Este artigo, publicado no Correio da Manhã, em 28 de abril de 1937, é um dos melhores documentos sobre o caráter democrático do Integralismo. Seu autor, Costa Rego, é um conhecido liberal brasileiro. Eleito Senador em 1935, apoiou a candidatura anti-integralista de José Américo de Almeida para as eleições presidenciais de 1938. Redator-Chefe do Correio da Manhã, Costa Rego fazia ali importante campanha contra o Integralismo. Sócio da Associação Brasileira de Imprensa, foi um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN), em 1945. A exposição que ele faz em Integralismo e Democracia sobre as relações entre os dois regimes estuda-os por quatro aspectos: democracia, ditadura, golpe de Estado e autoridade pessoal.
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Muitas pessoas costumam dizer que a doutrina integralista exclui a doutrina democrática.
Para bem apreciar essa objeção, devemos ver, antes de tudo, o que é a democracia.
A democracia é uma infinidade de coisas, em seu sentido filosófico e em seu sentido prático. Fundamentalmente, é o regime da delegação ou da representação dos poderes.
Ora, a doutrina integralista pode não aceitar que a delegação ou a representação dos poderes promane de certas fontes. Em substância porém admite-a. Admite-a, é exato, com formas novas e originais, mas nem por isto é menos democrático o pensamento que a inspira desde que busca sua força no consenso coletivo.
O Integralismo não é, em rigor, a ditadura.
A ditadura nasce do indivíduo para a massa. O conceito clássico, donde ela tira esses motivos, é que em determinadas ocasiões, a massa por tal maneira perde a unidade da ação que requer o homem superior capaz de impor-lhe os rumos.
Com o Integralismo ocorre o fenômeno inverso: a coletividade integralista primeiramente se torna força para, depois, obedecer.

Costa Rego
O chefe de uma ditadura começa pelo golpe de Estado. O golpe de Estado não é dado em nome da massa. Por isso mesmo, inúmeras vezes os agentes, reais ou teóricos, da massa o dominam. E só quando o não dominam, aparece a ditadura.
A ditadura trará então — ou não trará… — seu programa. Não é, entretanto, o programa o que lhe fornece os meios de viver, e sim a função de governo em que ela se investiu ou que usurpou. A massa não lhe outorga poderes — curva-se como espectadora. Só mais tarde, pela ação da ditadura, pode apoiá-lo, em uma espécie de outorga tácita, porém nunca formal.
O Integralismo procede fora da técnica do golpe de Estado. Não é uma conspiração, nem pretende ser uma insurreição: é uma propaganda. Pega a massa com seus desconcertos e dissonâncias e procura inspirar-lhe a disciplina. Esse trabalho não é instantâneo: é trabalho de educação, penoso, lento, sistemático. Daí a soma considerável de instrumentos e organizações de cultura em que se empenha. A fim de chegar a este ponto, é-lhe indispensável o chefe, pois nada se forma no mundo, e até mesmo no mundo cósmico, sem a hierarquia. O chefe tem o direito de exigir a disciplina, pelo interesse da harmonia do trabalho a executar, e não pelo gosto individual e tirânico de apenas mandar.
Enquanto se emprega na tarefa, o chefe, ao contrário do ditador, não dispõe dos meios de governo. Dirige almas, sem escravizar pessoas. Em consequência, sua ação não vai do particular para o geral; é ação reflexa, pois recebe-a ele da coletividade — a coletividade integralista — que se disciplinou entre a massa e retransmite-a à massa com o objetivo de, no meio tumultuário que esta lhe apresenta, aumentar a supradita coletividade.
Em seu processo, a Ação Integralista Brasileira é mera e simplesmente ação de partido, com a diferença de que os partidos, como os definem e os aceitam os regimes eleitorais, continuam sempre a propor os problemas gerais à massa, enquanto o único ponto de contato do Integralismo com a massa é o do esforço preliminar de nela colher os novos elementos para sua coletividade integralista.
Dentro, porém, da coletividade integralista, o Integralismo age com respeito aos princípios da delegação ou representação dos poderes, que são princípios democráticos, de algum modo mais democráticos, pela intensidade e pela harmonia dos órgãos de consulta, que na democracia clássica são extensos e pouco harmônicos, tão extensos e tão pouco harmônicos, vê-se, que há quem só aceite a democracia em sua expressão de pleito, que quer dizer de luta entre indivíduos e facções.
O fundamento, a essência da democracia está, porém, no Integralismo, quando ele condiciona a autoridade do chefe ao consenso da coletividade integralista e à coletividade integralista atribui a criação dos órgãos e conselhos do Integralismo para compor a autoridade do chefe, do mesmo modo que no organismo humano a cabeça vive em função do resto…
É, assim, perfeitamente conforme à doutrina a consulta que o chefe do Integralismo acaba de fazer à coletividade integralista sobre o melhor candidato à próxima futura presidência da República. [1] Essa consulta não é do sistema das ditaduras, é, em sua pureza de intenções e em sua beleza de forma, do sistema democrático.
Não há, pois, como separar o Integralismo da Democracia.
Costa Rego
Correio da Manhã, 28 de abril de 1937
Nota do Site:
[1] Em 24 de abril de 1937, Plínio Salgado convocou um plebiscito interno na Ação Integralista Brasileira, para eleger o candidato do movimento integralista à Presidência da República. Através do plebiscito, realizado em 23 de maio, elegeu-se Plínio Salgado.