Este “Manifesto à Nação” foi lançado pela Confederação dos Centros Culturais da Juventude, movimento integralista conhecido como “Águia Branca”, em sua reunião nacional de 25 de agosto de 1968, em Jaú. O Manifesto fundava o Movimento de Renovação Nacional, depois renomeado Cruzada de Renovação Nacional. Escrito por Plínio Salgado, está dividido em 5 partes: Preâmbulo, Definição de Princípios, Apreciação das Realidades Brasileiras, Esquema de um Programa de Ação e Conclusão.
I — PREÂMBULO
Antes de entrarmos na exposição dos princípios doutrinários baseados nos quais pretendemos desenvolver nossas atividades, e precedendo o lineamento programático que preconizamos para a transformação dos critérios políticos e administrativos em nosso país, precisamos resumir, em breve exame, os aspectos psicológicos do povo brasileiro na hora atual.
Setores da vida brasileira
Quando nos referimos ao “povo brasileiro”, fazemo-lo de um modo geral, como se representasse uma unidade sociológica. É evidente que ele se apresenta perfeitamente uniforme quanto aos sentimentos comuns, mas se diversifica no tocante a suas variadas expressões, as quais devem ser consideradas para a compreensão de quanto se passa em nossos dias. Dividiremos, pois, a coletividade nacional nos seguintes setores: político, militar, econômico, intelectual, religioso, estudantil, grande e pequena burguesia, operários urbanos e rurais.
A classe política é constituída pelas representações parlamentares nos âmbitos federal, estadual e municipal, e pelos agentes do Executivo nessas três áreas. Não havendo mais pluralidade partidária, divide-se em “oposicionismo” e “governismo”. A mentalidade tanto de um como de outro é a mesma: rotineira, timidamente reformista, adstrita aos debates em torno de fórmulas, por ambas as facções aceitas, submetidas apenas a divergências de interpretação e aplicação. Tanto o conformismo dos governamentais como a rebeldia dos oposicionistas são incapazes de visionar as realidades brasileiras e as necessidades impostas por novas condições históricas, olvidadas pela série de cartas constitucionais que temos tido.
No âmbito militar, já se observa uma inquietação, expressa em indisfarçável descontentamento pela manutenção de normas consideradas já obsoletas e de uma legislação que não oferece garantias à sustentação do que há de essencial, tradicional e fundamental em nossas estruturas institucionais; é, entretanto, uma inquietação que ainda não se definiu em pensamento claro e em objetivos explícitos.
Passando-se à camada do que se costuma chamar “classes conservadoras” (industriais, comerciantes, fazendeiros), observamos nelas certa intuição, oriunda de suas próprias necessidades, levando-as a desejar renovações de critérios com referência à política econômico-financeira do país, mas, no concernente à defesa dos princípios sobre os quais assenta nossa estabilidade social, não encontramos nesses homens nenhuma resistência organizada à onda avassaladora da dissolução dos costumes, pela qual se prepara a destruição da Pátria.
O campo intelectual oferece um quadro desolador. Aqueles que deveriam orientar a Nação Brasileira são os que mais a desorientam. Mesmo os que aparentam preocupação pelos nossos problemas, mais não fazem do que enfiar fatos arbitrariamente selecionados na camisa de força de ideologias importadas com as cores da moda. Com raras exceções, os nossos escritores, ou se perdem em lucubrações filosóficas unilaterais e muitas vezes desconexas, na interpretação dos fatos sociais, mais preocupados com exibições eruditas e busca de originalidades, do que visando a claras e definidas linhas de um pensamento construtor; ou produzem obras de ficção requentando o velho naturalismo do século XIX, ao qual acrescentam sórdidas pornografias, agora agravadas por uma reconceituação do problema sexual destruidora de todos os padrões morais e da dignidade humana; ou se fecham nas torres de marfim da “arte pela arte”, ressuscitando em formas mais delirantes o gongorismo do século XVII. Alheios às questões nacionais e à vida política do país, formando igrejolas de elogios mútuos, estão sempre dispostos a assinar manifestos que lhes são levados pelos interessados em transformar a verdadeira liberdade democrática em licenciosidade e anarquia. A ação deletéria de certa parte dos bonzos da nossa intelectualidade exerce-se no ensino secundário e superior, ministrando doutrinas materialistas e estilando, na alma dos alunos, todos os ensinamentos nobres e elevados.
No setor religioso, já não reconhecemos aquela prodigiosa unidade que constituía força imperativa a guiar o povo brasileiro durante quatro séculos. Tanto na Igreja Católica, como nas diversas comunidades cristãs, as teorias de um neoliberalismo penetraram abalando a disciplina. Ninguém pode negar, por exemplo, que os católicos estão divididos, não propriamente em questões dogmáticas, mas em relação às aplicações doutrinárias na apreciação dos problemas sociais, e até individuais, e de suas soluções. É mais um fator de desorientação, como se não bastassem os oriundos dos setores da política e da intelectualidade em nosso país.
Nada precisaremos falar do que se passa na esfera estudantil. Os acontecimentos destes últimos meses são mais eloquentes do que qualquer palavra. Uma juventude nobre e idealista vem sendo iludida por agentes da Anti-Nação — que se servem de minorias previamente contaminadas e politizadas e propelida a desordens incompatíveis com a cultura, a moral e o senso de responsabilidade que devem nortear aqueles que serão no futuro os responsáveis pelos destinos da Pátria. Tal situação é o resultado dos ensinamentos provenientes dos fatores a que nós temos referido, os quais, pelo seu caráter negativo, não poderiam produzir outros efeitos.
Envolvendo o mundo político, econômico e intelectual do país, temos o panorama da grande e da pequena burguesia, aquela constituída pelos capitães da indústria, do comércio, dos bancos, da grande agricultura, e esta pelo funcionalismo, classes liberais, comerciários e industriários. A grande burguesia se ocupa em fazer bons negócios, ostentar automóveis grã-finos, frequentar os clubes elegantes, comparecer a recepções de embaixadas e espetáculos de gala, desfiles de manequins, exposições de arte moderna, corridas de cavalos, exibições de vestidos dos grandes costureiros e joias de famosos joalheiros. A pequena burguesia vai seguindo a grande como pode; compra a prestações, recorre a empréstimos de bancos ou de agiotas, clama contra o custo de vida, mas se esforça para não fazer feio. Mistura-se com os de elevada categoria, nas praias e balneários, nas boates e salões de alto bordo. Nem no grande, nem no pequeno burguês existe um sentimento forte de Pátria, um profundo apego à tradição familiar, uma noção de deveres perante Deus, uma capacidade de ação e de sacrifícios em prol de ideais superiores. Apesar de tudo, é ainda na pequena burguesia, chamada classe média, ou submédia, que encontramos os elementos da vitalidade nacional aos quais devemos recorrer para valorização do que resta de positivo no Brasil.
Vêm, finalmente, os operários urbanos e rurais. Uns e outros ainda enfrentam sérios obstáculos para melhorar sua condição de vida, tanto pela insuficiência dos salários como pela deficiência da organização sindical em nosso país. Esta herdou os vícios do sistema ditatorial que subordina os órgãos de representação a tutelas de elementos estranhos ao meio operário, e restringe artificialmente o seu campo de atuação dentro de normas estatutárias. Os trabalhadores rurais, particularmente, se debatem contra dificuldades maiores, causadas por uma legislação demagógica que desconsidera a peculiaridade da produção agropecuária. Mas os operários são por índole bons brasileiros, com famílias numerosas e melhor organizadas do que as das classes que lhes estão superpostas, e na sua imensa maioria não se prestam ao papel de massa de manobra do comunismo internacional. Todavia, o sindicato ainda se acha preso ao paternalismo e ao peleguismo, por força de sua própria estagnação institucional.
Temos, neste rápido bosquejo, o que é o povo brasileiro segundo as suas estratificações. Para se ter ideia completa devemos ainda levar em conta as diferenciações regionais, que criam psicologia específica segundo a nossa geografia econômica e demográfica.
A revolução de março de 64 suas consequências
Falamos, no início deste preâmbulo, no fato de unidade do povo brasileiro, apesar das diferenças que acabamos de expor. É o sentimento comum de Pátria e de Família. Foi esse o propulsor da revolução de 31 de março de 1964. Tão profunda a natureza do agente catalisador daquele movimento que as forças sociais incontidas saíram às ruas. Eram moços e velhos, homens e mulheres. O inimigo estava no próprio seio do Governo. Cumpria desalojá-lo e as Forças Armadas, sob a pressão do clima nacional de repúdio à demagogia esquerdista, que trazia o cunho oficial, tiveram de pronunciar-se.
Era a revolução da família brasileira. Trazia, no fundo, um desejo de renovação, para que não se repetisse uma situação idêntica àquela propiciada pela insuficiência do próprio regime. Essa renovação não foi operada, senão superficialmente, pois o movimento armado não trouxe um pensamento doutrinário, um programa de ação, uma vez que seus chefes, na sua maior parte, não estavam preparados para a grave responsabilidade. Faltou aos que assumiram o poder um pensamento filosófico, um plano, um programa claramente definido, objetivando um processo social de transformação, impessoal e corajoso, que criasse uma grande mística e polarizasse todas as energias nos mesmos empenhos de ideal e sacrifícios.
A revolução autolimitou-se, em quase nada alterando os quadros da situação anterior, não caminhando para uma transformação do Estado Nacional capaz de consolidar a segurança do país e de conformar os textos constitucionais a novas exigências impostas pela realidade brasileira e mundial. O sistema representativo continuou o mesmo; a justiça não se atualizou diante de elementos novos que surgiram na vida do país, tais como os crimes sociais, os contra a economia popular, a guerra revolucionária, a deflagração de conflitos de rua, a pregação de ideias subversivas pela cátedra, pela imprensa, pelos meios modernos de comunicação. A administração pública não se preveniu contra a infiltração de elementos comunistas ou da corrupção. A política voltou a ser o que era: eleições facilitadoras das atividades do poder econômico, da demagogia, do suborno, com redução dos índices intelectuais e morais dos parlamentos.
As revoluções que, em todo o mundo, modificaram a feição dos Estados, começaram pelas Ideias. Somente através delas é que modificamos nosso modo de vida, nossa maneira de organizar a sociedade. Cabe a uma revolução renovar a política, criar constantemente novos objetivos, implicar o povo neles, promover uma união de pensamentos e sentimentos e o ajuste mútuo de comportamento, responder à batalha do comunismo no seu próprio campo, suscitar o entusiasmo pela bandeira desfraldada.
II — DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS
Para propor com autoridade moral e segurança de propósitos um programa de ação prática ao movimento de ideias que encetamos, nosso primeiro dever está em expor os princípios doutrinários a que nos obrigamos. São os seguintes:
1 — A interpretação dos fenômenos sociais, econômicos e políticos deve cingir-se, preliminarmente, à concepção do Universo e do Homem. Três são as posições a adotar: a materialista, a agnóstica e a espiritualista. Conforme a primeira, nega-se a existência de Deus e da Alma Humana; de acordo com a segunda, não se cogita nem da origem nem dos fins do Ser Humano; sob a inspiração da terceira, consideramos o Universo e o Homem como criações de um Ente Superior, que lhes traçou normas de comportamento e, no tocante ao Homem, ser racional, mediante o livre arbítrio que lhe foi outorgado, ficou-lhe assegurada a liberdade de escolha das atitudes a assumir e dos atos a praticar.
O materialismo está hoje superado pelo avanço da ciência, que nos demonstra existir, na composição dos átomos, um pensamento matemático; o agnosticismo (posição mais materialista do que o materialismo) nem chega a considerar o problema das causas e efeitos, apenas se preocupando com o “atual”, do que se originaram o utilitarismo e o pragmatismo, cujas consequências foram a decomposição da chamada civilização ocidental.
Nossa posição é a espiritualista. Acreditamos num Deus e no destino sobrenatural do Homem.
2 — O Homem, por sua natureza e atributos, tem deveres a cumprir conscientemente. Os deveres inerentes ao que ele representa como ser físico são os da manutenção da sua subsistência e o da multiplicação da espécie. Os relativos à sua espiritualidade são os de promover os meios de sustentar a sua liberdade e organizar, com seus símiles, os instrumentos sociais necessários ao cumprimento de seus deveres. Do cumprimento de tais deveres, sem constrangimento ou coações, surge a noção dos direitos humanos, que se baseiam no supremo dever do homem de ser livre.
3 — Para cumprir o dever de multiplicar a espécie, o Homem e a Mulher se unem, fundando a sociedade familiar. É a Família, portanto, o primeiro grupo natural criado pelo Homem, para se defender contra arbítrios externos.
O Homem recorre ao trabalho para prover os meios de subsistência própria e desse primeiro grupo natural. Entretanto, o conceito individualista, predominante no liberalismo econômico, ou o coletivista, inspirador das doutrinas socialistas, fazem do trabalhador um mero agente da produção, indefeso contra a exploração dos grupos capitalistas, ou contra a escravidão imposta pelos regimes comunista ou socialista, mediante progressiva ou violenta estatização da economia. A defesa do Homem contra tais ameaças está na união com seus companheiros em associações de trabalhadores que reivindicam legítimos direitos e imprimem ao trabalho um caráter de dignidade. É outro grupo natural que deve ser respeitado e inviolável. Em consequência da nossa concepção de Família e Trabalho, sustentamos o princípio da propriedade legítima, considerando-a trabalho acumulado e garantia material do grupo familiar. Sua legitimidade só encontra limites no bem comum, que não deve ser ultrapassado.
4 — Chamaremos “grupo natural” à reunião de homens livres objetivando a um fim comum. Destarte, são também grupos naturais as sociedades organizadas para fins científicos, artísticos, assistenciais e, acima de todos, a sociedade religiosa.
5 — Homens livres, famílias autônomas, associações de trabalhadores, de intelectuais, de fiéis a credos religiosos, estão geograficamente circunscritos aos locais de suas atividades. Chamamos a tais aglomerados Municípios, cuja autonomia decorre da mesma que usufruem as partes que os compõem. O conjunto de Municípios constitui a Nacionalidade, com os atributos e direitos de Soberania, decorrentes, em escala ascendente, da célula municipal, dos grupos naturais de que esta é constituída e, finalmente, do Homem. A Soberania da Nação, portanto, não pode originar-se, como pretendia Rousseau, da vontade geral, uma vez que seria absurdo submeter a votos o que é inerente ao ser ou a qualquer objeto considerado.
6 — A Soberania da Nação não diz respeito apenas a uma definição e uma identificação no conjunto dos povos: refere-se, essencialmente, à sua integridade interna, à sua fisionomia própria, segundo a sua tradicionalidade, sua composição social, seus costumes, seu modo de ser. Não se deve, pois, confundir a Nação com o Estado, como pretendeu a escola histórica alemã e como pretendem os socialistas e comunistas. O Estado é criatura da nação, por ela instituído para manter a ordem interna e as relações externas. A Nação pode modificá-lo, consoante as necessidades que se apresentam no curso do tempo, mas o Estado não pode modificar a Nação, cuja personalidade é intangível. A consciência de uma Nação origina-se de sua História, que lhe indica as normas de procedimento no Presente e no Futuro e a fortalece nas atitudes externas e internas. Não se concebe verdadeiro nacionalismo, como árvore sem raízes no solo da tradição e sem respirar o puro oxigênio do sentimento da Pátria.
7 — A concepção espiritualista do Universo e do Homem leva-nos a considerar todos os fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais no seu conjunto, observadas as suas correlações. Do mesmo modo como o Homem é uma dualidade consubstancial, sendo o seu corpo um conjunto de órgãos que não funcionam separadamente, mas dependendo uns dos outros, também a Nação possui órgãos de tal maneira interligados que não será possível solucionar qualquer de seus problemas isoladamente, dadas as implicações que a solução unilateral de um virá forçosamente ter em outros setores da vida nacional.
Esta concepção orgânica da Nacionalidade leva-nos à criação de uma criteriologia representativa e de uma criteriologia governamental, capazes de atualizar as instituições brasileiras de conformidade econômico-sociais e o avanço da tecnologia em nosso tempo.
III — APRECIAÇÃO DAS REALIDADES BRASILEIRAS
Vistos os diversos setores em que podemos classificar o povo brasileiro, cumpre-nos agora examinar os principais problemas do país, após o que gizaremos o esquema do programa que propomos seja divulgado pelo nosso movimento.
1 — Para maior compreensão das nossas realidades, teremos de classificá-las em: espirituais, culturais, institucionais, sociais, econômicas e políticas. Como guias de nossas pesquisas, recorreremos a grandes escritores já mortos e a outros da nossa contemporaneidade.
O problema espiritual brasileiro revela-se num resfriamento da fé cristã pela disseminação das ideias materialistas que, desde o século passado, vêm minando as classes intelectuais. Como antídoto, temos nas obras de Farias Brito a crítica aos sistemas filosóficos em voga no seu tempo, o que nos oferece uma metodologia à análise das novas teorias decorrentes daquelas mesmas fontes cuja ilogicidade de nos demonstra o filósofo cearense, propondo-nos um renascimento espiritual.
A questão cultural, que está em imprimir à nossa criação literária e artística um cunho expressivo de brasilidade, deve ter sua solução norteada pela obra máxima de Euclides da Cunha e, mais tarde, por nacionalistas posteriores ao movimento modernista.
A adaptação das nossas instituições às realidades e necessidades do país será orientada pelos escritos de Tavares Bastos, Alberto Torres e Oliveira Viana.
O conhecimento das estruturas sociais brasileiras não prescinde de consulta às obras de Oliveira Viana, sempre atuais pelos subsídios que relativos à psicologia das nossas populações.
Os temas econômicos foram desenvolvidos por Mauá, no Império e, entre outros, na vigência da República, por Simonsen, Calógeras e Pires do Rio.
A evolução e as realidades políticas do país encontram-se delineadas em Oliveira Lima, Rui Barbosa, José Bonifácio, o velho, Afonso Celso, Campos Sales, Jackson de Figueiredo; em nossos historiadores, a começar pelo patriarca Porto Seguro; numa série de outros estudiosos, entre os quais destacaremos o Barão do Rio Branco e Gustavo Barroso, sendo também de toda a conveniência compulsar os anais do parlamento na Monarquia, onde avultam figuras de lúcida clarividência, como a de Bernardo de Vasconcelos.
Assim orientados pelos que antes de nós trabalharam para nos legar um acervo de conhecimentos e métodos de estudo, entremos a apreciar o que se passa no Brasil de nossos dias.
2 — Somos um país de mais de oito milhões de quilômetros quadrados e uma população de noventa milhões de habitantes. Atravessamos todo o nosso período da Monarquia mantendo a Unidade Nacional, sustentada nos decênios posteriores à proclamação da República. O sistema federativo, conquanto atendesse aos impositivos da União Brasileira (diferenciação na unidade), teve como resultado político a influência dos Estados mais populosos nos destinos da Nação. Em 1930, quebrou-se o equilíbrio da política, pela divergência entre os três grandes eleitores. Novo fator veio a influir na vida política brasileira: a questão social, decorrente da nossa industrialização e concentrações operárias urbanas, agravada, já agora, pela propaganda comunista. Depois de dois anos de governo ditatorial, foi convocada uma Constituinte, inevitável desde a revolução paulista de 1932. Em 1934 promulgou-se a nova carta, que durou até 1937, quando foi de novo instaurada uma ditadura, que teve vigência até 1945. Em 1946, houve uma nova Constituinte e uma nova Constituição. Em 1964, um movimento armado depôs o presidente da República, mas manteve, em seus dispositivos essenciais, a Constituição de 1946, apenas alterada por Atos institucionais e Complementares. Em 1966 foi votada a Constituição atualmente em vigor. Como dissemos no preâmbulo deste manifesto, a chamada Revolução de Março não trouxe nenhuma ideia inovadora. Limitou-se ao combate à inflação, a algumas cassações de direitos políticos e a algumas reformas (agrária, tributária, administrativa). Nenhuma providência foi tomada no sentido de expungir a administração pública de elementos que ocupam os postos-chave, colocados pela situação anterior, partidários do governo deposto, os quais hoje perseguem aqueles que combateram a comunização do país.
3 — Não se pode negar que, apesar do esforço do atual Governo para conter a onda inflacionária e de providências no sentido de realizar obras tendentes a impulsionar o desenvolvimento do país, e mesmo a despeito de um liberalismo por vezes excessivo, existe um descontentamento geral. De um lado, a oposição acha insuficientes as liberdades de que goza; por outro, os revolucionários de março reclamam, com razão, contra a onda de demagogia que lavra nos parlamentos, na imprensa e demais meios de comunicação e, ao mesmo tempo, propugnam por aquelas reformas básicas, que julgam necessárias ao país. Também não se pode negar certa insatisfação nas classes produtoras, sobretudo no setor agropecuário, e a malsinação popular contra o aumento de custo de vida. Agitadores que atuam por detrás das cortinas, seguindo a diretriz traçada para todos os países pelo Kominform, aproveitam-se da inquietação generalizada para abalar os alicerces das instituições.
4 — Sob o aspecto econômico, o Brasil está classificado, na sua totalidade, como país subdesenvolvido, o que não representa a verdade completa. Podemos dividir nosso mapa em três zonas distintas: em desenvolvimento (São Paulo, Guanabara, Estado do Rio, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte de Minas Gerais); em exploração e penetração (Goiás, Mato Grosso, Amazonas, Pará e territórios); subdesenvolvidas, mas em início de desenvolvimento (os Estados do polígono das secas àquela ilha econômica que é o Estado do Espírito Santo).
5 — Sendo a população brasileira em 43% constituída de agricultores e assalariados dos campos, o descontentamento rural procede dos seguintes fatos: excesso de impostos, restrições de crédito, dificuldades de transporte, alto preço de maquinaria, implementos, adubos e sementes, falta de assistência médica e escolar, ausência de garantia de preços reais. Como se vê, o problema agropecuário do país se relaciona com outros tantos, cada qual atinente a determinados setores da vida econômica e administrativa do Brasil, o que confirma nosso princípio de que não há soluções isoladas e unilaterais, mas sim uma correlação de diversos problemas. A crise agropecuária reflete-se na indústria e no comércio pelo baixo poder aquisitivo desses 43% de brasileiros. A agravá-la temos os deslocamentos migratórios para os centros urbanos, onde o desemprego é uma chaga aberta no corpo da Nação.
É verdade que, apesar de tudo, progredimos, mas não ao ponto de dar trabalho a multidões que por ele clamam, nem de melhorar o padrão de vida, a não ser de uma parte da população que, inegavelmente, vive hoje melhor do que ontem. Por outro lado, estamos empreendendo a ocupação territorial do Oeste e já nos decidimos à penetração na Amazônia. Tudo isto, num país imenso de diferenciações econômicas evidentes, é muito pouco. O panorama geral nos convida à magnífica aventura da Construção Nacional.
6 — Quanto ao aspecto político, vivemos sob o artificialismo de dois partidos [ARENA e MDB], criados de cima para baixo, congregando os remanescentes das treze organizações partidárias, que, por sua vez, não passavam de aglomerações de clientelas eleitorais. Visando ao poder ou desejando os favores deste. A extinção de tais partidos não solucionou o problema. Postos a funcionar os dois novos aglomerados, eles se distinguem, respectivamente, por uma oposição sistemática e por vezes injustas ao Governo, ou pelo apoio a esse mesmo Governo, apoio frequentemente traído por deserções na oportunidade de votos no plenário parlamentar, que revela indisfarçável descompromisso, por não existir, na organização a que se filiaram, ideias centrais polarizadoras a inspirar atitudes de disciplina. Nota-se, ainda nas duas agremiações partidárias, que seus componentes não perderam o caráter dos antigos partidos a que pertenciam; lavram as lutas intestinas sob as aparências de uma falsa unidade.
7 — O problema educacional brasileiro representa matéria de mais alta relevância. Não se traçou um plano eficiente para a reestruturação da escola primária com base nas regionalidades e no tipo de trabalho e produção de cada zona, sendo os mesmos programas e métodos adotados tanto para as escolas urbanas como rurais. Nada se tem feito, nos sucessivos governos de antes e depois da revolução, para estabelecer currículos racionais e normas eficientes para o ensino médio, sendo de notar a infiltração de elementos negativos habilmente disfarçados nos corpos docentes dos estabelecimentos (ginasiais, clássicos e científicos). Quanto às Universidades, não se atualizaram no que diz respeito à moderna tecnologia, procurando entrosar os estudantes das carreiras técnicas com os nossos parques industriais, usinas e laboratórios de pesquisas. Acrescente-se a incapacidade material e o exíguo número de professores para atender à quantidade de excedentes a clamar por matrículas, fato natural num país onde a juventude representa cerca da metade da população. Ponham-se ainda os preços dos livros didáticos, sem que se leve em conta o fraco poder aquisitivo dos estudantes. E, como mal maior, a ineficiência da educação moral e cívica, do que resulta uma geração desorientada e sem noção de seus deveres e direitos.
8 — Mas se entrarmos no setor da Saúde Pública, verificaremos continuarmos quase nas mesmas condições encontradas por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. É verdade que desde 1907 foram extintas a febre amarela, a bubônica e grande percentagem da varíola; mas no vasto interior brasileiro grassam o impaludismo, as verminoses, a doença de Chagas, a lepra, a sífilis e outros males. Deficientes são os trabalhos de profilaxia, inexistente uma educação sanitária e incipiente um apostolado no sentido de ensinar os sertanejos ao menos a morar e comer. Não há médicos, nem dentistas, nem farmácias nos sertões e até mesmo em certas regiões próximas a capitais. Os estabelecimentos hospitalares são insuficientes pelo número e geralmente ineficientes pela falta de aparelhagem. Vivem a mendigar verbas orçamentárias estaduais e federais, conseguidas a duras penas e as mais das vezes cortadas pelo Executivo ou não liberadas. Fala-se em reforma agrária, mas o primeiro passo para que ela se realize está na instalação de postos médicos, de um serviço de ambulatórios que se entreguem a uma atividade itinerante, de escolas onde não se ensine apenas a ler, mas se transmitam noções básicas de higiene.
9 — Uma das preocupações que excitam a sensibilidade dos brasileiros no momento atual está em preservar a soberania nacional contra o domínio econômico, cultural e político de outros povos e de grupos financeiros internacionais. Nada mais justo. Mas essa preservação deve ser completa, sendo absurdo combatermos a influência do capitalismo estrangeiro se optamos por outra forma de capitalismo imperialista, que se vale de uma ideologia para nos escravizar, ou se adotamos as atitudes e costumes de velhos povos decadentes, minados pelo existencialismo e pelo impudor. Um verdadeiro nacionalismo, baseado em nossas tradições e afirmativo da nossa personalidade de grupo humano linearmente caracterizado entre os demais povos da terra, será a mola propulsora da ação que vamos desenvolver.
10 — A persistência dos quadros que acabamos de esboçar tem criado uma inquietação geral no povo brasileiro, particularmente nos meios estudantis e em certos setores da Igreja Católica. A ambos tem faltado uma visão de conjunto dos problemas nacionais, uma noção exata das questões econômicas intimamente ligadas à questão social, um sentido de realismo na interpretação dos fenômenos sociopolíticos e aquela serenidade necessária a evitar o apriorismo tomado como ponto de partida e tão ao gosto dos que, técnica e taticamente, sabem manejar os que raciocinam como sentimentais e que se deixam arrastar pela emoção muitas vezes transformada em paixão.
Essa emotividade tem sido habilmente explorada pelos inimigos da Nação, que vestem a pele do cordeiro, fingindo participar dos legítimos anseios que palpitam em bons brasileiros (estudantes, sacerdotes, intelectuais ingênuos e políticos desavisados). O que está faltando, no caso dos estudantes, é a explicitação de suas reivindicações, em itens claros e precisos, de sorte que a opinião pública do país tome conhecimento do que eles desejam e possa pronunciar um julgamento.
Pondo de parte os elementos antinacionais treinados por Moscou, Pequim e Havana, para se infiltrarem nos movimentos estudantis, entendemos justas as aspirações dos moços, não somente quanto a reivindicações que devem desejar, embora ainda não as declarassem pormenorizadamente, mas no que concerne à sua participação no debate dos problemas nacionais. Para isso, entretanto, é preciso e propomos, acima de tudo, o estudo das questões humanas universais e das nacionais brasileiras. Será promovendo conferências, cursos extra-universitários de cultura geral, debates sérios e tranquilos em recintos fechados, dedicando-se à leitura dos grandes mestres, pesquisando os fenômenos sociais, que a mocidade adquire o direito de discutir as magnas questões de interesse do Brasil. Na hierarquia dos valores, não se concebe que a ignorância possa ombrear com o saber, a emotividade com o raciocínio, o impulso inconsequente com a ação ponderada e responsável.
IV — ESQUEMA DE UM PROGRAMA DE AÇÃO
Exposto, em linhas gerais, o panorama da vida brasileira, formulamos um programa de ação. São objetivos dos Centros Culturais:
1 — Divulgar pela imprensa, pelo livro, por meio de conferências e Instrumentos de comunicação, os princípios gerais enunciados no Capítulo II deste documento.
2 — Promover cursos e debates sobre as realidades econômicas, sociais e políticas do Brasil, formando uma consciência esclarecida na juventude sobre os problemas nacionais brasileiros.
3 — Formar uma opinião pública sobre a necessidade de transformações estruturais das nossas instituições políticas, baseadas numa nova criteriologia representativa, de sorte que os órgãos vivos e ativos da Nação, hoje marginalizados, tenham voz nos debates e soluções dos problemas, não só de suas categorias, mas relativos também a todos os setores das atividades nacionais.
4 — Propugnar por uma criteriologia governamental, que visione todos os problemas brasileiros no seu conjunto e não segundo a unilateralidade das soluções que representa a característica de uma mentalidade desatualizada em face das novas circunstâncias advindas do progresso científico e técnico.
5 — Pugnar pela unificação e simplificação do Poder Judiciário, dando-lhe ao mesmo tempo os meios legais para preservar a Nação contra a corrupção e a subversão da ordem.
6 — Baseados no critério da correlação dos problemas, daremos especial atenção aos três órgãos fundamentais da economia brasileira: o agropecuário, o comercial e o industrial, harmonizando seus interesses e lutando particularmente por uma orientação segura de política agrária, que proporcione ao produtor a garantia do seu trabalho, sem as perspectivas de prejuízos decorrentes dos fatores negativos a que nos temos referido.
7 — Procuraremos influir junto aos poderes Legislativo e Executivo para que se adote um sistema tributário mais condizente com os interesses da economia nacional, aumentando-se a arrecadação não pelo aumento de impostos, mas pela ampliação das áreas de contribuição, desde que se elevem os índices da produção pelo desenvolvimento econômico do país.
8 — Tudo faremos para prestigiar os esforços da iniciativa privada e dos governos que objetivem o desenvolvimento do Brasil em todos os setores e nos empenharemos numa campanha de ressurgimento bandeirante, visando à ocupação dos espaços vazios, sobretudo do Oeste e da Amazônia.
9 — Estaremos atentos em relação às atividades ostensivas ou disfarçadas de nações estrangeiras ou grupos capitalistas internacionais, tendentes ao domínio de nosso território e à absorção de nossas indústrias, assim como combateremos a influência de culturas e costumes alienígenas e o cosmopolitismo nocivo às tradições nacionais, principalmente as perversões importadas para o efeito de corromper a mocidade e aluir os alicerces da família brasileira.
10 — Será ponto relevante do nosso programa a formação de uma consciência profissional, moral, sanitária e cívica nas populações do vasto território brasileiro, de sorte a valorizar o Homem como fator econômico e moral.
11 — Lutaremos por uma reforma do ensino, desde o grau primário, médio e superior, visando formação integral do educando. No curso primário, propomos escolas cujos currículos abranjam, com a alfabetização, os conhecimentos básicos para ingresso nos cursos secundários, a instrução relacionada com o caráter econômico de cada região, a preparação para atividades profissionais, os ensinamentos morais e cívicos. No curso médio, sugerimos uma reformulação dos currículos, baseada num critério racional e capaz de preparar o aluno para os estudos superiores, pondo como fundamento dessa preparação o conhecimento do idioma pátrio, da geografia física e econômica do Brasil, da nossa História e da sua interpretação, além dos elementos essenciais de que o aluno se irá valer no curso superior, tudo condicionado a métodos modernos e não sendo esquecidos os ensinamentos relativos à formação moral e cívica dos estudantes. O auxílio governamental denominado “bolsa de estudos” deve atender aos índices de seleção no curso primário e não a influências políticas. Não devem restringir-se ao simples pagamento de matrículas escolares, mas ampliar-se tendo em vista atender à manutenção e subsistência dos que merecerem, por seu esforço e talento natural, essa cooperação do Governo. Do mesmo modo, o Governo deve facilitar economicamente, no curso superior, os alunos que mais se distinguiram no médio, concedendo-lhes bolsas e auxiliando-os em suas necessidades de subsistência durante o período de seus estudos. Somente essas medidas podem pôr em evidência os valores mais expressivos de uma geração e recrutar verdadeira elite, de que o Brasil tanto precisa. Por outro lado, o ensino nas Universidades precisa atualizar-se de conformidade com a tecnologia do nosso tempo, de sorte que o aluno, ao sair com o diploma na mão, não se sinta constrangido diante do progresso tecnológico, que se processou fora da escola e o surpreende. Urge, também, que as iniciativas particulares e governamentais se alarguem, fundando novos estabelecimentos de ensino superior e ampliando os já existentes, de modo a receber maior número de matriculandos e suprimir a questão dos excedentes. O espírito universitário deve ser criado, na base já consolidada no curso médio de uma alta compreensão de deveres e direitos de dedicação à Pátria e de nobre idealismo. Só assim teremos brasileiros que não serão somente profissionais, e sim homens completos, que não se preocuparão apenas com os interesses pessoais da carreira, mas terão sempre em vista o que devem à Nação.
12 — Ligado ao problema do ensino está o da cultura literária e artística. Prestigiando os verdadeiros valores, insurgimo-nos contra uma subliteratura, que visa a sucessos de livraria, explorando escândalos, procurando amesquinhar os grandes vultos nacionais, utilizando a pornografia e seguindo as prescrições de Marcuse, que consistem em ligar Freud a Marx, isto é, a liberdade sexual aliada aos objetivos comunistas. Tais processos de dissolução nacional tomam como instrumento principal o teatro, que chegou ao extremo da desmoralização. Propomo-nos a combater esses subprodutos de uma literatura medíocre.
13 — Todos os nossos propósitos de transformações institucionais garantidoras da verdadeira democracia, através de novo tipo de representação parlamentar a novos critérios de governo; de elevação cultural das novas gerações nas esferas científicas, técnicas, literárias e artísticas, de vitalização da alma brasileira no sentido de uma grande mística da Pátria de combate à corrupção onde quer que ela esteja; da luta contra qualquer forma de política financeira que facilite a absorção da economia do país pelo capitalismo estrangeiro; de oposição contra uma orientação pedagógica hoje dominante até em colégios religiosos, no referente aos problemas sexuais e sociais, sem atentar nem mesmo para a idade dos alunos; de batalha contra a demagogia esquerdista utilizada pelo comunismo internacional que se aproveita dos excessos de certos líderes religiosos; tudo faremos, respeitando o espírito da Constituição e das leis vigentes, subordinando os associados do nosso movimento a um código de elevada e consciente disciplina.
V — CONCLUSÃO
Com este Manifesto à Nação, iniciamos nossa campanha para a consolidação dos princípios fundamentais de uma verdadeira democracia, capaz de se defender contra os que objetivam a queda das nossas Instituições e a submissão do Brasil no domínio estrangeiro. Lutaremos pela intangibilidade da soberania da Nação Brasileira; pela hierarquia dos valores que se pretende subverter; pela ordem interna, contra a anarquia; pela moralização dos costumes, contra o despudor que se generaliza; pelos direitos humanos correlacionados com os deveres que competem a todos os cidadãos; pela restauração da responsabilidade profissional, administrativa, política, combatendo a corrupção; pela elevação do nível intelectual, moral e cívico do povo brasileiro; pela honra e dignidade da nossa Pátria.
Começa, neste instante, um movimento ousado de renovação nacional. Iniciativa de jovens estudantes e de compatriotas que os apoiam. Para esta cruzada convocamos todos os brasileiros nos quais ainda não morreram o sentimento da dignidade pessoal e o culto da Pátria. Caminhemos, pois, com a consciência de nosso Passado Histórico, a visão realista do nosso Presente e os olhos postos no Futuro do Grande Brasil!