de toda a estrutura política e de toda a dinâmica da riqueza do país.

Não poderá haver liberdade de manifestação política nos Municípios, enquanto eles estiverem subordinados aos caprichos dos Governadores de Estado e à benemerência dos parlamentares que lhes levam os votos em troca de verbas e favores. Se a autonomia das pessoas e das famílias depende da independência econômica para livre e abertamente se manifestar, também o Município não poderá ser verdadeiramente autônomo com a atual distribuição de rendas, em que os Tesouros Estaduais e o Federal levam mais de 90%, deixando à míngua o Tesouro Municipal. Nas ocasiões das eleições presidenciais em 1955, como em todas as outras, os Prefeitos, em certos Estados, receberam intimativa do Governador responsabilizando-os pelos resultados que se verificassem.

Foram-nos mostrados esses telegramas, verdadeiros ultimatos, que provocaram algumas vezes plangentes proclamações de Prefeitos e Municipalidades, implorando ao eleitorado os votos para o Governador…

Mas não é somente a atual distribuição de rendas que estabelece o desequilíbrio entre as Capitais e as Cidades do Interior. Na sua maior parte agrícolas, os Municípios não contam com assistência técnica do Ministério e das Secretarias de Agricultura, na proporção de suas necessidades. A lavoura está desaparelhada de tratores e maquinários, hoje utilizados em outros países. O nosso aparelhamento bancário funciona de tal modo que é mais fácil, nas grandes cidades, levantar-se vultosa soma para especulações de qualquer espécie do que o lavrador conseguir o de que precisa para produzir e não raro para se livrar da exploração dos intermediários que roubam determinando os preços, ou dos agiotas que roubam extorquindo pesados juros. Afirma-se que o mal do Brasil é a inflação, e esta pressupõe a desvalorização do dinheiro pela quantidade existente; entretanto em nenhum país o dinheiro é tão caro e as exigências para obtê-lo mais escorchantes.

Resta ainda (porque os problemas de uma Nação se intercomunicam) a questão dos transportes. Não temos nem estradas de ferro nem navios suficientes. As mercadorias apodrecem nas zonas de produção. Pelas estradas de rodagem correm os caminhões, porém o preço, cada vez mais alto, do combustível, agrava o da mercadoria que chega aos centros consumidores acrescentado das margens de lucro do açambarcador. E a elevação do custo de vida nos centros urbanos, justificando aumentos aos funcionários e militares, em seguida aos operários, vai refletir-se no interior brasileiro, onde a roupa, o calçado, o medicamento, a enxada, a foice, o adubo, custarão muito mais, determinando aumentos dos salários no campo e em seguida o círculo vicioso dos aumentos de ordenados e salários, que outra vez se refletem nos campos. E nessa roda viva se exaure a Nação Brasileira.

O problema Municipalista está, portanto, ligado não somente ao da distribuição equitativa das rendas públicas, mas também a outros que interferem na vida nacional exigindo um planejamento que visione todos os aspectos da economia brasileira. Sintetizando ideias que apresenta, o Manifesto de Outubro de 1932 idealiza a Nação Brasileira tomando como base o Homem Integral (corpo e espírito) e as suas projeções naturais: a Família, o Grupo Profissional, o Município. A Nação cria o Estado, o Estado obedece à Nação.

O Manifesto-Programa de 1936

O Manifesto de Outubro foi complementado pelo Manifesto-Programa, de 1936, no qual se objetivaram, em normas administrativas concretas, os princípios enunciados naquele documento básico.

Orientando-se pelo critério da consideração dos problemas nacionais no seu conjunto atentas as suas correlações, esse documento traça um plano geral de construção política, econômica, social e cultural da Nação e visa um largo esquema de soluções administrativas. O Manifesto-Programa tornou-se um documento-fonte, do qual derivaram, no transcurso de 1937 a 1946 e, posteriormente, até nossos dias, muitas reformas que assinalaram transformações políticas, sociais e administrativas, quer durante a Ditadura, quer a vigência do Regime Constitucional. Ainda que nem sempre realizadas dentro do espírito que as ditou, as ideias então lançadas dominaram as consciências dos legisladores e administradores do país, ao mesmo tempo suscitando movimentos em torno de alguns pontos, que figuram no conjunto programático integralista apenas como partes de um todo.

Foi por influência do Manifesto de 1936 que se criaram os partidos nacionais, cujo funcionamento se torna impossível com a legislação eleitoral que os rege. O Municipalismo, que se fez bandeira de um movimento hoje crescente no país, originou-se também do Integralismo. O Nacionalismo vesgo e torto que agora ergue estandarte fabricado na Rússia, não passa de uma imitação do verdadeiro Nacionalismo da concepção do Manifesto de 1936, principalmente no que se refere à ingerência do Estado na solução dos problemas que interessam ao Bem Comum.

Visão de conjunto da Economia

O artigo 6º do Capítulo II daquele Manifesto é, por exemplo, claro quando diz: “Nacionalizar as minas e quedas d’água, elaborando-se um plano de aproveitamento da energia elétrica e das riquezas do subsolo, da indústria siderúrgica e da extração do petróleo, da hulha e outros combustíveis”. O uso da palavra “nacionalizar” e não do termo “estatizar” evidencia a preocupação de defender as riquezas brasileiras contra exploração estrangeira e mesmo contra quaisquer possíveis exorbitações de interesses particularistas, ainda que de grupos nacionais em detrimento dos interesses da Pátria Brasileira. Verifica-se que naquela proposição se encontram no mesmo plano todas as fontes de energia, porque a concepção integral da Nação não permite a criação de mitos em que se polarizem todas as preocupações, tão certa está de que não existe nenhum problema isolado de que dependa a solução dos demais.

Ainda no campo da Economia, o Manifesto-Programa de 1936 propõe: “Solucionar os problemas relativos à economia brasileira (…) de acordo com: a direta interferência da Corporação respectiva; os superiores interesses da Nação, colocado cada produto no quadro geral da economia do país; e os interesses inerentes a cada categoria de produtores”. Nesse simples articulado, vê-se a organização corporativa; o conceito integral da Economia, inserindo cada produto no lugar que lhe compete no quadro geral dos demais produtos; e o respeito à pessoa humana do produtor, pela defesa dos interesses da categoria a que pertence. E justamente pela visão panorâmica das questões vitais da Nacionalidade, o artigo 1º do Cap. II do Manifesto-Programa do Integralismo propõe: “Criar o Ministério da Economia Nacional, nele integrando o atual Ministério da Agricultura, os Departamentos de Comércio e Indústria do Ministério do Trabalho e o da Saúde do Ministério da Educação”. Nota-se que o valor-Homem se inclui como agente da produção nacional, consequência do critério integralista interpretativo dos fenômenos sociais, cujo entrelaçamento, só podem admitir as mentalidades não deformadas pelo vezo unilateralista.

A ação do Estado no campo econômico

Do mesmo modo, os limites do Estado em relação às atividades econômicas individuais e grupais, são concebidos pela doutrina integralista em decorrência do próprio conceito de Nação e de Estado.

O Estado é criado pela Nação para que cumpra o mandato que esta lhe outorga, mantendo a ordem interna e exercendo as relações externas. A manutenção da ordem refere-se a todos os setores da vida nacional, abrangendo, logicamente, o econômico. Ora, a ordem econômica só subsiste enquanto funcionam as leis naturais. Todas as vezes em que estas são burladas, por indivíduos ou grupos de indivíduos, é dever do Estado intervir, para recompor o equilíbrio. Por esse motivo, o Estado que concebemos não se confunde com o Estado Liberal, de braços cruzados ante a batalha econômica, deixando que se desenvolva livremente o processo de transformação da economia até a forma final do socialismo. O Estado deve intervir não para impor uma economia por ele dirigida, mas para impedir que a economia venha a ser dirigida por particulares ou grupos de particulares. Mas essa intervenção não pode ser permanente, porque o Estado não pode ser um negociante, um concorrente da agricultura, da indústria ou do comércio. O Estado não é uma empresa industrial ou comercial. É o mandatário da Nação, mantendo a ordem em que esta deve viver e desenvolver-se segundo as leis naturais que incluem a integridade e liberdade da pessoa humana, isolada ou agrupada a outras pessoas humanas. O Estado, portanto, intervém para manter a livre iniciativa e o jogo livre decorrente das leis naturais. Ficar impassível seria abdicar de seus deveres, mas ultrapassar os limites da sua ação interventora seria exercer ele próprio aquilo que não deve permitir seja exercido por particulares.

Participação dos trabalhadores nos lucros das empresas

A questão social, nos seus mais variados aspectos, é considerada pelo documento complementar do Manifesto de Outubro. Veja-se, para confirmação, o que ali se diz sobre a participação dos empregados nos lucros das empresas. Foi o Integralismo o movimento que primeiro agitou em nosso país essa bandeira de reivindicação dos trabalhadores. Não o fez, entretanto, insensatamente como aqueles que, pretendendo usurpar a primazia integralista, consagraram o princípio em tais normas na Constituição de 1946, que tornaram insolúvel a questão.

O Cap. VI do Manifesto-Programa reza: “Garantir ao trabalhador uma retribuição proporcional à sua contribuição pessoal, ao lucro auferido pelo empregador, às necessidades da empresa e da economia nacional, às exigências normais da vida individual e familiar do empregado e às condições indispensáveis ao seu aperfeiçoamento material e espiritual”. Quando ainda ninguém havia pensado em interessar o empregado nos lucros das empresas, o Integralismo lançou essa ideia. Mas é preciso que se observe a rigorosa aplicação da doutrina integral na proposição do Manifesto. Todas as correlações do problema estão enunciadas: a do trabalhador com a sua própria capacidade e eficiência, a fim de se não equiparar o relapso e negligente com o homem de bem, cumpridor de seus deveres, como hoje se faz na nossa legislação trabalhista; a da distribuição dos lucros com as necessidades de manutenção e sobrevivência da empresa, a fim de que esta não seja levada à falência, o que acarretaria o desemprego de todos os seus auxiliares e eliminação de um dos instrumentos propulsionadores da economia nacional, o que logicamente estabelece a relação da empresa com os interesses da Nação; em seguida, vê-se a relação da distribuição dos lucros, não já agora com vista à eficiência pessoal do trabalhador, mas às comuns necessidades de todos os trabalhadores no tocante à sua manutenção individual; nota-se, logo depois, o problema relacionado com a família, que é base da estrutura social do país; e, finalmente não se esqueceu o Manifesto das necessidades do aperfeiçoamento técnico do trabalhador e do seu progresso espiritual.

Essa fórmula, se aplicada à solução de tão relevante questão, tornaria possível efetivar-se a participação dos empregados nos lucros das empresas, sem choques, sem incentivo à luta de classes, sem prejuízo para a produção nacional e atendendo a justas reivindicações humanas. Seria, pelo contrário, um estímulo à elevação dos índices da produção do país.

A questão social

A questão social, como a considerou o Integralismo, tanto no Manifesto de Outubro como no Manifesto-Programa, é considerada no panorama geral da vida brasileira, como um dos termos componentes da equação nacional. Não vem tomada unilateralmente, nem sob o aspecto socialista que abstrai de todos os outros dados da economia do país, nem sob o aspecto da interpretação capitalista de que decorre uma atitude paternalista que não pode ser aceita senão a título precário.

O problema dos nossos dias referente às relações entre Capital e Trabalho é pelo Manifesto de 1936 considerado desde suas raízes mais profundas e que dizem respeito à própria estrutura social e política desses dois elementos da produção. O sindicalismo, de que também foi pioneiro o Integralismo, já nos princípios enunciados no Manifesto de Outubro de 1932, já na tese sustentada em Janeiro de 1933 no Congresso Revolucionário realizado no Palácio Tiradentes, e finalmente nas proposições do Manifesto-Programa de 1936, completa-se na síntese corporativa das categorias de produção e exprime-se politicamente no órgão técnico representado pela Câmara Corporativa.

Todas as questões, não apenas visando a harmonização de empregados e empregadores, mas ainda as que interferem diretamente ou indiretamente no processo econômico nacional, refletindo particularmente em cada categoria e em todas, no seu conjunto, e determinando situações de prosperidade ou decadência, às condições do trabalho no país, serão estudadas, debatidas e solucionadas pelos próprios interessados. Não deixarão de colaborar, nesses altos objetivos de justiça social e de vitalidade nacional, a Magistratura do Trabalho, no que concerne aos conflitos internos dos elementos constitutivos da Corporação, e a Câmara Política, no que respeita a uma visão mais ampla dos interesses da Nação.

A assistência social

Quanto à assistência social, ela é considerada pelo Integralismo como um simples anteparo às deficiências de uma construção social e econômica que ainda não encontrou os lineamentos harmônicos da sua estrutura. Assim pensando, a “Ação Integralista Brasileira” iniciou no Brasil a obra assistencial, fundando ambulatórios médicos e farmacêuticos, gabinetes dentários, creches e lactários, restaurantes populares, escolas de alfabetização de adultos e de menores recrutados dos excedentes das escolas governamentais. A influência desse trabalho, que foi exercido entre 1932 e 1937, inspirou as atuais organizações da Legião Brasileira de Assistência, do SESI, do SESC, do SAPS, cuja benemerência evidencia-se aos olhos de todos, devendo ser mantidas e revigoradas no sistema corporativo.

Preocupando-se constantemente pelo bem-estar das famílias dos trabalhadores, o Manifesto-Programa propõe, no seu Cap. VI, “facilitar aos trabalhadores do campo e das cidades a aquisição da propriedade familiar, generalizando o Bem de Família pela criação de entidades públicas de cooperativismo de construção”. Trata-se da “casa própria”, que o Integralismo estende aos trabalhadores rurais, a cujas famílias desejava garantir também, na base de uma lei agrária que viesse incrementar a produção no campo.

Cultura nacional

A cultura brasileira é uma das nossas preocupações máximas abrangendo as atividades científicas e técnicas, os problemas do ensino em seus três graus, não olvidando o setor do ensino profissional, hoje completamente abandonado, pela orientação atual de se multiplicarem os ginásios sem se cogitar do aparelhamento e aperfeiçoamento do trabalhador urbano e rural e da preparação de jovens para os ofícios intermediários de escritórios e outros misteres do comércio, da indústria e da agricultura. Mas, ao mesmo tempo, considerando as artes como expressão do poder criador de um povo, o Manifesto-Programa de 1936 em que nos inspiramos, propunha a criação de um Ministério de Belas Artes. E, como cúpula de toda a ordem cultural, norteando as atividades do Espírito, o Integralismo colocava as atividades do pensamento filosófica na planta mais alta de suas preocupações, propondo e tentando mesmo a criação de um Instituto, com ramificação em todos os centros intelectuais, capaz de polarizar as mentalidades mais privilegiadas do país. Esse pensamento continua a ser o do nosso partido.

Política exterior

No tocante à política internacional, prosseguimos na linha superior cuja origem remonta a Alexandre de Gusmão, no século XVIII, a José Bonifácio no século XIX, e vem esplender no Barão do Rio Branco e em Rui Barbosa nos áureos dias que assinalaram o início deste século.

O Manifesto-Programa de 1936 proposto viu posteriormente realizada a fundação do Instituto Rio Branco, no qual se constrói a cultura diplomática baseada na tradição histórica, no sentido das liberdades da América e nos interesses exteriores do Brasil. Mas isso não é tudo. Cumpre-nos, ao mesmo tempo, firmar um indestrutível conceito de política exterior baseado nos princípios cristãos e na consciência jurídica dos povos do Novo Mundo.

Divididas as zonas de influência do mundo entre os Estado Unidos e a União Soviética; imperando, desde a Organização das Nações Unidas a desigualdade jurídica dos povos contra a qual se ergueu em Haia o gênio de Rui Barbosa; adotada a política dos fatos consumados, como se viu em Genebra, após a derrota da França na Indochina, e como se viu no mais pavoroso dos crimes contra a independência das Nacionalidades e seus direitos de autodeterminação, como foi o caso da invasão da Hungria pelo Exército Russo; e verificada a intromissão política do Partido Comunista Soviético na vida interna de todos os países, — o Integralismo propugna pela restauração, no mundo, da Força do Direito contra o “Direito da Força”, e luta pela restauração dos valores espirituais no concerto dos Povos. Aspirando a uma ordem social interna baseada na harmonia cordial entre os homens e os grupos naturais, seria contraditório que não se batesse por uma nova ordem internacional em que fossem reconduzidos os valores humanos morais ao lugar que lhes compete numa humanidade que se diz civilizada.

Há que considerar duas categorias de problemas que se oferecem no atual momento: o da defesa imediata das liberdades humanas ameaçadas pelo Imperialismo Soviético, e o da reimplantação no mundo de uma ordem espiritual e cristã, que faça dos princípios do Direito uma potência maior do que a da bomba atômica e das normas jurídicas um imperativo diante do qual hajam de submeter-se às ambições imperialistas mascaradas de ideologia socialista ou de colaboração capitalista. Num século que se diz científico e técnico, não se compreende o motivo porque as Nações não encontram a chave da solução de seus problemas de relações econômicas e políticas pacíficas.

A Paz que se propõe não é a Paz de Cristo, mas a Paz de César. Denominaram-na “coexistência pacífica”, isto é, a mútua tolerância entre o crime e a virtude, entre a escravidão e a liberdade, entre os opressores de Povos e os que aspiram a uma vida baseada na moralidade e no respeito ao direito natural.

E assim como foi derrogada pela ONU a tese de Rui Barbosa da igualdade jurídica dos Povos, também foi esquecido o célebre discurso do grande brasileiro na Universidade Argentina de Tucumã, que forçou e decidiu a entrada dos Estados Unidos na guerra de 1914-18, afirmando que entre o crime e a virtude não pode haver neutralidade.

Estas palavras não significam de nossa parte o apelo à guerra, à violência contra a violência, pois bem sabemos quais as consequências catastróficas que adviriam para a Humanidade do conflito armado entre dois Mundos antagônicos. Mas entendemos que estamos vivendo um período histórico semelhante àquele em que viveram as Cruzadas na luta contra Maomé. O que enfraquecia o Ocidente era o comércio com os muçulmanos. Debalde os Papas, como Gregório VII e Urbano II, mostravam o inconveniente das relações comerciais dos cristãos com os inimigos de Cristo. Aqueles Pontífices viam nessas relações o perigo do enfraquecimento da Cristandade em face de um adversário que dominava militar e economicamente vastas regiões da Ásia, da África e até da Europa. Esse estado de espírito comercialista, essa preocupação do lucro que se manifesta nos círculos burgueses-capitalistas é uma das fraquezas do nosso atual Mundo do Ocidente. Foi em consequência dele que a Rússia pôde explorar o seu petróleo, utilizando-se dos capitais estrangeiros; é movida por essa vil ambição que a Grã-Bretanha reconheceu o governo comunista de Mao Tsé-Tung na China. E é ainda o interesse burguês que vem sendo explorado pelo partido comunista em nosso país, quando propõe a “ampliação dos mercados” e o estabelecimento de relações comerciais e diplomáticas com “outros países com os quais não mantemos hoje transações”.

Se o Mundo Ocidental é forçado, em consequência dos erros de Yalta e da Assembleia das Nações em São Francisco da Califórnia, a submeter-se à condição de “coexistência”, cumpre-nos, entretanto, pelo menos defender a nossa integridade e a nossa dignidade, mantendo-nos em posição de isolamento em referência ao Mundo Soviético que nos quer escravizar.

Posição política militar

A nossa posição integralista na política internacional é clara: aceitamos a tese do nosso Imperador Pedro I, quando, imediatamente à Independência, mandou propor aos Estados Unidos um pacto defensivo contra os possíveis propósitos da Santa Aliança, comandada por Metternich e Canning, de intervir no Novo Mundo para restaurar o domínio das respectivas Metrópoles sobre suas antigas colônias. Hoje, não é mais a Santa Aliança, criada no Congresso de Viena, que nos ameaça; é o Cominform, instrumento da política imperialista da Rússia. E assim como nos defendemos, outrora, da Áustria e da Inglaterra, proclamando o princípio, depois consagrado por Monroe, de que os destinos das Américas competem aos povos deste hemisfério, também entendemos ser de interesse vital para a nacionalidade brasileira o acordo militar entre o Brasil e os Estados Unidos, resguardadas as respectivas soberanias.

Não confundimos, entretanto, os dois Estados (Brasil e Estados Unidos) com os grupos capitalistas americanos. Assim, enquanto sustentamos o pacto militar e a unidade dos objetivos políticos dos Povos do nosso Hemisfério, nos sentimos à vontade para lutar contra a pretensão dos trustes financeiros de nos absorver economicamente, pois convém notar que o próprio Estado Norte-Americano luta contra esses mesmos grupos, como é evidente das leis antitrustes de que se serviram os governos daquele país para defender os interesses do seu povo.

Esta luta contra a absorção econômica do capitalismo internacional exige, entretanto, para não nos confundirmos com o comunismo, uma atitude enérgica em relação aos propósitos de escravização do Brasil pela Rússia Soviética.

A União Soviética é um perigo muito mais próximo do Brasil do que geralmente se pensa. Ela mantém em nosso país cerca de vinte jornais diários e numerosos semanários; ela possui nas Assembleias Legislativas dos Estados e na Câmara Federal deputados eleitos em diversas legendas, mas fiéis a Moscou; ela domina a vida sindical brasileira, através de diretorias constituídas de elementos do partido comunista; ela se infiltrou na administração pública do Brasil, nos âmbitos estaduais e federal; ela se organizou na imprensa burguesa, onde seus agentes fazem sutilmente a política soviética; ela conta com elementos no professorado secundário e superior; ela dispõe de duas legações diplomáticas e governos títeres, que são verdadeiras sedes de espionagem e contraespionagem, focos de propaganda vermelha e veículos de auxílios financeiros aos traidores de nossa Pátria; ela dispõe de casas editoriais que disseminam livros subversivos em todos os círculos da vida brasileira; ela se infiltrou nas Forças Armadas; ela interfere no comando de todas as reivindicações, justas ou injustas, das diversas classes da Nação Brasileira, comandando habilmente os que conseguiu fanatizar para a idolatria dos mitos fascinadores das turbas; ela joga com o egoísmo o comodismo, a sede de lucro, o medo de se comprometer das classes conservadoras, que ela, a Rússia, batizou com o nome de “burgueses progressistas”.

Brasileiros sem noção de responsabilidade, sem princípios que os orientem, sem conhecimento do problema comunista mundial, ou então despudoradamente renegando à Pátria Cristã. Viajam para a Rússia, muitos deles titulares de cargos no funcionalismo e na magistratura sem que nada lhes aconteça, apesar de irem a um país com o qual estamos de relações cortadas! Mais do que isso: deputados eleitos por um Povo Cristão, muitos deles aprovados pela Liga Eleitoral Católica, viajam, exatamente neste momento, para Moscou. Vão e vêm, naturalmente. Muitos publicam livros daquele gênero a que se refere Koestler (que também os publicou e com recebimento de largos estipêndios) endeusando os criminosos do Kremlin e a vida no paraíso vermelho, para onde seus autores deveriam mudar-se.

O Governo e a Nação inteira assistem a esse degradante espetáculo de braços cruzados. Não se toma nenhuma providência para defender o Brasil, para defender a Família Brasileira, para salvaguardar a Independência da nossa Pátria, para salvar, ao menos, a nossa dignidade.

Nestas condições propugnamos pelo isolamento do Mundo Soviético, até ao dia em que as fermentações revolucionárias dos desesperados, oprimidos e humilhados, possa restaurar naquela zona do planeta os direitos humanos e as liberdades do Homem hoje espostejadas sangrentamente pelos maiores tiranos da História.

A política de isolamento em relação ao Mundo Comunista reclama, sobretudo, na vida interna do nosso país, uma atitude clara e definida do nosso povo, principalmente quando se trata da solução de problemas econômicos ou políticos em que interferem os agentes de uma Potência estrangeira. No tocante à luta pelas reivindicações econômicas brasileiras e defesa de nossos interesses, não devemos permitir que tomem posição ao nosso lado aqueles que se filiam, direta ou indiretamente, ao Partido Comunista, que é o órgão da política externa da União Soviética. Todo brasileiro, por exemplo, que defender a nacionalização da energia elétrica, da exploração do petróleo, dos materiais utilizáveis pela energia atômica, mas que, ao mesmo tempo, não se empenhar abertamente na luta contra o Comunismo e contra aqueles que vão buscar em Moscou as diretivas de ação política dentro do Brasil, esse deve ser incluído entre os suspeitos de traição à Pátria. Nenhum brasileiro sincero e esclarecido pode tomar parte em organizações, movimentos, frentes nacionalistas, uniões patrióticas, alianças parlamentares ou partidárias de que façam parte elementos comunistas ou que, pelas suas atividades na vida pública, manifestaram sua dócil adesão ao comando russo.

Quem adota uma doutrina internacionalista não pode pugnar por objetivos nacionalistas, a menos que esteja se utilizando da boa-fé do nacionalismo brasileiro para atingir a finalidade de destruir a Nacionalidade e torná-la pasto do maior imperialismo da História, que é o Imperialismo Soviético.

Reconstrução do Homem

Fiéis aos princípios do Manifesto de Outubro de 1932 e às proposições do Manifesto-Programa de 1936, desfraldamos hoje a bandeira do verdadeiro Nacionalismo, que luta contra os que pretendem usurpar nosso Poder Econômico, porém, igualmente luta, e sentindo a mais perigosa e próxima ameaça, contra os que nos querem roubar o dom precioso da nossa Liberdade e da nossa Dignidade, sem as quais também não existe nem autonomia econômica nem vida nacional.

As ideias contidas nos dois documentos que estamos pondo em confronto com as exigências da atualidade brasileira, seriam entretanto, tão inúteis como inexequíveis, se nos ativermos a uma atitude puramente utilitária e pragmática, inspirada por aquele agnosticismo de que provêm hoje a desorientação do mundo.

A pedra angular, portanto, da nossa construção nacional, que parte da Pessoa Humana para o Grupo Natural, do Grupo Natural para a Nação, da Nação para o Estado e, como consequência, estabelece um critério de interpretação dos fenômenos sociais e um planejamento lógico de soluções integrais aos problemas do País, essa pedra angular deve estar no próprio Homem. De nada valerão regimes políticos, constituições, leis, planos de governo, se não contarmos com os homens capazes de os executar. Assim, num país como o nosso, onde baixou tanto o nível da mentalidade política, os padrões de moralidade dos costumes, imperando a geral confusão dos espíritos, a maior obra que temos a empreender e a de realizar é a própria reconstrução do Homem.

Daí a importância fundamental que damos à por nós denominada “revolução interior”. A “revolução interior” é a substituição do Homem Velho pelo Homem Novo.

O Homem Velho é o que se escravizou aos maus instintos, o que se entregou à preguiça, à avareza ou à luxúria. O Homem Novo é o que superou em si mesmo às tendências ao ócio, à fascinação do dinheiro e a envolvente atração dos confortos e dos prazeres.

O Homem Velho é o incapaz de outras preocupações que não sejam as dos seus interesses imediatos. O Homem Novo é o que eleva seu pensamento para os ideais superiores e vive por eles, expandindo os valores positivos da sua personalidade.

O Homem Velho é o que manifesta horror a toda ideia de sacrifício. O Homem Novo é o que encontra no sacrifício pelo Ideal o misterioso prazer do espírito que o vivifica iluminando-o de inenarrável alegria íntima.

O Homem Velho é o desiludido, o desesperançado, o melancólico, eterno marginal nos caminhos da História dos Povos. O Homem Novo é o que se compenetrou das imensas possibilidades do seu livre arbítrio e sabe que pode intervir nos fatos sociais, modificando-os, pela ação da Ideia Força que lhe incute as energias na iniciativa e lhe confere o fascínio magnético da persuasão com que se convence primeiro, para depois convencer a muitos outros.

O Homem Velho é fatalista e se entrega ao sabor da corrente, como um boneco de madeira que rola no curso dos acontecimentos históricos. O Homem Novo é o que luta energicamente contra a onda asfixiante de todas as circunstâncias, que se conjugam para aniquilá-lo, e combate, não apenas com o objetivo de vencer, mas pelo delicioso encantamento da própria batalha.

O Homem Velho é o que ficou para trás. O Homem Novo é o que vai para a frente.

O Homem Velho é o que vive a vida prosaica, escravo do quotidiano, prisioneiro das mil injunções do comodismo e dos interesses egoísticos e subalternos. O Homem Novo é o que conhece a Vida Heróica, essa maravilhosa vida que é um dom do Céu, mas que há de ser conquistada pela nossa fé, pela nossa resolução, pela nossa atitude, pelo nosso esforço.

Criar esse Homem Novo em nossa Pátria é restaurar nossa grandeza antiga e preparar a grandeza maior do Futuro, E operar a própria ressurreição da Pátria, arrancando dos túmulos da apatia, da indecisão, da descrença, do fatalismo, os que moralmente haviam morrido e que agora ressurgem ao som das trombetas dos que se animaram pelo Espírito de Deus e conclamam seus irmãos para o grande empreendimento da Salvação Nacional.

Hoje, como ontem, nas gerações que vieram sucessivamente, de 1932 até nossos dias, e prosseguirão nas gerações futuras, — é com a mais ardente convicção que repetimos: 

“O integralista é o soldado de Deus, da Pátria e da Família, Homem Novo do Brasil, que vai construir uma Grande Nação”.

Nota do Site:

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[1] Isso não significa que a doutrina integralista defenda o princípio do sufrágio universal para a Câmara Política. Em O Integralismo na Vida Brasileira, de 1958, Plínio Salgado reafirma que o Integralismo pretendia, “como cúpula da representação nacional, criar um Senado altamente expressivo da cultura e das forças vivas da Nação. Assim, em vez de senadores pelos Estados, teríamos senadores pelos Institutos Científicos, Literários, Técnicos, Artísticos, Econômicos. Por exemplo, a Ordem dos Advogados, dos Médicos, dos Engenheiros; as Academias de Letras; as Associações Comerciais, Industriais, Agrícolas; as Universidades, a Associação de Imprensa, etc. Que Senado seria esse! Que clarividente supervisor dos problemas nacionais!”