O problema da causa na Sociologia 

A história do pensamento científico é a história das interrogações do espírito humano a propósito da causa.

A chuva cai. Por quê?

A terra roda. Por quê?

O homem pensa. Por quê?

Enfim, o progresso da ciência está condicionado diretamente à possibilidade que o homem tem de responder mais e melhor às perguntas que possam ser formuladas.

É evidente que o problema central em qualquer ciência, tanto natural como social, é o causal, eixo sobre o qual deve girar a própria criteriologia da pesquisa.

Responder mais e mais perguntas, e relacionar acertadamente causas, é a função e destino de quantos, nos laboratórios de análise, ou nos gabinetes de estudo, queiram proceder com objetividade e metodologia realmente científica.

A sociologia — como a ciência da sociedade — não escapou à regra, e os seus principais embates travam-se no campo do problema da causa.

Pondo em relevo a questão, vamos encontrar a obra de Mac Iver, Causación Social[1] cuja finalidade é evidenciar o princípio da causalidade na Sociologia e demais ciências sociais. Mac Iver assinala a importância do referido princípio nas mudanças sociais, cuja dinâmica só será dominada e entendida, quando aplicarmos em totalidade às mesmas o princípio da causalidade.

O dito princípio não implica exclusão da causa humana, como veremos mais adiante; muito pelo contrário, foram as próprias pesquisas de campo que conduziram a sociologia do culto quase religioso da cultura à aceitação da personalidade humana como causa eficiente na constituição e mutação social.

Admitindo o problema da causa como eixo da própria metodologia sociológica, teremos que tratar, embora de maneira sintética, das causas que são geralmente apresentadas como responsáveis, geradoras e determinantes da sociedade.

Causa geográfica — o determinismo

Dentre as primeiras causas surgiu, sem dúvida, a causa geográfica. O homem primitivo vivia por demais ao sabor dos fenômenos cósmicos e seu folclore e religião estão povoados de fortes impressões que os elementos gravaram sobre suas mentes. Cremos estar nos mitos e temores primitivos a inspiração primeira para uma interpretação geográfica da problemática social em função do fator-geografia.

As profundas e penetrantes interpretações e mesmo a derivação que através da geografia humana e da geopolítica foram dadas à causa geográfica não impediram que, no fundo, e, talvez inconscientemente, os medos e mitos de origens remotas dessem ao fator terra-clima a importância que, por muito tempo e de certa maneira até nossos dias, lhes é atribuída.

Hipócrates, Platão, Aristóteles, Tucídides, Heródoto, Estrabão, Cícero, Santo Agostinho, Tertuliano, Tomás de Aquino, Miguel Ângelo, Maquiavel e muitos outros pensadores se referiram ao papel condicionador que a geografia tem sobre os povos.

A escola do determinismo geográfico desenvolveu-se na medida mesmo dos próprios progressos da geografia e vamos encontrar Huntington, [2] que procura estabelecer conexões entre o clima e a energia criadora ou rendimentos humanos, [3] teoria ainda muito difundida e indiretamente inspiradora de livros sobre o Brasil e outros países tropicais.

Por outro lado e em termos mais institucionais, vamos encontrar, entre os deterministas geográficos, Buckle, [4] relatando a tese das diferenças de raça como causadores de tipos de sociedade e atribuindo tais diferenças a climas e condições geográficas em geral.

Seria fastidioso enumerar a série de teorias sobre determinantes geográficas como causa social. Podemos lembrar ainda a figura de Ratzel em seus estudos de antropogeografia.

De tudo, podemos, entretanto, tirar uma conclusão, e esta é a de que o fator geográfico entendido como solo, subsolo, clima, relevo, hidrografia, tem grande influência na sociedade e não pode ser esquecido ao tratarmos do problema da causa.

No Brasil, escritores têm a seu modo dado a geografia como determinante social. Tal é o caso mais recentemente de Vianna Moog [5] acentuando o problema do clima e da topografia como elementos de diferenciação entre o Brasil e os Estados Unidos.

Causa racial — o racismo

Elemento de relevo no estudo e compreensão da sociedade é a raça.

Modernamente, a raça como causa social foi relegada a um plano inferior ou mesmo eliminada do quadro geral dos fatores que atuam sobre a sociedade. Tal não aconteceu, entretanto, no passado.

Os pensadores e sociólogos de outras épocas, dentre eles Gobineau, [6] Lapouge e Chamberlain, [7] defenderam em seus trabalhos não só a tese da influência das raças sobre as sociedades, como também a ideia da superioridade e inferioridade de determinadas raças.

A teoria das raças superiores, base do pan-racismo nazista, é hoje inteiramente superada; o que não impede a presença ainda de alguns retrógrados, que, malgrado os protestos de antirracismo, deixam transparecer em suas obras um verdadeiro preconceito.

A nosso ver, as diferenças raciais existem não em termos de superioridade, mas, sim, de características a serem estudadas e utilizadas na interpretação histórico-sociológica. Esta nossa posição assemelha-se à exposta por Oliveira Viana no primeiro volume das Instituições Políticas Brasileiras[8] Acoimado de racista, procurou Oliveira Viana fixar de maneira definitiva sua posição diante do problema.

O pessimismo, às vezes inconsciente ou discretamente disfarçado, como aparece no livro de Limeira Tejo [9] com relação ao povo (tomado no sentido de etnia) não nos impressiona, pois como acentuou e enumerou Plínio Salgado, [10] o povo brasileiro tem uma série de virtudes e qualidades a serem aproveitadas. Sociologicamente, teremos e devemos considerar o problema da raça não nos termos retrógrados e anticientíficos de outrora, mas como uma parte do todo social a configurar um padrão e um modo de ser de um povo.

Causa cultural — o pan-culturalismo

Conhecidos e estudados em suas linhas gerais os fatores geográficos e raciais, resta-nos o fator cultura, posto em relevo na Alemanha por Spengler [11] e outros pensadores.

A cultura entende-se como realidades e padrões materiais e imateriais caracterizadores de uma raça que habita uma determinada área e configura um seu modo de existir. De forma alguma confunde-se a cultura tomada em tal sentido nitidamente antropológico e social com a cultura artística e muito menos erudição.

A escola culturalista de Spengler, Frobenius [12] e Boas [13] reagia contra o individualismo das escolas sociológicas influenciadas pelo biologismo darwinista.

O culturalismo, ou como quer Oliveira Viana, o panculturalismo, estabelecia em seu lugar a ideia da cultura como um ser independente dos indivíduos. Assim, para Splenger, os homens — mesmo os grandes homens — “nenhuma influência exercem sobre a evolução das ‘culturas’, que são entidades vivas que nascem, envelhecem e morrem dentro de ciclos próprios, sobre a marcha dos quais a ação do homem não tem poder modificador”.

É este, pois, o traço característico da cultura — uma vida própria independendo da ação do homem.

* * *

A exemplo da ação da geografia e da raça, a cultura não pode ser esquecida em um estudo causal da sociedade.

Devemos questionar, entretanto, a propósito da presença do homem com sua personalidade no fato social e então dar-lhe o lugar que de direito e de fato lhe reserva na sociedade a doutrina integralista.

Os maiores seguidores de Franz Boas, os culturalistas por excelência, se encarregaram de rebater as teses de seus mestres a propósito da posição submissa do homem no processo sociocultural.

Foram homens da envergadura de Ralph Linton, [14] Mac Iver, [15] Malinowski [16] e Kardiner [17] que, baseados em pesquisa de campo, demonstraram o valor da personalidade humana, inclusive na modificação dos padrões culturais estabelecidos.

São tais estudos baseados em uma sociologia de campo que levam a sociologia a admitir a personalidade humana, dando-lhe o lugar que com antevisão e intuição geniais Plínio Salgado já lhe havia destinado na doutrina integralista.

O homem e a sociedade — interdependências

Examinamos isoladamente os três elementos causais da sociedade.

O meio físico — geografia; o meio humano — raça; e o meio cultural. Na verdade, as outras possíveis causas, mesmo a economia, tão evidenciada pelos marxistas, estariam contidas na geografia e na cultura sob a forma de matéria-prima e relações de produção.

De tudo podemos concluir um fato e este é o de que a geografia por si só não explica da mesma forma e nem a cultura.

Unicausalismo e suas falhas científicas

Influenciados por uma época de análise, os sociólogos atiram-se à ideia de uma única causa na busca de explicar com ela toda a complexidade do fato social. A experiência revelou a ineficiência do método e mesmo sua inutilidade na explicação de fenômenos mais complexos. Diante disto, enveredou a sociologia, tendo à frente Pitirim Sorokin, por outros caminhos que tentaremos examinar aqui.

Eliminada a hipótese do unicausalismo social, representado pelas várias formas de determinismo, enveredou a sociologia de nossos dias por uma interpretação totalizadora e caracteristicamente integralista.

Do unicausalismo passamos ao pluricausalismo. Soma de todas as parcelas que atuam ou causam o fato social.

Sociologia Integralista

Podemos, pois, falar na Sociologia Integralista, cujo fundamento criteriológico é, em linhas gerais, o seguinte:

  1. Exame dos fatores geográficos, incluindo nos mesmos o clima, topografia, subsolo, hidrografia, nos quais se forma e vive a sociedade a ser estudada.
  2. Exame das etnias formadoras, suas psicologias e diferenciações.
  3. Análise, sob o aspecto contemporâneo e histórico, da cultura de que deriva a sociedade a ser examinada.
  4. Conjugação — interdependências e correlações — dos fatores enumerados.
  5. Verificação histórica e monográfica da atuação dos grupos inconformados — elites — na sociedade em estudo.
  6. Análise fatorial dos elementos influenciadores, destacando sobremaneira o momento histórico, o regime econômico e os ideais, crenças e mitos reinantes.
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Pitirim A. Sorokin em seu último livro [18] examina as teorias de interpretação histórica-social de Danilevsky; Spengler; Toynbee; Schubart; Berdiaeff; Northrop; Kroeber e Schweitzer, esclarecendo e concluindo que, “de várias maneiras, nossos filósofos da História demonstraram a inadequação dos procedimentos pseudo-científicos e afirmaram que somente o conhecimento integral e a correlação epistemológica dos conhecimentos sensível, racional e intuitivo, pode dar-nos uma compreensão completa dos fenômenos socioculturais. Sobre esta questão os escritores considerados adotam o ponto de vista integralista”.

Podemos pois concluir este breve estudo do Integralismo em face da Sociologia com as palavras de Sorokin, escritas há menos de cinco anos, e que de maneira inquestionável revelam a atualidade do pensamento integralista e consequentemente da obra de Plínio Salgado.

Aníbal Teixeira
Publicado em A Marcha de 6, 13 e 20 de março de 1959.

Referências

[1] R. Mac Iver — Causación Social — Fundo de Cultura Económica, México, 1949.

[2] E. Huntington — World-power and civilization — Londres, 1949; Civilization e climate — Londres, New Haven, 1924.

[3] Pitirim Sorokin — Teorías Sociológicas Contemporáneas — Editorial Depalma, Buenos Aires, 1951.

[4] H. T. Buckle — Introduction to the history of civilization of England — Londres.

[5] Vianna Moog — Bandeirantes e Pioneiros — Editora Globo, Porto Alegre, 1955.

[6] Arthur de Gobineau — Essai sur l’integralité des races humaines — Paris, 1853.

[7] C. Chamberlain — Les selections sociales — Paris, 1896.

[8] Oliveira Vianna — Instituições Políticas Brasileiras, I vol., Livraria José Olympio Editora, Rio, 1949.

[9] Limeira Tejo — Retrato Sincero do Brasil — 2ª edição, Editora Globo, 1951.

[10] Plínio Salgado — Psicologia da Revolução — 4ª edição, Livraria Clássica Brasileira, 1953.

[11] Oswald Spengler — Le déclin de L’Occident — 3ª edição, Librairie Gallimard, Paris, 1948.

[12] Leo Frobenius — La cultura como ser viviente — Madri, 1934.

[13] Franz Boas — The mind of primitive man — New York, 1911.

[14] Ralph Linton — Cultura y Personalidad — México, 1945.

[15] Mac Iver — Society — New York, 1937.

[16] B. Malinowski — A scientific theory of culture.

[17] Abraham Kardiner — El individuo y su sociedad — Fondo de Cultura Económica, México, 1945.

[18] Pitirim Sorokin — Las filosofias sociales de nuestra época de crisis — Aguilar S. A. de Ediciones, Madri, 1954, p. 378.