Doutrinariamente, o liberalismo é paradoxal e contraditório. Insuflador do mais desenfreado individualismo, quer, todavia, desfraldar o lábaro da liberdade em todos os setores da atividade humana.

Entretanto, a mais ligeira análise, a mais prófuga observação, evidenciam, desde logo, a perfeita incompatibilidade, a espontânea repulsa existentes entre liberdade e individualismo. Essas duas expressões se repelem mutuamente, se entrechocam, se hostilizam. O individualismo é intrinsecamente, por sua natureza, por sua essência mesma, um liberticida impenitente.

O homem quando age sozinho, isolado dos outros homens, estiola sua liberdade e sua força, escraviza-se, enfraquece-se. Individualismo é, pois, polo oposto, antagônico de liberdade e de força. Daí, afirmarmos categoricamente que a liberdade do liberalismo é uma ficção, é um mito.

O indivíduo só é integralmente livre e somente se encontra, em verdade, garantido, quando integrado em seus grupos naturais e quando sua vontade se manifesta através desses grupos. Essas associações naturais, integradoras da liberdade humana, através das quais o homem deve agir para ser realmente livre, são: a família, o sindicato, a corporação, o Município, a Província, a Nação.

Falar, pois, nas liberdades individuais do liberalismo, é proclamar uma utopia.

Liberdade moral só existe vivificada pelo ozônio de que se encontra impregnado o ambiente da Família.

Liberdade econômica, somente protegido pela corporação o homem poderá usufruí-la.

Relativamente àquela, o Manifesto de Outubro diz categoricamente: “Tirem a família ao homem e fica o animal; façam dele a peça funcionando no Estado e teremos o autômato, infeliz, rebaixado de sua condição superior. A liberdade moral da Família, é o sustentáculo da liberdade e da força do Estado”.

Também a liberdade econômica, só integrado em sua Corporação, só através dela agindo, o homem poderá experimentá-la.

Assim como sem a Família o homem se escraviza moralmente, sem a Corporação ele se escraviza economicamente.

Somente a Corporação poderá assegurar a liberdade das massas laboriosas.

Destruídas as Corporações com o advento do liberalismo individualista, viu-se desprotegido o trabalhador, tangido por acerbas opressões. Sua situação dolorosa, no seio da sociedade atual, provém daquilo que Tasso da Silveira chamou o grande pecado da civilização contemporânea: “o haver transformado em mercadoria o trabalho humano”, com o sujeitá-lo à lei da livre concorrência.

Tudo, na vida, obedece a um senso supremo de equilíbrio. Buscar esse justo limite, estabelecer a exata proporção, eis a grande tarefa. Sempre que nos extremamos na prática de um postulado, caímos, fatalmente, no polo oposto. Daí a assertiva de que os extremos se tocam e que in media est virtus [a virtude está no meio].

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Essa exata proporção, esse senso de equilíbrio, esse justo limite de liberdade, encontramo-los, no campo econômico, só através das Corporações. Fora delas, a liberdade é um mito e o trabalho fica irremediavelmente escravizado.

O grande erro dos liberais, é o unilateralismo exclusivista em que se colocam. Proclamam liberdades e sufocam-nas pelo exagero. Apregoam “direitos do homem” e se esquecem de que a todo direito correspondem deveres tanto maiores quanto maior for a amplitude desses direitos.

A excessiva dose de liberdade que os liberais inoculam no organismo social, transforma-na em opressão. Também no campo da terapêutica quando, na ânsia de salvar o enfermo, exageramos a dose do medicamento, este se transforma em veneno, deixa de ser um elemento de cura para se transformar num instrumento de morte.

Na esfera jurídica, o mesmo fenômeno se observa.

Quando nos extremamos na aplicação da justiça, tornamo-nos, quase sempre, instrumentos da injustiça.

Por esse motivo, o moderno hermeneuta da lei já não se deixa levar pelo velho brocardo — Fiat Justitia, pereat mundus — “Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça”: e o postulado romano, dura lex sed lex, foi totalmente postergado pelos novos exegetas que projetam, no intrincado labirinto do direito, o clarão radioso desse dístico de luz: summum jus, summa injuria, isto é, “do excesso do direito resulta a suprema injustiça.”

Também do excesso de liberdade, resulta a suprema escravidão. Somente o Estado Corporativo nos poderá dar a dose exata, o equilíbrio perfeito, o justo termo da liberdade. É, certamente, o Estado Corporativo, aquela terceira fórmula de Justiça de que nos fala Alberto Torres quando afirma que, “entre o individualismo que assenta sobre institutos jurídicos derivados da solidariedade entre argentários e o socialismo que pretende esquecer as desigualdades naturais, há uma terceira fórmula de Justiça Social”.

Inútil, pois, pensarem os liberais em liberdades democráticas, liberdade econômica, etc. No regime em que vivemos, esses anseios serão sempre meras ficções.

Hoje, mais que nunca, sentimos a propriedade da assertiva do poeta dos escravos: a liberdade é “esposa do porvir”. Desse porvir que o Integralismo está preparando para a Nação brasileira e que florescerá um dia, sob a égide do Estado Orgânico Corporativo Cristão.

Jamil Féres
“A Offensiva”, 31 de outubro de 1937.