O método integral, aplicado à interpretação dos processos históricos, geradores dos acontecimentos na vida interna e nas relações externas dos povos, oferece-nos uma visão ampla e completa dos fenômenos sociais e políticos através do curso dos tempos. Esse método, decorrente da própria concepção integral do Homem, isolado ou agrupado, liberta-nos da unilateralidade das considerações parciais dos fatos que se conjugaram na composição das atitudes e atividades dos Estados e das Nações.

A criteriologia marxista, que corresponde a uma forma de mentalidade do século XIX, subordina toda a trama dos entrechoques históricos aos fatores exclusivamente econômicos. Já os critérios liberais se orientam pela predominância dos fatores psicológicos da permanente insatisfação humana em busca de renovados ideais, numa espiral de intermináveis aspirações do Espírito.

O historiador marxista firma-se nas infraestruturas sociais; o historiador liberal alça-se às superestruturas. Um e outro isolam-se nos seus respectivos critérios.

Plínio Salgado

A doutrina integralista encontra em cada um desses critérios uma parte da verdade, mas não a verdade inteira. Não podemos, por exemplo, estudar, como fazem os marxistas, a epopeia das Navegações Portuguesas como simples resultado dos interesses comerciais da Companhia das Índias, nem apenas como objetivo de evangelizar o mundo. As empresas marítimas dos lusíadas obedecem a diversos imperativos: o prosseguimento do espírito das Cruzadas, ou da propagação da Fé Cristã, como fator inicial predominante; a curiosidade científica criando a técnica da navegação; a política da expansão imperial dos Reis Peninsulares; e, como instrumento de fixação de interesses imediatos, o lucro comercial.

Essa é uma visão de conjunto, uma concepção global dos fenômenos históricos. Aplicado este critério ao estudo da República Romana, do Sacro Império, da formação das Nações Modernas, da Revolução Francesa, das guerras napoleônicas, das guerras e das revoluções mais recentes, teremos uma interpretação, tanto quanto possível, exata da História.

Subordinar, portanto, a política dos Povos, exclusivamente ao fator econômico, é incorrer no mesmo erro que seria subordinar os atos do homem singular unicamente às exigências de seus interesses materiais. Neste segundo caso, faríamos tábua rasa de todos os componentes da personalidade humana: a razão, o sentimento, as aspirações ao Bem e à Beleza, as emoções sistematizadas na constância das paixões, e tudo o mais que se chama virtude, honra, pundonor, numa palavra: grandeza do homem. No caso das Nacionalidades, estas seriam aviltadas sob condições de um materialismo regido pelas consequências deterministas que excluem toda a possibilidade do livre-arbítrio e da autodestinação histórica.

Os grandes acontecimentos da História, os roteiros traçados pelos gênios políticos, nos momentos decisivos das Nações, não obedeceram, portanto, aos exclusivos interesses econômicos, conquanto algumas vezes fossem estes tomados como meios para atingir superiores objetivos.

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Filosoficamente, o Capitalismo — utilitarista e pragmatista — procede da mesma fonte que origina o Comunismo, isto é, o materialismo. Os interesses, portanto, das chamadas Classes Conservadoras encontram um campo comum nos interesses do Comunismo: o lucro. Praticamente, se os argumentos do Comunismo demonstram que tudo o que convier ao fortalecimento do Estado Socialista se enquadra na linha moral de sua política também o Capitalismo proclama que “tudo o que é útil é moral”, conforme ensinaram os seus filósofos Bentham, James e Stuart Mill. Nestas condições, nada impede que no terreno das transações comerciais, Capitalismo e Comunismo se emendam.

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Há apenas uma diferença: o Comunismo age coerentemente, propugnando por um tipo de moral adequado aos seus eternos fins, ao passo que o Capitalismo age hipocritamente, pretendendo manter certos padrões de moralidade que não condizem com o seu critério materialista na condução de seus negócios.

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A Burguesia Capitalista o que quer é ganhar dinheiro. O Comunismo sabe disso e explora esse vil interesse.

Desde a implantação do Estado Comunista na Rússia, Lênin e o seu sucessor exploraram habilmente o Capitalismo Ocidental, servindo-se de grupos financeiros da Alemanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos para a execução dos planos de reconstrução econômica e de industrialização do Império Vermelho. Vem daí a origem do Poder Soviético. Vimos, por exemplo, a Inglaterra ser a primeira a reconhecer o Governo Comunista da China, por mero interesse comercial.

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A desgraça do mundo contemporâneo está em que nós, os Ocidentais, que alardeamos a nossa civilização cristã, deixamos de nos conduzir, para sermos conduzidos pelos nossos próprios inimigos. Abdicamos do nosso livre arbítrio submetendo-nos ao determinismo cego que rege os fenômenos econômicos quando entregues à sua própria evolução, sem a nossa interferência.

O momento que vivemos, portanto, classificamos como sendo um dos mais degradantes da História. Enquadra-se na categorização das fases melancólicas em que o Homem abre mão de suas prerrogativas de condutor, renunciando à sua grandeza e submetendo-se ao domínio e condução das situações de fato, das quais é preciso tirar melhor proveito.

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Uma Nação que se diz cristã, como o Brasil, deve ter sempre na memória a primeira pregação de Cristo, ao iniciar a sua vida pública. O fato de ter sido “a primeira” manifestação da doutrina dá-nos a conhecer o sentido fundamental da Religião de que nós, os Povos Ocidentais, nos orgulhamos. Foi quando Jesus, tendo passado quarenta dias no deserto, sem se alimentar, encontrava-se em estado de extrema debilidade física.

Satanás aproveitou-se dessa fraqueza, para tentar o Divino Mestre, dizendo-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. E Jesus, pela primeira vez falando à Humanidade, responde: “Nem só de pão viverá o homem, porém de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

Como a Rússia Soviética aos Povos em desespero, Satanás mostra, então, a Jesus, as riquezas do mundo e diz: “Tudo isto te darei, se prostrado me adorares”. E o Divino Mestre, completando a lição da primeira frase, responde: “Retira-te, Satã, porque está escrito: adorarás ao Senhor teu Deus e só a Ele servirás”.

Para tornar mais claro o pensamento básico de sua doutrina, Jesus repete, no Sermão da Montanha, explicitamente: “Não é a vida mais do que o mantimento e o corpo mais do que o vestido? Estas são as únicas preocupações dos pagãos. Vosso Pai Celestial bem sabe que precisais de todas essas coisas; mas buscai, primeiro, o Reino de Deus e a sua Justiça e tudo o mais vos será acrescentado”.

Ora, o Reino de Deus e a sua Justiça é exatamente o contrário do Reino de Khrushchev e da sua injustiça. E, como no mesmo Sermão da Montanha, o Mestre Divino nos ensinou que não podemos servir ao mesmo tempo a dois senhores (a Deus e a Mamon, isto é, ao dinheiro), não se compreende que uma Nação que se diz cristã queira e possa comerciar com um Governo que nega, em tudo e por tudo, os nossos princípios morais e os nossos sentimentos de humanidade inspirados e nutridos pelo Evangelho.

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Seja lá como for, não posso fugir dos imperativos do meu dever apostolar.

Cumpro o dever de manter a serenidade na hora em que todos se irritam e se desconcertam. Dever de batalhar em prol do Nacionalismo Integral e por isso mesmo Cristão, despertando os brasileiros cuja alma ainda não está azinhavrada pela preocupação exclusiva dos negócios a fim de lhes profetizar dizendo que, se continuarmos por esses caminhos, não tardará o dia em que não serão suficientes as lágrimas de sangue dos culpados, dos omissos e dos inocentes para chocar a maior de todas as desgraças, que é a perda da liberdade e a conspurcação da dignidade humana.

Por isso clamo, contra tudo e contra todos, e clamaria mesmo sozinho, na plenitude do imenso deserto moral. Por isso desfraldo e sustento contra todos, e clamaria até mesmo contra todos os meus patrícios, pelo amor que lhes tenho e pela paixão com que sirvo nossa Pátria, a minha Bandeira de luta.

Plínio Salgado
“A Marcha”, 11 de novembro de 1960.