Este artigo foi escrito por José Garrido Torres e publicado em 1937, na Revista Panorama nº 11. É uma longa exposição da história geral dos princípios econômicos, até o aparecimento da Doutrina Integralista, que contém e supera seus antecessores. A partir dos anos 50, Garrido Torres, então integrante do Partido de Representação Popular (PRP), tornou-se membro do Conselho Nacional de Economia (CNE) e seu Presidente entre 1957 e 1958, tendo também atuado como Governador suplente do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) e, finalmente, como presidente da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), em 1958. Tanto nesse cargo como no de presidente das comissões especiais de Planejamento Econômico do CNE, de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), além de membro do Conselho Monetário Nacional (CMN), do conselho técnico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e do conselho econômico da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente da agência especial do BNDE para financiamento industrial (Finame), Garrido Torres tornou-se uma das figuras centrais da modernização e do desenvolvimento econômico do Brasil. Ele capitaneou a implantação nacional de uma política nacionalista e desenvolvimentista, com participação ativa das categorias sociais e econômicas, justiça social e grande ênfase à iniciativa particular, rejeitando o comunismo, o totalitarismo, o capitalismo e o liberalismo. Defendeu uma completa reforma na organização social da Nação. Também promoveu amplamente a integração do mercado latino-americano, uma das propostas centrais do movimento integralista.

Concepção Integral da Economia

Uma nova concepção da Economia implica necessariamente em uma nova concepção da filosofia. A primeira decorre da segunda, pois, se quisermos investigar a razão de ser das diferentes escolas ou doutrinas econômicas, é na orientação filosófica dos seus fundadores que iremos encontrar a causa esclarecedora da existência das mesmas. E é na maneira de conceber o homem, que, em última análise, vamos achar, por vezes, a causa da profunda divergência das escolas.

O homem é o pivô em torno do qual giram as doutrinas econômicas, ou, a concepção do homem é a pedra fundamental de toda doutrina econômica. “E assim”, diz Amoroso Lima, “é capital que, para possuirmos uma economia sã, tenhamos uma concepção justa do homem”. [1] Entre as duas doutrinas do determinismo econômico e do intervencionismo estatal, tem vivido a Economia Política a sua intensa e breve história. Fisiocracia e Socialismo são os dois extremos entre os quais tem balançado o pêndulo doutrinário.

José Garrido Torres em 1966

Aparecendo com o alvorecer da Idade Burguesa, a Economia Política teve o seu nascimento assistido pela Enciclopédia e recebeu, na pia batismal, a água herética de ideologia revolucionária de 89. Adam Smith, o “filósofo perplexo”, como o chamou Paul Gnio, foi o seu pai. A recém-nascida teve, entretanto, a amparar-lhe a inteligência, outros pais espirituais e mentores: Ricardo, Say, Turgot, etc…

Tendo vivido uma vida feliz e despreocupada, na sua infância, chegou à juventude e sentiu, então, que a existência tornava-se-lhe difícil. Um maior senso de realidades e responsabilidades foi fazendo com que a adolescente se tornasse mais pensativa, mais preocupada e mais inquieta pelo futuro. Compreendeu que não poderia levar mais aquela existência livre e imprevidente do laissez faire, laissez passer. Na ânsia de achar uma solução imediata para a sua situação aflitiva irritou-se com as dificuldades encontradas e qual um desses indivíduos, que tendo tido contato com o trabalho, isto é, vivendo burguesmente, aceitou imediatamente a primeira solução que lhe alvitraram e que a punha a coberto de qualquer esforço, para viver paternalmente protegida pelo Estado. Aceitou a solução socialista. Por muito tempo a Economia esperou, sofrendo, que o Socialismo viesse livrá-la, iludida pelas suas promessas falazes e obedecendo às injunções que despoticamente ele lhe traçara. Mas, afinal, cansou. Cansou de esperar e de obedecer.

O seu sofrimento, acrescido da falta de liberdade e do maior discernimento que foi adquirido pela força da idade, fez-lhe ver que estava iludida por um charlatão que lhe mostrava uma face da verdade e que, se, todavia, não poderia prescindir do auxílio do Estado, fazia-se necessário que não descarregasse toda a sua tarefa sobre este, nem dele esperasse tudo, mesmo porque, a sua inanidade acarretaria, além da sua escravização passiva, o seu definhamento e consequente morte como ciência. Ciosa da sua importância, resolveu procurar, por si própria, regularizar a sua vida. Resolveu estudar. Viu que, como a Filosofia e o Direito, tudo evoluiria, e deliberou atualizar-se, acompanhando o ritmo da marcha do mundo. Viu que no século XX já não havia mais lugar para um reinado despótico do determinismo ou do livre-arbítrio. Que tampouco a matéria, como o Espírito, poderiam governar, excluindo-se mutuamente. Que vivemos uma época eminentemente democrata, em que todos são chamados a colaborar e ninguém abre mão dos seus direitos. Aristocratas, burgueses e proletários, cooperam todos para uma mesma obra. Percebeu que o espírito da era é de cooperação e que todos são solicitados a entrar com o coeficiente da sua boa vontade e capacidade para maior perfeição, de uma obra comum: o patrimônio da Humanidade. Compreendeu que qualquer exclusivismo seria odioso e anormal. Que Estado aristocrata, burguês ou proletário “são formas patológicas do Estado”. E que o progresso científico e filosófico dos tempos modernos indica uma grande e adiantada concepção integral do Estado o Estado ético. Estado que se coloca acima das classes, num plano superior que lhe permite uma visão panorâmica da vida social, promovendo o progresso, o bem-estar, realizando a justiça social e a harmonia de todos os cidadãos. Compreendeu a Economia que tinha vivido entre duas concepções unilaterais e errôneas da vida, do universo e do homem. Que se impunha um reajustamento de valores. Uma conciliação do determinismo com o livre arbítrio. Uma identificação, por assim dizer, do intervencionismo do Estado com o naturalismo das leis. E viu que era possível realizar o equilíbrio ambicionado.

E teve então a concepção integral da Economia. Já não distinguiu mais, somente, as partes, mas vislumbrava o todo. Compreendeu o homem, como animal e como espírito. Compreendeu o homem, como Homem. Fazendo uma revisão rigorosamente científica, a Economia estigmatizou a fisiocracia e o socialismo, como extremismos econômicos e caminhou, firmemente, para a sua integralização. E abandonou os seus antigos apelidos de liberal e socialista, para adotar um outro mais de acordo com a sua nova mentalidade. Adotou o nome de Economia Integral.

Muitos e variados têm sido os modos de conceber a Economia. Embora só tenha aparecido como ciência no século XVIII, já na antiguidade clássica Sócrates e Aristóteles se ocupavam dos princípios fundamentais da Economia. Aristóteles foi defensor da propriedade privada, e, centenas de anos antes de Adam Smith, fez a distinção entre valor-de-uso e valor-de-troca, prevendo, também, profeticamente, a mecanização do trabalho pela técnica. Macleod reconheceu como o mais antigo tratado de Economia, o Eríxias, que nada mais é que um diálogo travado entre esse inimigo da escrita, que foi Sócrates e um seu discípulo que atendia por aquele nome, e em que opiniões foram externadas sobre as riquezas imateriais que muitos séculos de pois, isto é, no século XIX, seriam proclamadas como verdadeiras. O alemão Roscher, da escola histórica e professor da afamada Universidade de Göttingen, da Prússia, escreveu que foi nos escritos históricos de Tucídides, que mais fartos conhecimentos adquiriu sobre a ciência econômica. Note-se que o grego morreu no ano 395 antes da era cristã. O fato é digno de admiração. Mais de 2.000 anos distanciam as vidas do alemão e do grego. E a verdade é que, “se um tratadista como esse pôde pronunciar-se de tal maneira, é porque, de fato, em matéria de Economia, alguma coisa há que aprender em escritores antigos, principalmente naqueles que”, segundo acentua o mesmo Roscher, “não cometeram o erro de antepor a riqueza ao homem, nem se deixaram arrastar pelo hábito, que depois prevaleceu, de separar conceitos indissolúveis”. Também os romanos legaram à Economia moderna o conceito de propriedade, assim como os canonistas da Idade Média elaboraram a doutrina do justo preço, baseada no custo da produção. Nem deve passar despercebido o fenômeno corporativista medieval, cuja adaptação ao mundo moderno tanta agitação tem provocado.

Com a Renascença, começa o ciclo das navegações e novos mundos são dados ao mundo. Criam-se na Holanda, na França, na Inglaterra, na Suécia, na Dinamarca e em Portugal, as poderosas companhias de comércio, de escopo econômico e político, que, conquistando as colônias estrangeiras para o domínio das respectivas coroas, lhes assegurassem seus mercados para seu comércio monopolizador. Tendo surgido, primeiramente, na Holanda, amparadas pelo governo e por iniciativa dos judeus expulsos da península ibérica, que puseram o seu ouro a serviço da empresa e da destruição do império hispano-luso, logo as companhias se multiplicaram pelas diversas nações da Europa, oriundas da ganância sem freios.

As novas terras encontradas, da América, da Oceania, da África, assim como o domínio das Índias, possibilitado pela descoberta da sua rota marítima, por Vasco da Gama, foram disputadas a ferro e fogo pelas potências europeias de então. A Holanda chegou a tal ponto, que no século XVII não passava de “um Estado que era apenas uma companhia mercantil” ou antes “um Estado constituído em companhias de piratas”, no dizer de Oliveira Martins. Afinal, a Inglaterra, entrando em guerra com a Holanda, devido ao Act of Navigation de Cromwell, e tirando partido do estado de coisas provocado pelas guerras de sucessão de Espanha e do “Pacto de Família”, e coadjuvada pela Companhia das Índias, conquistou o seu grande império colonial. Entretanto, não parou aí a ação de açambarcamento do mundo pelo pançudo e cachimbeiro John Bull. Todas aquelas conquistas anteriores não bastaram à sua cupidez, e Basílio de Magalhães nos pinta este belo quadro: “Tendo também conquistado Portugal economicamente pelo tratado de Methuen (1703), tanto que o ouro do Brasil entrou mais nos cofres britânicos do que nos lusitanos; tendo concorrido para a decadência da Espanha; tendo, enfim, enfraquecido a Holanda e a França: a Inglaterra, desde o tratado de Paris de 1763, tornou-se, sem contestação, a primeira potência marítima, manufatureira e mercantil do mundo”. O mundo viveu, nesta época, a face aguda do mercantilismo. Uma falsa noção de riqueza gerou os sistemas mercantil e do “bulionismo”. A prata, então metal monetário por excelência, era despejada da América sobre a Europa, em “verdadeiras catadupas”. E foi, justamente, em reação a esta hipersensibilidade ao metal sonante, que apareceu a doutrina fisiocrata.

Foi Colbert, ministro de Luís XIV, que, com a prática do seu sistema mercantil, provocou a agitação das “elites”, em torno dos problemas econômicos. O intervencionismo indébito do Estado deriva do “colbertismo” que deu causa à reação fisiocrata. E afirmaram então, os seus mentores, a existência de leis naturais e morais de ordem econômica, no processo das quais o Estado não deveria intervir. A nova escola rejeitava, assim, o sistema protecionista, como pernicioso à Economia. Estamos na época do livre-exame e da Enciclopédia. Foram declarados os “direitos do homem”. Os filósofos da revolução burguesa pregam que o cidadão é livre e ao Estado compete apenas manter a ordem, fazer justiça e cobrar impostos. É então publicado o Tableau économique, de François Quesnay, em que a doutrina é a do respeito às leis da natureza, as quais regem e favorecem, sem necessidade de dispositivos artificiais, a produção, a distribuição e o consumo da riqueza. Quesnay pontifica e arrebanha prosélitos: o Marquês de Mirabeau, o intendente Gournay, Dupont de Nemours e Mercier de La Rivière. Como Colbert, certa vez, inquerisse de um industrial a sua opinião sobre a forma mais conveniente do Estado intervir na Economia, recebeu a seguinte resposta: “Monseigneur, laissez faire, laissez passer“. E Gournay, um dos fisiocratas, instituiu essas palavras em lema da nova doutrina. Quando Adam Smith publicou A Riqueza das Nações, fundou também a ciência da Economia Política, que deve o seu nome ao francês Montchrétien. Nascia a nova ciência sob a influência da concepção do homem abstrato, do homo civicus.

Vieram os tenebrosos dias da Revolução Francesa e, sob a influência da ideologia liberal, caía uma nobreza corroída, para ceder o lugar a uma burguesia ávida de poder que haveria de dominar, criando uma civilização materialista que se contraporia à fase espiritualista da Idade Média. Era a reação inevitável ao misticismo empolgante que dominou a Idade das Cruzadas. E, como todo exagero provoca o exagero contrário, ao fideísmo sucedeu o racionalismo. Ao “homem místico” sucedeu o “homem razão”. Ao misticismo sucedeu o naturalismo.

Dois extremos. Duas épocas que se repelem. Duas civilizações que se negam. Ao reinado da Religião sucedeu o reinado da Ciência. Ao primado absoluto do Espírito sucedeu o primado absoluto da Matéria. Ao livre-arbitrismo, a todo o transe, sucedeu o determinismo cego. E em contraposição ao Cristianismo, apareceu a “religião” do “materialismo histórico”. Só mais tarde, no século XX, seria possível recompor o equilíbrio perdido, na grande síntese de uma filosofia de vida integral, maravilhosamente contida na expressão do Divino Mestre: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O mundo transporia então, as divisas de uma Idade Nova.

Obedecendo à orientação doutrinária do laissez faire, laissez passer, desenvolveu-se a economia burguesa. E o Estado assistiu, indiferente, à formação e desenvolvimento das grandes organizações econômicas e financeiras que conseguiriam um poder tal que sobrepuja o do Estado, dilatando-se para o âmbito internacional. Foi a fase áurea do individualismo. O espírito do lucro separou a Moral da Economia. Os plutocratas, na sua adoração absorvente pelo “bezerro de ouro”, na sua prepotência desmedida e desumana escravizaram o proletariado, garantidos pela lei da oferta e da procura, reduzindo o trabalho a simples mercadoria. O proletário tornou-se pária do Ocidente. O capital transpôs as fronteiras das pátrias, estendendo os seus tentáculos sobre o mundo e amarrou as nações ao pelourinho da dívida, procurando impor a ditadura universal do Capital. A reação dos oprimidos seria um fato a aguardar. Foi o que se registrou. À organização internacional do capital, o proletariado antepôs a organização internacional do trabalho. Estava criada a “questão social”.

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E desde então, a luta começou feroz entre o Capital e o Trabalho. Estamos no século XIX. A ciência, em todos os seus setores, progrediu extraordinariamente. Houve o predomínio da máquina. A situação do proletariado agravou-se. O panorama social apresentava, de um lado, um pauperismo penoso; do outro lado uma riqueza opulenta; de um lado, o Trabalho; do outro, o Capital; evidentemente, a sociedade estava mal organizada. E surgem, então, as doutrinas socialistas, reformadoras da sociedade, que se vão diferenciando em mil e um matizes. Proudhon, Jaurès, Saint-Simon, Le Play, Henri de Tourville, Lassale, Engels e Karl Marx e outros constituem a falange dos iconoclastas do liberalismo e dos apóstolos do socialismo. Pretendendo ser revolucionários, não foram mais que prosseguidores do liberalismo, precipitando, um pouco, a sua evolução. Com Saint-Simon, o socialismo aparece estruturado em corpo de doutrina. Saint-Simon apresenta a fórmula: “a cada indivíduo segundo as suas obras”, pensando resolver o problema da distribuição da riqueza. Augusto Comte idealiza a sociocracia final, um regime científico-industrial, baseado na fraternidade universal, em que o proletariado seria incorporado à sociedade moderna. Proudhon berra: “A propriedade é um roubo!” E em 1849, aparece o Manifesto Comunista, “o evangelho da revolução”, na expressão de Burgain, composto por Karl Marx e por Engels. E a doutrina socialista ou comunista resulta em um desdobramento lógico e consequente do liberalismo, como observou Berdiaeff. É o segundo tomo da civilização materialista. Continuação da primeira parte, iniciada pela Revolução Francesa. A filosofia comunista é filha da filosofia burguesa. Ao mito do “homem cívico”, o marxismo antepõe o do “homem econômico”. Já tivemos ocasião de dizer que é na orientação filosófica dos economistas, relativamente à natureza humana, que se encontra a pedra fundamental de toda concepção doutrinária da ciência econômica. Vimos que da abstração do homo civicus nasceu a Economia liberal; da abstração do homo economicus nasceria também a Economia Socialista.

Verificamos assim, que todo sistema econômico, siga que orientação ou doutrina seguir, existe sempre em função do homem.

A Economia socialista, assim como todo o edifício do Socialismo, nasceu da falta de pão do estômago humano. É em função do estômago do homem que existe todo o mirabolante Estado socialista. O homem, no Estado socialista, não passa de um estômago que é preciso encher. É o monstro-estômago.

Para preencher essa finalidade o Estado torna-se o senhor absoluto de todo o organismo nacional. Apodera-se de tudo e de todos. Centraliza tudo. É o único patrão e proprietário. E a técnica alcança, então, a sua expressão máxima. Tudo se reduz à técnica. Tudo é maquinismo. O homem, ele próprio, se escraviza ao Estado e se torna uma máquina, tão somente. O sentido da organização social é o de que o homem existe para a sociedade, e não a sociedade para o homem. O deus-estômago é um deus terrível, exigente que a todos engole. A subversão de valores é completa. A revolução social é um tufão que tudo varre.

Pode-se dizer mesmo, que a Economia socialista, como ciência, não existe. Ela é a negação formal de todas as leis naturais consagradas pela Economia clássica. O Estado absorve todas as suas prerrogativas. E não exageraremos, se concluirmos por afirmar que a Economia socialista nada mais é que uma política econômica, a forma mais extremada da “economia dirigida”. A intervenção do Estado é completa. Nada se passa à sua revelia. O Estado tudo prevê, tudo regula, tudo planifica: a produção, a circulação e o consumo da riqueza. O artificialismo de uma tal prática, ressalta, evidente. Os planos quinquenais da URSS falam por si próprios. Que é da natimorta NEP de Lênin? A Economia socialista carece de fundo científico, pois não passa de uma política de intervenção do Estado, plasmador de ritmos econômicos. Fruto do século passado, a Economia socialista teria, forçosamente, aquela “forma particular de uma mentalidade geral do século XIX”, de que fala Henri de Man. Essa mentalidade característica do século passado, é a de encarar todos os problemas por uma das faces e querer subordinar o todo, na sua complexidade, a uma solução parcial e estreita. Essa forma de mentalidade é justamente oriunda dos processos científicos experimentais do século passado. Estudando o fenômeno em face do século XX assim se externa Plínio Salgado:

“Esse experimentalismo científico, tendo ido aos extremos da análise, atingiu as sínteses supremas. No campo da química, por exemplo, essa marcha é evidente. No campo da astronomia e da matemática, essa nova forma de pensar é uma das expressões mais surpreendentes do século XX. Não é possível, depois da teoria dos iônios e depois do relativismo einsteiniano, raciocinarmos com a mesma mentalidade do tempo de Lavoisier e de Newton. A própria história, depois dos métodos de Spengler, adquiriu um poder de supervisão imprevisto aos homens de sobrecasaca dos tempos passados. A sociologia ganhou uma capacidade nova, depois dos métodos intuitivos de Keyserling”. [2]

Assim, a Economia. Depois da derrocada da Economia capitalista ou liberal, diante do artificialismo da Economia socialista e do fracasso do neocapitalismo ianque (que é antes um passo para o Corporativismo que uma injeção de óleo canforado no organismo agônico do velho capitalismo), a solução fascista tem ganho terreno, e uma nova doutrina econômica vem se esboçando no mundo, oriunda da evolução da sociedade, e perfeitamente acondicionada à época: a da escola corporativa ou integralista.

A Economia marcha resolutamente para rumos novos.

Já não é mais possível fundamentar a Economia, nas concepções falhas do homo mysticus, do homo civicus ou do homo economicus. São verdades parciais. Vivemos no grande século da síntese. Estamos ávidos de verdades totais. Temos, hoje, graças ao progresso científico, a uma filosofia Integral, uma concepção totalitária do universo e do homem.

Nós, integralistas, homens modernos, que nos prezamos de ser, não rejeitamos as puras conquistas da ciência, e é à luz de uma filosofia nova, que nos permite ter uma concepção integral da História, que viemos trazer, do fundo das nossas cogitações, a pérola de um Pensamento Novo. Esse Pensamento Novo é a nossa concepção integral do homem. O homem não é só espírito, razão ou estômago. O homem é tudo isso. Afirmamos o homem como ser espiritual, intelectual e econômico. Separar qualquer desses atributos, é truncar a personalidade humana. É mutilar a sua integridade. Esse, o grande sentido da nossa Revolução, traçado no mais moderno dos documentos políticos: o Manifesto de Outubro. Partindo deste princípio, a Economia Nova deverá existir em função do homem integral. Concepção extraordinária, decorrente de um notável progresso da filosofia. A Economia Integral, embasando a sua estrutura na iniciativa privada, embora impondo a responsabilidade do produtor perante o Estado, e adotando, como processo para a realização dos seus objetivos, o sistema corporativo, se afirma como ciência moral e social. Moral porque trata do homem, e social porque estuda a sua vida em sociedade.

O liberalismo considerava os fatos econômicos do ponto de vista do indivíduo, abstraía do Estado e conceituava mal a sociedade. O socialismo abstraia do indivíduo, tudo vendo sob o ângulo da sociedade, concebendo erradamente o Estado. O Integralismo econômico, na expressão lapidar de Miguel Reale: “estuda os fatos econômicos do indivíduo e da sociedade no Estado: é uma economia em que o Estado está sempre presente, enquanto que na liberal estava ausente, e na socialista era absorvente, confundido com a sociedade, espírito reduzido ao corpo…”

Nestas palavras acha-se contida a definição do que será a Economia Integral.

Afirmando:

a) “que nem sempre o interesse individual corresponde ao interesse social e que portanto, a economia deve considerar, ao mesmo tempo, os dois termos integrantes: o indivíduo e a sociedade;

b) que a ordem econômica, o salário justo e o preço natural não se formam automaticamente, mas mediante a ação do Estado, pois a ordem econômica não passa de um aspecto da ordem política, que é a ordem integral;

c) que o indivíduo só é integralmente livre e realmente garantido quando age através de seus grupos naturais: a Família, o Sindicato, o Município, a Província, a Corporação, a Nação;

d) que, além da finalidade de ordem material, a atividade econômica objetiva fins éticos e espirituais, e que à utilidade do indivíduo, devemos acrescentar a de grupo e a da Nação;

e) que a colaboração das classes dentro da solidariedade nacional é a condição e o objetivo da economia, e que a inteligência não é uma servidora ora do capital, ora do trabalho;

f) que a iniciativa privada deve ser mantida, estabelecendo-se, porém e com a máxima segurança, também a responsabilidade do produtor perante o Estado”. [3]

A Economia Integral, ou Corporativa, passou o atestado de óbito ao liberalismo e desautorizou o socialismo. Adaptando as palavras de Rocco à Economia Integral, poderemos dizer que ela contém a liberal, e a supera; contém a socialista e a supera. Proclamando o Trabalho, sujeito da Economia, a escola corporativa ou integralista dignificou-o, elevando-o da condição mesquinha de simples mercadoria, dependente da lei da procura e da oferta, que lhe impusera a liberal-democracia, assim como o livrou de ser escravizado pelo regime socialista. Diante do arrojo, do realismo e das concepções originais da Economia Corporativa ou Integral e, o que é mais, da sua verdade científica, é um engano julgá-la uma das múltiplas formas da “economia dirigida”… A “economia dirigida”, processo puro e simples de política econômica do Estado, apareceu por efeito da crise da Economia liberal. Tendo surgido como medida remediadora do estado caótico do mundo econômico, ela é bem uma experiência proveitosa, que muito cabedal fornecerá para a estruturação futura da Economia Integral. A “economia dirigida” é a ponte que conduz o mundo da Economia liberal para a Economia Integral. É transitória, portanto. É uma política, não é uma ciência. É evidente, por conseguinte, o erro palmar que contêm aqueles que incluem a Economia Integral Corporativa, entre as mil e uma concepções ou práticas da “economia dirigida”. A Economia, como toda ciência, evolui e se aperfeiçoa. Estando condicionada ao homem e ao mundo, é natural que lhes acompanhe a marcha. Não é estática. É um absurdo concebê-la imutável. Temos verificado que muitas das suas leis ou princípios que entraram em conflito com a realidade contemporânea, se tornaram anacrônicos, e por isso, sofreram restrições ou cederam o lugar a outros mais adiantados. Um dos exemplos mais flagrantes de tal fenômeno, e da moeda, problema que tanto aflige e preocupa os governos de após-guerra, nos é assim demonstrado pelo espírito penetrante de Plínio Salgado: “A velha economia, baseando-se ainda numa concepção estática da moeda, não pode contar o dinamismo da produção que a técnica acelera numa progressão geométrica”.

Outro sério problema econômico da atualidade é o crédito. O crédito é, para a economia, “o que o sangue é para o organismo humano”. No regime do liberalismo econômico, esse sangue, no Brasil, é todo canalizado para o estrangeiro pela falta de um sistema bancário nacional.

A revolução da moeda, como a solução do problema do crédito, serão duas grandes conquistas da Economia Integral. É fácil, portanto, provar a caducidade da Economia liberal e evidenciar o artificialismo da Economia socialista. Concluímos que afinal, como acentuamos no início deste ensaio, discutindo o mérito das diversas doutrinas econômicas, no fundo, o que está em jogo é a própria natureza humana.

J. Vialatoux, em sua Filosofia Econômica, dogmatizou: “Para responder ao verdadeiro conceito de ciência, deve ser antropomorfista a disciplina que se ocupa dos fenômenos econômicos humanos e, portanto, não apenas mecanicista, nem mesmo apenas finalista, a jeito das ciências do ser vivo, mas submetido ao princípio de uma finalidade moral e espiritual. De outra forma, coloca no seu ponto de partida a negação do humano”. Porém, não queremos terminar, sem termos o prazer de copiar esta admirável e moderna concepção do homem, de Limongi, professor de Economia, de São Paulo, que tão bem se identifica com o nosso pensamento:

“Só quem professa o dualismo enxerga no homem um ser capaz de aperfeiçoar inteligentemente as instituições econômicas, isto é, reguladoras das relações entre o homem e o mundo exterior em vista da sua manutenção e subsistência, porque, nem o considera exclusivamente sujeito às leis físicas ou biológicas, nem um mago que, projetando o próprio eu sobre o mundo exterior, o transforma a seu bel prazer, mas uma criatura a quem Deus concedeu o livre arbítrio, a livre inteligência que aprende e a livre vontade que utiliza as leis naturais”. [4]

Se transplantarmos o sentido destas palavras para a esfera da sociedade, definiremos a Economia Integral:

Só quem professa o Integralismo concebe o Estado como órgão interventor da Economia, supervisionando-a e orientando-a, inteligentemente, por intermédio do sistema corporativo, na garantia do princípio cristão da propriedade, da iniciativa privada e da soberania nacional, porque nem considera a Economia como exclusivamente sujeita às leis naturais, nem vê no Estado o mago que tudo transforma a seu talento. A Economia Integral afirma, portanto, num supremo equilíbrio, as leis naturais e a orientação esclarecida do Estado.

Essa, a nossa concepção integral da Economia.

José Garrido Torres
Revista “Panorama”, nº 11.

Notas do Site

[1] Em Alceu Amoroso Lima, Esboço de uma Introdução à Economia Moderna (1930).

[2] Citação de Psicologia da Revolução (1933).

[3] Extraído de Miguel Reale, O Capitalismo Internacional (1935).

[4] A citação de J. Papaterra Limongi é do seu Manual de Economia Política (1934).