Vivemos num século científico que se orgulha da sua técnica derivada dos conhecimentos íntimos dos fenômenos, os quais, na sua diversidade, são expressões da unidade da natureza, quer no tocante à sua substância, como às suas leis na regência dos acidentes.
A “unidade diferenciada” de Aristóteles não é apenas, nos dias de hoje, um simples conceito filosófico, mas uma realidade comprovada pela ciência. E é a própria ciência que, enriquecendo-se pela experiência adquirida através dos métodos analíticos do Século XIX, encontra-se atualmente em condições de realizar a síntese dos conhecimentos, inspirando novos critérios à consideração dos problemas sociológicos, políticos, pedagógicos, jurídicos, médicos, morais e econômicos.
De propósito enunciamos, por último, “econômico”, por ser o assunto que iremos versar linhas adiante.
O imperativo da análise, no transcurso do século passado, deformou, de certa maneira, a mentalidade humana. As especializações científicas, centralizando a visão dos especialistas, levaram-nos a deduzir princípios gerais de leis particulares inerentes ao domínio de suas investigações. Esse hábito, que gerou numerosas concepções filosóficas, ampliou-se no século XIX, transformando-se num costume do qual não se eximiram nem os médicos, nem os juristas, nem os psicólogos, nem os pedagogos, nem os sociólogos, nem os moralistas, nem os políticos, nem os economistas.
Henri de Man, no seu livro Para Além do Marxismo, observa, por exemplo, que o socialismo, dito científico, pelos seus fundadores, corresponde a um processo de elaboração mental contemporâneo da época da iluminação a gás. De fato, o Manifesto de Marx, sua obra socioeconômica, os livros dos teorizadores da sua escola, surgiram quando as grandes cidades substituíram os lampiões a óleo pelo gás engendrado pelas experiências do engenheiro francês Le Bon.
Então, tudo era divisão e subdivisão. A estrutura política das Nações baseava-se nos partidos, cujo nome já indica por si mesmo a unilateralidade das frações de opinião pública. Iniciava-se a “luta de classes”, que dividia o mundo em duas categorias humanas inconciliáveis. Os problemas político-sociais passavam a ser encarados com o olho esquerdo (esquerdas), ou com o direito (direitas), ou se estabilizaram entre um outro, na concepção oportunista das correntes do “centro”. Em medicina, o especialista de nervos não entendia de pulmões, o de coração não entendia de intestinos e o doente passou a peregrinar pelos mais variados consultórios, sem atinar com a sua enfermidade. Em direito, além das especialidades, havia as escolas e, além das escolas, a mais contrastante jurisprudência, que se tornou tirana para todos os males. Em pedagogia, a unilateralidade das concepções de cada escola impediu a formação de um conceito integral da criança e do adolescente do qual se deduzisse o método mais adequado à formação equilibrada do espírito e do corpo, de acordo com as premissas psicológicas oriundas da unidade, ou substancialidade humana, comum a todos os tipos, da diversidade inerentes manifestações da personalidade.
Quanto ao econômico, não foi menor a divisão do problema e a unilateralidade dos exames e soluções. Criou-se uma economia capitalista e uma economia coletivista. Criou-se uma economia internacionalista e uma economia nacionalista. Mas, dentro dessas divisões, tendo se manifestado interesses de grupos, surgiram as diferentes interpretações econômicas do industrialismo e do agrarismo, subdividindo-se ainda estas segundo os interesses de certas produções, cada qual pretendendo constituir a chave única para a decifração do enigma das crises.
A própria Rússia Soviética, dentro dos rígidos cânones da economia socialista, tergiversa entre o agrarismo e o industrialismo, conforme se observou no relatório de Malenkov nas palavras de Khrushchev. E que ainda perdura absurdamente no século XX, que é século das grandes sínteses, século da consideração integral dos problemas, a mentalidade deformada, pelo excesso das análises, do século XIX.
No Brasil, essa mentalidade retrógrada, incapaz de visionar panoramicamente a problemática nacional, essa mentalidade enquadrada em tapa-olhos que a impedem de ver as correlações dos fenômenos sociais e econômicos, está levando o nosso país por um caminho que o lançará nas maiores dificuldades, com reflexos políticos catastróficos.
Não há meio de fazermos os nossos homens públicos compreender que uma Nação não pode ter apenas um problema a resolver. Imaginar que resolvendo-se determinado problema ter-se-á resolvido todos é dar uma interpretação simplista (e melhor deveríamos dizer simplória) dos fenômenos vitais em que se exprime a existência de um Povo.
Acreditam uns que o nosso único problema econômico é o da energia elétrica. Outros afirmam que o único problema brasileiro é o dos transportes e neste setor se dividem os unilaterais, sendo uns pelas rodovias, outros pelas ferrovias, outros pela navegação. Ainda outros proclamam que nosso único problema é o petróleo, e estes se fracionam em monopolistas e antimonopolistas e bipartem-se em pesquisadores e refinadores. Surgem outros a gritar que é a siderurgia o nó vital da Nacionalidade, enquanto do outro lado clamam que todo o segredo econômico está na questão dos minerais atômicos. Os agricultores reclamam para a lavoura o direito de resolver todas as crises, mas estes também se dividem porque para uns o centro nevrálgico está no café, enquanto outros dizem que está no trigo e outros que está no cacau. E os industriais demonstram que nossa situação de país subdesenvolvido só poderá ser superada pelo florescimento das nossas indústrias.
Pelo método integral aplicado ao exame e interpretação dos fenômenos econômicos nacionais, não encontramos dificuldade no meio de todo esse clamor de feira. O nosso método considera a Nação como considera o corpo humano: um conjunto de órgãos interdependentes e funções correlativas, exprimindo-se na unidade vital. Mais ainda: de conformidade com o conceito do Homem, que é um composto de Corpo e Espírito, segundo a definição da Patrística e da Filosofia Perene hoje consagrada pelos mais modernos mestres da medicina, e tendo em vista, nas nacionalidades, o “espírito de grupo”, que delineia as diferenciações dos povos, levamos também em consideração os valores morais no equacionamento do problema econômico.
Estabelecido esse critério, afirmamos: 1º) não existe nenhum problema isolado na vida de uma Nação; 2º) todos os problemas se correlacionam e se entrelaçam através de íntimas conexões; 3º) a solução de cada problema particular depende da solução global de todos.
Isto posto, declaramos que todas as questões isoladas que se propõem à consideração do povo brasileiro neste instante (ou em qualquer ocasião) são realmente importantes, porém se colocarmos qualquer delas acima das outras, ou se nos preocuparmos exclusivamente com uma delas, nem a resolveremos, nem resolveremos as demais.
Ao contrário, se estabelecermos os dados das interconexões, esquematizando num quadro geral os temas particulares, teremos equacionado o problema econômico da Nação, encontrando o valor da incógnita que corresponde às relações dos termos propostos.
Adotado este método que decorre do conceito da Nação Integral, como esta do conjunto dos Grupos Naturais oriundos dos legítimos direitos e deveres do Homem Integral, veremos que nunca poderemos resolver o problema da Produção, dos Transportes, da Energia Elétrica, do Petróleo, dos Minerais Atômicos, da Indústria, do Comércio, do Crédito, das Finanças, se tomarmos isoladamente um desses termos e criarmos um “tabu”, transformando um tema isolado em ídolo proposto à idolatria das massas populares.
O equilíbrio vital da Nação exige que não se interprete a crise brasileira, por exemplo, através do prisma financeiro isoladamente, uma vez que este tem íntimas ligações com a realidade econômica. Mas esta realidade econômica, do ponto de vista de suas estruturas, representa um complexo cujos termos dependem uns dos outros. E há ainda a considerar, não já quanto às estruturas, mas quanto ao funcionamento de tais órgãos, os efeitos deste na realidade social. E temos, ainda, a considerar a recíproca, ou seja a refluição desses efeitos sociais sobre os fatores econômicos.
A política financeira há de estar intimamente ligada à política econômica. A política econômica há de estar, por sua vez, ligada à política social. Mas estas três políticas, constituindo a unidade de uma política nacional, não poderão firmar-se num só aspecto do quadro dos fenômenos, mas em todos, com igual interesse, desde que nenhum problema isolado será resolvido sem a solução global de todos os outros problemas.
O único meio de não se dar solução a uma determinada questão, é isolá-la e proclamar que ela é a única. Pois dependendo ela do conjunto das outras, e ficando estas em aberto, aquela que foi isolada jamais se resolverá. E pior: o esforço empregado unilateralmente, em favor de um dos termos da equação nacional, esgotará as fontes da energia econômica, agravará as condições sociais, criará condições políticas de desequilíbrio, desviará as atenções para uma só das realidades, transformando esta em pura idealidade, finalmente depauperará a Nação e então, o problema isolado que se propôs será sacrificado, quando poderia ter uma solução vitoriosa.
Plínio Salgado
“A Marcha”, 21 de junho de 1957.