Toda obra de construção nacional há de ser, forçosamente, uma obra de cultura.

Aparentemente, os problemas de ordem administrativa, econômica ou política, não se relacionam com quaisquer noções de natureza filosófica. Entretanto, nenhum deles pode encontrar solução lógica se o critério interpretativo dos fatos e a ordenação metódica das consequências não se deduzirem de princípios preliminarmente firmados. Isto quer dizer que a filosofia é a base fundamental dos critérios políticos, sociais, econômicos, administrativos.

Plínio Salgado

Ora, sendo a filosofia o conjunto dos princípios gerais comuns aos diversos ramos das ciências particulares, ela se exprime como a verdadeira cultura dos povos.

A filosofia, porém, é muito mais, quando a consideramos como um conceito do universo e do homem, uma interpretação da vida, sobretudo como uma atividade do espírito, segundo a expressão de Farias Brito.

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Em última análise, a cultura não se realiza fragmentariamente, seja no campo das ciências experimentais ou especulativas; ela se efetiva no campo da filosofia.

Os primeiros pensamentos que ocorrem quando se trata de construir uma nacionalidade, uma civilização, um tipo de vida, são os que se resumem nestas perguntas: “por quê?” e “para quê?”.

O motivo é o móvel da ação; a finalidade o objetivo da ação criadora.

O motivo, entretanto, procede de uma concepção de existência, transformada em convicção. Ninguém age sem um motivo. É o motivo, isto é, a concepção transformada em convicção, que determina o desenvolvimento das atividades humanas tendentes a concretizar na materialidade dos fatos a idealidade dos pensamentos.

O “por quê” responde ao “para quê”. A razão está no imperativo da subjetividade sobre as soluções da objetividade. Se conhecemos o “por quê” teremos revelado o segredo do “para quê”.

Tudo deve, pois, partir de um conceito de vida. E o conceito de vida é o que chamamos cultura. Sem cultura, ou sem uma filosofia interpretativa dos fenômenos vitais e das atividades espirituais, não sabemos para onde ir, nem como ir, nem para que ir.

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Se se trata de construir uma Nação, temos de partir de um motivo e este nos é dado pela cultura. As Nações são constituídas por seres humanos. Depende do conceito por nós formado dos seres humanos o tipo de Nação que devemos construir. Adotando, por exemplo, o critério materialista, excluímos toda ideia de liberdade do Homem, porquanto a matéria está sujeita às leis do determinismo e se o Homem é apenas matéria, encontra-se exclusivamente subordinado ao encadeamento das consequências geradas por sucessivas consequências. Nesse caso, a hipertrofia da Coletividade em detrimento das Singularidades gera a Nação absorvente e o Estado despótico. Mas se — pelo contrário — adotarmos o critério espiritualista, concluiremos que a Nação é criatura do Homem, como o Estado é criatura da Nação para servir ao Homem.

Vê-se, desde logo, que os lineamentos, a estrutura, as funções do Estado se ligam ao conceito de Nação, como este se vincula ao conceito que formamos do Ser Humano.

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Então concluímos que o trabalho jurídico da construção do Estado decorre da própria ideia que formamos do Homem, da sua origem, da sua natureza, da sua finalidade.

Mas se o Estado é engendrado pela Nação para servir os Homens que constituem a Nação, ele há de funcionar e agir no campo sociológico, econômico e político de acordo com os fins para os quais foi erigido.

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Procede daí toda a conceituação do social, do econômico e do político. Os regimes, as formas de governo, os sistemas de representação, quando não derivam de firmes conceitos doutrinários, não passam de efêmeras e insustentáveis construções, de material insubsistente e de formas ecléticas e muitas vezes esdrúxulas. Esses tipos de Estado não resistem aos ventos das circunstâncias e aos temporais das vicissitudes. Estão à mercê dos acontecimentos. São facilmente destruídos pelos caprichos das facções, pela violência das ambições dos grupos ambiciosos e pelas paixões desencadeadas nos momentos culminantes dos sentimentalismos doentios ou dos ódios explosivos.

Ainda que, com as melhores intenções, sob a preocupação dos problemas imediatos e das angústias derivantes das crises ameaçadoras, surjam homens ou grupos de homens, pretendendo remediar os males de um presente incerto, nada será feito de sério e de verdadeiramente construtivo, se a ação dos “salvadores” não tiver a base de uma doutrina e esta doutrina não tiver origem num conceito filosófico nitidamente definido.

Da Filosofia decorre a Doutrina. Da Doutrina decorre o Programa. Do Programa decorre o planejamento da ação política e administrativa. Consequentemente as soluções econômicas. Das soluções econômicas os esquemas financeiros. E, acima de tudo, a dominar tudo, o conceito ético do Estado e a concepção integral do Homem.

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Toda a confusão, todo o mal-estar da vida brasileira e da vida das Nações ocidentais, origina-se do abandono dessa criteriologia político-administrativa em que flui das raízes de uma cultura.

O Mundo Oriental está se construindo sobre as bases culturais materialistas, com perfeita lógica e firmes direções. Mas o Mundo Ocidental não se baseia em coisa alguma. Domina os povos do Ocidente a desconexa disponibilidade dos espíritos, o utilitarismo estreito e a preocupação do quotidiano.

Por isso o grito que levanto conclamando a juventude para que possamos erguer sobre a planície da mediocridade contemporânea, as altitudes em que o Espírito possa respirar livremente e visionar horizontes mais amplos.

Desespera-me assistir ao espetáculo das deploráveis medianias políticas e da inferiorização dos nossos padrões sociais; as preocupações pequeninas das mentalidades afeitas aos pequenos limites das questiúnculas inexpressivas em face da grandeza dos problemas nacionais.

Nascido com a fatalidade de conviver com as gerações que se sucedem, não creio senão naqueles que representam o Futuro, porque já não falam o velho idioma dos agnosticismos bastardos, porém o idioma novo e permanentemente renovado que traz o timbre revolucionário e a força das ideias criadoras.

Plínio Salgado
“A Marcha”, 20 de março de 1958. Título original: “Aos capazes de entender”.