A Carta de Princípios foi o documento fundamental que guiou os integralistas na sua atuação através do Partido de Representação Popular, fundado em 1946. Escrita por Goffredo Telles Junior com a colaboração de Plínio Salgado, a Carta retoma muitas passagens e teses dos manifestos integralistas e dos livros dos dois autores, aperfeiçoanda-as e expandindo-as. É um resumo sistemático dos principais pontos da Doutrina Integralista.
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Aos homens das cidades, das vilas e dos povoados; aos habitantes do litoral e do sertão; aos trabalhadores de todas as profissões; aos homens de cultura; à mocidade das escolas; aos idealistas de todos os momentos; aos puros, que se desiludiram em 1922 e em 1924, em 1930 e em 1932, em 1933 e em 1937; aos homens sinceros de todos os partidos; às gloriosas classes armadas.
Este é o manifesto dos brasileiros que se uniram, numa Sagrada Aliança, para a defesa de Cristo e da Pátria.
É a mensagem dos que creem no poder orientador do espírito. A verdadeira política deve ser feita em função de ideias. Esta Carta de Princípios é, pois, dentro do panorama da política nacional, uma sincera mensagem de fé.
Foi composta para desencadear as forças profundas da Nação; para despertar o Brasil autêntico; e, reavivando as virtudes, os sentimentos e os anseios tradicionais da gente brasileira, fazer de nossa Terra a Grande Pátria que desejamos.

Plínio Salgado em Convenção do PRP. Goffredo Telles é o primeiro da esquerda para a direita
INTRODUÇÃO
Nenhuma ordem política será legítima se for imposta contra a natureza das coisas.
A ordem social deve ser o resultado, a consequência, a conclusão do reconhecimento, por parte do Estado, de tudo aquilo que é natural e espontâneo dentro da sociedade humana. [A verdadeira política é inimiga da imaginação e da quimera. A Ordem Social, o Direito, devem ser o reflexo simples da própria realidade. O Direito nasce da terra, do povo, da nação.] A doutrina do Estado e sua autoridade não podem vir, como um rolo compressor, impondo uma ordem imaginária.
Só a própria vida encontra os caminhos da verdadeira vida.
O Estado existe para servir ao homem, e não para violentá-lo.
Ora, de dois modos pode o homem ser considerado: primeiro, em sua essência imutável; segundo, dentro da variedade de suas condições de vida.
Essencialmente, o homem é sempre o mesmo, em todos os tempos e em todos os lugares; ele é o animal racional, dotado de espírito, inteligência e matéria.
Mas, considerado não em sua essência, e, sim, dentro da variedade de suas condições de vida, o homem muda sem cessar. Em verdade, diferentes, multiformes e instáveis são os ambientes e os meios humanos de existência.
Por um lado, portanto, a natureza demonstra a absoluta unidade da essência humana; por outro, estabelece a mais completa diversidade nas condições da vida humana.
Tal é a razão por que a doutrina política do Partido de Representação Popular se divide em duas partes. A primeira constitui uma afirmação de princípios; a segunda, um programa de ação. A primeira é o reconhecimento do que existe de perene no homem. A segunda é a indicação de um rumo de governo, de acordo com as circunstâncias atuais da vida brasileira. A primeira é imutável e permanente, como a própria essência humana. A segunda, embora iluminada pela primeira, é contingente e variável, conforme às necessidades da vida nacional.
A essência humana é una. Eis porque devem ser estáveis e permanentes os princípios informadores de uma superior política.
Mas a vida dos homens é movimento e variação. Eis porque deve ser dinâmico o programa da ação política.
A presente Carta constitui a declaração daqueles princípios fundamentais e permanentes, que informarão toda a ação política do Partido de Representação Popular.
A INTANGIBILIDADE DA PESSOA HUMANA
Tudo há de ter um destino. Todos os seres tendem, respectivamente, para seus objetivos.
O homem, também, tem um fim, para o qual se ordenam toda a sua ação e toda a sua vida. Ele age pelo intelecto, que opera manifestamente em vista desse fim. A vida humana, feita de perene insatisfação, não teria nenhum sentido, se fosse a marcha para o Nada. É por tal razão que, em última análise, fixar o verdadeiro fim do homem é resolver todos os seus problemas.
De um modo geral, o fim do homem, na vida terrena, é o objetivo para que tendem os imperativos e as aspirações de sua natureza, ou seja, a expansão de sua personalidade.
Para melhor se realizar, expandir e afirmar, de acordo com tais imperativos, o homem vive em sociedade, institui o governo, organiza o Estado.
O homem é, portanto, anterior ao Estado, sendo que a sociedade, o governo e o Estado existem para servir ao homem, isto é, para ajudar o homem na sua dura caminhada em direção a seu destino.
Em consequência, não pode o Estado violar a natureza humana, para cujo serviço foi criado.
Sendo o Estado titular de obrigações em relação ao homem, este, evidentemente, é titular de direitos em relação ao Estado. O homem na tríplice esfera de suas legítimas aspirações materiais, intelectuais e morais, tem, pois, direitos naturais, que lhe são congênitos, decorrentes, não do Estado, mas de sua própria essência, e que limitam o poder do Estado. Tais direitos, como, por exemplo, os que concernem à vida, liberdade, família, ao trabalho, à propriedade privada, são condições inerentes à natureza humana, atributos inatos e impostergáveis, que não podem, sem violência, ser negados pela legislação positiva.
Todo atentado contra os direitos naturais da pessoa humana, deve ser considerado crime. Todo cerceamento injusto da liberdade individual é prepotência. E toda tirania é intolerável.
Proclamamos, portanto, acima de quaisquer circunstâncias de tempo e de espaço, o princípio fundamental de que o homem é um ser dotado de uma personalidade intangível.
PESSOA HUMANA E INDIVÍDUO HUMANO
Vivendo em sociedade e organizando o Estado, os homens criam uma ambiência propícia à expansão de sua personalidade. Tal ambiência é o que se chama o bem comum, o patrimônio de todos.
O papel do Estado é o de zelador e distribuidor do bem comum.
Mas, é evidente que o bem comum só existirá, se os homens, como partes da sociedade, concorrerem para a realização dele. E, assim, entre os homens e a sociedade, entre as partes e o todo, entre os órgãos e o organismo, surgem relações constantes.
Cada órgão tem seu lugar no conjunto, sua função social, seu dever de servir ao corpo a que pertence. Essa função, este dever podemos dizer, este sacrifício individual visando proteger e aumentar o bem comum, é a condição necessária para que as partes vejam protegido e aumentado seu próprio bem particular. É óbvio que cada homem tem o direito de se servir do bem comum, na condição expressa de servir a ele, e, ao fazê-lo, de prestar, assim, a todos os membros da sociedade, aquilo que lhes é devido.
O homem deve servir ao Estado, para que o Estado possa melhor servir ao homem.
Em consequência, o homem considerado como indivíduo, como parte de um todo, se subordina, na esfera de suas atividades, aos interesses superiores da coletividade; mas considerado como pessoa, como ente moral e espiritual, o homem é um valor soberano, a que o Estado se submete.
O desconhecimento dessa verdade fundamental acarretou dois grandes erros políticos: o individualismo e o totalitarismo.
No individualismo, o indivíduo humano, endeusado, esquece de servir à sociedade, da qual é parte. No totalitarismo, o Estado, endeusado, esquece de que deve se submeter aos fins superiores da pessoa humana.
[O individualismo é o esquecimento de que o homem deve submeter-se à sociedade, como a parte se submete ao todo. O totalitarismo, da direita e da esquerda, é o esquecimento de que a sociedade e o Estado devem submeter-se ao homem, como os meios se submetem aos fins.]
No primeiro caso, o bem comum deixa de existir; a sociedade e o Estado perdem sua razão de ser; e os fortes escravizam os fracos. No segundo caso, o meio é transformado em fim; a dignidade humana é violada; e o Estado escraviza a todos. Em ambos os casos, a liberdade se extingue.
Contra o individualismo, proclamamos a subordinação necessária do indivíduo humano ao Estado. Contra o totalitarismo, proclamamos a subordinação do Estado à pessoa humana.
A LIBERDADE
Sujeitando-se voluntariamente ao Estado a fim de que o Estado possa melhor servi-lo, o que o homem deseja, em última análise, é seu próprio bem, ou seja a expansão de sua personalidade, de acordo com os imperativos de sua natureza.
Será livre, portanto, o homem que puder viver em consonância com esses imperativos, pois ninguém há de querer, livremente, seu próprio mal.
Fazemos livremente aquilo que fazemos por nós mesmos, isto é, por nossa vontade. Agimos como escravos, quando operamos contra nossa vontade. Ora, a vontade humana quer, naturalmente, o bem do homem.
Quando um homem escolhe seu mal, age em consequência de um constrangimento absoluto, que lhe tenha sido imposto; ou em consequência de um constrangimento que se misturou com o voluntário, como quando um homem quer fazer ou quer sofrer o que contraria menos sua vontade, para escapar ao que lha contraria ainda mais; ou em consequência de um erro, de um vício ou de uma paixão. Em qualquer caso, quando o homem escolhe seu mal, ele deixa de ser livre, e torna-se escravo de um constrangimento, erro, vício ou paixão.
A adesão a um falso problema não é mais do que a corrupção e o abuso da liberdade. Muitas vezes o que se chama liberdade deveria se chamar escravidão.
A liberdade define-se: faculdade de aderir ao bem. E, portanto, só será verdadeiramente livre, o homem virtuoso.
Depende do próprio homem ser livre ou ser escravo. Será livre aquele que quiser ser livre. Será escravo aquele que permitir que sua vontade seja aniquilada por fatores estranhos. Pois “a vontade, se tende necessariamente para o bem universal, é livre em seguir ou recusar os bens particulares”. É tal o fundamento da responsabilidade humana pelos atos praticados.
O homem livre, conforme ficou demonstrado, é aquele que age por sua vontade, ou seja, o homem dono de si mesmo. E, é dono de si mesmo, o homem que, aderindo a seu verdadeiro bem, não se desvia de seus fins naturais, não viola as leis que sua natureza lhe traçou.
Liberdade é o direito de agir conforme a lei, desde que a lei seja a expressão da natureza das coisas.
Somos verdadeiramente livres, quando nos submetemos à lei para que fomos criados.
Sucede, entretanto, que os homens, devido à sua imperfeição, podem, às vezes, iludir-se quanto à lei para que foram criados. E essa ilusão é capaz de desviar o espírito da verdade e os corações da virtude. O uso da liberdade é suscetível de degenerar em licença. É necessário, pois, proteger a liberdade humana contra os erros e os desregramentos dos próprios homens. Daí, a necessidade das leis do Estado.
Mas, em consequência, cumpre acrescentar que as leis do Estado só terão razão de ser, se forem uma derivação da lei natural, e em conformidade com o destino espiritual do homem.
Inspirada pela natureza das coisas, a lei do Estado tem uma autoridade incontrastável. Pois, ela é a ordem, de que tudo depende; ela é a condição da estrutura social; ela é, para todos, a proteção da própria vida. Estabelecendo atribuições, competências, direitos, nela se origina e se demarca a liberdade dos homens.
A liberdade sem freio, sendo a sujeição do fraco, é, verdadeiramente, o contrário da liberdade. A liberdade real está no equilíbrio das forças, obtidos pela inteligência, sob a forma de uma legislação prudente.
Onde há fortes e fracos, a liberdade absoluta escraviza; a lei é que liberta.
A PROPRIEDADE PRIVADA
Dissemos e repetimos: somos livres quando agimos por nossa vontade.
Agir por nossa vontade não equivale, como é óbvio, a fazer, efetivamente, tudo de que tenhamos desejo. Pois, pode suceder que circunstâncias externas impedem que façamos aquilo que livremente desejamos.
A liberdade, portanto, antes de ser uma manifestação externa, é um bem subjetivo do homem. Antes de ser um movimento objetivo de escolha, é uma capacidade de escolher. Os filósofos diriam: antes de ser ato, é potência.
A liberdade inicial, fonte de toda liberdade, sem a qual nenhuma liberdade é possível, a liberdade denominada livre arbítrio, é a que se manifesta dentro do homem.
A liberdade essencial é um patrimônio que existe no íntimo da pessoa humana.
Ora, não terá esse patrimônio subjetivo, um sinal objetivo, que seja a expressão externa e material da liberdade humana?
A resposta há de ser afirmativa. É da natureza do homem manifestar com sinais visíveis, seus estados de alma. O homem se sente mais seguro de si mesmo, quando vê, no mundo objetivo, a manifestação dos fenômenos que se desenrolam em seu mundo subjetivo. E, assim, como o escultor, a modelar idealmente o mármore, sente-se mais livre, mais capaz de produção, quando possui, realmente, o bloco de mármore — assim também o homem é mais livre em seu íntimo, quando possui, no mundo exterior, alguma coisa a que possa dar o cunho de sua personalidade.
O homem livre, isto é, o homem dono de si mesmo, não se contenta em ser o proprietário de um patrimônio subjetivo e anseia em ser proprietário de alguma coisa no mundo externo, sobre a qual possa, com segurança, manifestar sua liberdade.
Eis porque proclamamos que o princípio da propriedade privada decorre da natureza humana.
A propriedade privada é, em verdade, a garantia econômica da liberdade. Ela é uma das condições da existência da liberdade subjetiva e, portanto, da livre expansão da personalidade.
Suprimir a propriedade privada é suprimir a liberdade. Suprimir a liberdade é destruir o homem.
Se as propriedades estiverem nas mãos de poucos, a maioria será escrava. Se estiverem nas mãos do Estado, a nação será escrava.
Em consequência, pregamos a necessidade de promover, para garantir a liberdade, a mais ampla distribuição possível da propriedade privada.
Há, entretanto, uma distinção essencial a ser assinalada, em relação à propriedade privada. Não se confunda, em verdade, o “direito” à propriedade privada com o “uso” que dela devemos fazer.
O “direito” à propriedade privada, por ser decorrente da natureza das coisas, é absoluto, e não pode, sem violência, ser negado pela legislação positiva. O “uso” dela, porém, é relativo por ser limitado pelo bem comum.
O proprietário pode, evidentemente, “usar” de sua propriedade; mas não pode “abusar” dela, contra os interesses da coletividade. O direito de um homem, por exemplo, sobre seu automóvel, é absoluto, no sentido de que ninguém tem a faculdade de utilizar-se do mesmo, sem autorização do proprietário; nem por isso, entretanto, poderá o proprietário dirigir seu carro por cima das calçadas.
O desconhecimento dessa distinção acarretou dois grandes erros políticos: o “capitalismo extremado” e o “comunismo”.
O Capitalismo quando, sob a forma absorvente e opressiva que infringe as leis divinas, insiste no “direito” à propriedade privada e ignora as limitações que o bem comum impõe ao uso dela.
O Comunismo insiste nas limitações impostas no “uso” da propriedade, e, atribuindo ao Estado a faculdade de ser o único proprietário, nega o “direito” do homem a essa propriedade.
Nós, proclamamos, contra o capitalismo extremado, a função social da propriedade; contra o comunismo, o direito do homem de ser pessoalmente proprietário.
O TRABALHO
Promoveremos a mais ampla distribuição possível da propriedade privada, por meio da dignificação do trabalho.
O trabalho, em contrário do que sustentam os seus exploradores no regime capitalista, não é mera mercadoria, cujo preço se sujeita à lei da oferta e da procura. Não é, também, propriedade do Estado, como quer o comunismo.
O trabalho é uma atividade humana, tendente aos fins impostos pela natureza do homem e objetivando direitos e deveres morais, assim como as manifestações do espírito no sentido do Bem e da Beleza; e como tal deve ser considerado e respeitado.
Pelo trabalho cria o homem as condições para a expansão de sua própria natureza. Pelo trabalho o homem domina a matéria e as forças cósmicas, pondo o mundo físico a serviço da civilização e da cultura, estendendo-lhes os benefícios de sua atividade, estreitando os vínculos da fraternidade universal.
Os trabalhadores de todas as categorias são os empreiteiros do progresso humano e da grandeza nacional.
A elevação do trabalho, na sociedade contemporânea, é, sem dúvida, a grande campanha da época atual.
Em consequência, a remuneração do trabalho deve corresponder às exigências da pessoa humana. Não é possível desconhecer o estreito parentesco existente entre a injustiça social e o enorme cortejo de males que afligem a humanidade. Os salários injustos, inspirados na cobiça de lucros excessivos, e a insegurança de vida do trabalhador, decorrente de princípios econômico falsos e iníquos, significam, para a grande massa dos desprotegidos, regime de desnutrição, habitação deficiente e insalubre, escassez de vestuário, redundando em doença, promiscuidade imoral, delinquência infantil e criminalidade.
Proclamamos, portanto, como preliminar axiomática, o direito que tem o trabalhador de perceber um salário justo, isto é, um salário nunca inferior à importância necessária para que ele e sua família mantenham uma vida digna.
O trabalho não existe para escravizar o homem, mas, serve para libertá-lo. Eis porque a remuneração do trabalho deve ser suficiente para garantir o acesso à propriedade privada e aos outros bens da vida.
Deve o trabalhador ter os meios necessários para alcançar, por seu esforço, por sua constância, por suas qualidades, situações sociais cada vez melhores, tanto em sua classe como fora dela, possibilitando sua participação na administração pública e no governo da Nação.
Por serem contrários à natureza humana, jamais ensinaremos ao operário os métodos da covardia, da vingança e do ódio, empregados pelo comunismo; nem lhe ensinaremos, tão pouco, as teorias da submissão servil, da conformação apática e da renúncia criadas pelo capitalismo materialista.
Pregaremos sempre, a todos os trabalhadores, a doutrina da esperança, da coragem e do entusiasmo; a doutrina da colaboração com o próximo, do amor à sociedade, à Pátria e à vida. Incentivaremos, sem cessar, em seu espírito, a ambição de progredir, o desejo de possuir bens, a ânsia de subir na escala social. Queremos o trabalhador garantido em suas necessidades, participando dos lucros das empresas e beneficiando-se do progresso geral. Queremos o trabalhador instruído e culto, de olhar iluminado, confiante em seu valor de homem livre. Queremo-lo capaz de influir diretamente nas decisões do governo, como um ente superior, consciente de sua parte de responsabilidade no êxito de esforço comum.
Só assim o trabalho será um meio de libertação.
A FAMÍLIA
Até este ponto da presente exposição, viemos nos referindo ao homem, a seus direitos e deveres naturais, assim como às relações entre o homem e o Estado.
Cumpre-nos, agora, fazer menção de outras entidades. Pois além do homem, existem, na sociedade, entidades complexas, também anteriores ao Estado, produtos de imperativos naturais e que não podem ser violados, sem que o próprio homem seja violentado. Tais são os grupos naturais da sociedade, como sejam o grupo biológico ou família e o grupo econômico ou profissional.
A família é o grupo humano natural, destinado a conservar o indivíduo e a espécie. Eis porque proclamamos, independente de quaisquer circunstâncias de tempo e de espaço, que a família é a primeira e a mais importante das instituições sociais.
Ela precede o Estado e a própria sociedade civil, pois esta é uma união de famílias.
O Estado deve se curvar ante a realidade familiar, mais antiga do que ele, e para cuja formação não concorreu.
Criadora de homens, formadora de inteligências e de coração, centro irradiador de energias e sentimentos que caracterizam as raças, fonte das virtudes que consolidam o Estado, alicerce da organização social, a família legítima e indissolúvel requer a atenção especial dos governos.
A família unida, sadia, fecunda e estável, é a maior garantia de uma sociedade feliz.
Ao Estado incumbe, pois, nas instituições jurídicas e nas providências econômicas oficiais, a nobre função de tutelar a família, que lhe é anterior e lhe condiciona a existência, sancionando sua constituição fundamental e a ela proporcionando oportunidade de subsistência digna.
A família, pátria do coração, é por nós considerada o fundamento de todo o edifício social, porque nela encontramos um resumo da sociedade inteira, o princípio da ordem, a noção da autoridade, o conceito da justiça, a expressão da bondade, a virtude das abnegações, a grandeza das renúncias, a dor e a felicidade do homem, o sentimento da Pátria, a fonte ética perene, onde o Estado reúne a sua força e o seu esplendor.
O GRUPO PROFISSIONAL
Mas a família não é o grupo natural único.
Dada a diversidade das condições de vida e de aptidões naturais, cada homem começou a exercer as atividades que mais condiziam com sua índole particular, ou que mais se adaptavam às circunstâncias de seu meio ambiente. E, assim, dividiu-se a sociedade, naturalmente, em grupos de trabalho.
Realmente, a semelhança de interesses, de ocupações, de cultura, de hábitos de vida, de modos de participar dos bens econômicos, cria, entre os membros de uma mesma classe, a tendência a se agruparem de maneira mais íntima para o fim de promoverem seu bem comum particular.
Assim como as relações de vizinhança dão origem aos municípios, os indivíduos que exercem a mesma profissão ou arte são, pelas solicitações de seu próprio interesse, impelidos a formar grupos de trabalho.
O grupo de trabalho, a classe profissional é, pois, uma realidade resultante das condições da vida, surgida à revelia dos governos.
Proclamamos, portanto, que o grupo profissional deve ser considerado, como a família, um grupo natural. É um núcleo entrosado na organização espontânea da sociedade. É uma parte do todo, uma célula do corpo social, subordinada aos imperativos do bem comum, tendo por isso o direito, como componente do conjunto, de usufruir esse mesmo bem comum, do qual deve ser também um dos promotores.
O MUNICÍPIO
Na sociedade dos homens, ninguém se basta a si mesmo. As famílias, também, não são autárquicas. Umas necessitam das outras, como as partes de um todo, que se completam mutuamente.
Das relações de vizinhança, surgem os municípios, que são as células da nação.
A nação e o município constituem os dois pólos em torno dos quais gira a quase totalidade dos interesses dos cidadãos e da Pátria. Em verdade, a vida de cada homem acha-se estreitamente ligada às condições do município em que ele vive, assim como a grandeza da nação se afirma em razão direta da vitalidade dos municípios, de que ela se compõe.
Fortalecer os municípios é, pois, ao mesmo tempo, aumentar o bem comum e particular dos cidadãos, e promover a expansão do organismo nacional. Deixá-los à míngua de recursos, depauperados e exangues, é realizar o esforço oposto, ou seja, enfraquecer o indivíduo e abater a nação.
Somos, portanto, municipalistas, para a melhor defesa e maior dignidade dos cidadãos, condição precípua da própria grandeza da Pátria.
O ESTADO
De tudo quanto ficou dito decorrem nossos conceitos de sociedade, nação e Estado.
A sociedade é a união moral e necessária de seres humanos, vivendo harmoniosamente, em demanda de seus fins superiores.
Quando a sociedade é um agrupamento de famílias, vivendo em determinado território, recebendo a impressão das mesmas tradições e orientando para o mesmo destino coletivo, ela constitui uma nação.
Sucede que os homens, componentes da sociedade e da nação, não podem ser igualmente compenetrados de suas obrigações sociais. Por ignorância ou maldade, muitos há que não cumprem a lei, comprometendo o bem comum. Não se concebe, pois, uma sociedade humana, sem um órgão que modere as vontades de cada um, de sorte a converter a pluralidade numa como que unidade e condicionar os impulsos individuais, segundo o direito e a ordem, às exigências do bem comum.
O Estado é a entidade jurídica criada pela Nação, isto é, pelo consenso dos homens livres, a fim de que exerça o governo nacional, promovendo o bem comum e garantindo justos direitos.
Mas governar não é apenas policiar. Governar é orientar para o bem.
Compete ao Estado ditar e garantir a ordem — a verdadeira, a única ordem, isto é, aquela que condiciona e favorece a legítima expansão da personalidade humana. O Estado não cumpre sua missão quando toma a defesa de uma organização social que, não tendendo a acrescentar nenhum valor ao patrimônio humano dos cidadãos, nada mais representa do que um desvirtuamento da ordem, nada mais acarreta do que a escravidão.
Proclamamos, portanto, que o Estado verdadeiro é o Estado ético, anti-individualista e antitotalitário. Sem ser princípio nem fim, ele é o Estado que se subordina à hierarquia natural das coisas.
Cingindo-se à sua missão de meio, ordena-se por um ideal de finalidade. Criado para servir ao homem, orienta-se para os alvos que estejam em conformidade com o destino supremo do mesmo.
Instituição essencialmente jurídico-política, o Estado, detentor do princípio de soberania, não é propriedade de nenhum partido e de nenhuma classe. Ele resulta da natureza gregária dos homens, e abrange a nação inteira.
Um tal Estado é anti-individualista, porque faz prevalecer o social sobre o nacional, e o nacional sobre o individual. Reconhecendo a iniquidade da lei do mais forte, proclama o princípio da liberdade justa. Em consequência, cinge-se ao preceito universal de que a atividade dos indivíduos está subordinada aos interesses superiores da coletividade.
Um tal Estado é antitotalitário, porque faz prevalecer o moral sobre o social, e o espiritual sobre o moral. Reconhecendo a iniquidade da tirania, proclama o princípio da intangibilidade da pessoa humana. Em consequência, submete-se aos transcendentes interesses do homem.
O Estado ético é o Estado democrático por excelência. Pois é o homem que o cria, modela e mantém, de acordo com as necessidades supremas da vida humana, sabendo que, sem ele, reinaria a barbaria e adviria o extermínio.
O homem e o Estado são sócios na grande empresa comum. Unidos, atravessam o infortúnio e a glória. Entre eles, existem relações constantes, ininterruptas, porque eles se sustêm mutuamente.
Democracia é o governo efetivo do povo pelo povo. Mas povo não é a massa bestializada e amorfa dos Estados totalitários, nem a massa subserviente e resignada dos Estados capitalistas.
Povo não é massa.
A massa é, por si, inerte e inconsciente; só se move sob a influência de fatores que lhe são estranhos. O povo, porém, vive e move-se por vida própria; é um conjunto de homens esclarecidos, conscientes de sua personalidade, de suas convicções e de seus direitos.
A massa é um joguete nas mãos dos ditadores, ou um dócil instrumento a serviço dos politiqueiros que dispõem de maiores recursos financeiros de propaganda, ou se utilizam de promessas mentirosas, ou exercem pressão pelo terror. O povo, pelo contrário, é a força orientadora das nações livres, porque é constituído por personalidades intangíveis, ordenadas segundo as atividades inerentes a cada qual.
Não desejamos, no Brasil, a massa inexpressiva de cidadãos que abdicam de sua vontade pessoal para se subordinarem ao totalitarismo despótico de uma ilusória entidade coletiva. Queremos, em nossa Pátria, um povo, — um povo vigilante, ativo e constituído de cidadãos que, por sua elevação moral e seu alto grau de educação política, sejam a garantia de uma verdadeira ordem democrática.
O BRASIL
Tudo quanto proclamamos, até o presente momento, tem validade universal. São verdades que ressaltam da imutável essência humana, princípios que se mantêm inalteráveis, quaisquer que sejam as circunstâncias de espaço e tempo.
Mas há para cada povo uma realidade de transcendente importância, que não é universal e, sim, nacional. Tal é a realidade da Pátria.
Cada povo tem sua Pátria, que não se confunde com as outras Pátrias, porque cada nação é um conjunto diferente de realidades. Assim como cada homem tem sua própria personalidade, apesar da identidade da natureza humana, assim também cada nação tem sua própria fisionomia, apesar de que todas se definem, essencialmente, do mesmo modo.
No campo do espírito, há grandes e pequenas nações assim como há grandes e pequenos homens. Os grandes homens, no campo do espírito, são aqueles que, por seu valor pessoal, trazem uma colaboração destacada ao progresso da humanidade. Pequenos, os que apenas se deixam arrastar pela vida. As grandes nações, no campo do espírito, são aquelas cuja elevação moral e cultural se impõe ao respeito e à admiração das demais. Pequenas e inexpressivas, as que se deixam diluir no caldo das civilizações alheias.
Como brasileiros, queremos que o Brasil seja uma grande nação, rica de seus valores espirituais próprios, capaz de pronunciar, no concerto das nações, a sua palavra, inédita, pessoal e fecunda.
Somos, pois, nacionalistas. Mas nosso nacionalismo não é, apenas, o culto à Bandeira e ao Hino Nacional. Nosso nacionalismo é uma convicção que resulta da consciência de nossas realidades, do conhecimento de nossa história, da observação de nossas tendências e aspirações, do respeito à índole e ao caráter do nosso povo.
A subserviência a ideologias ou partidos estrangeiros, é perigo de morte para nossa Pátria. Não é só pelas armas que uma nação pode ser conquistada. A influência de povos estrangeiros, despersonalizando o Brasil, equivaleria a uma renúncia e redundaria em nosso aniquilamento.
Somos contra o cosmopolitismo, porque não queremos ser estandardizados.
Levantamo-nos em um grande movimento nacionalista, para afirmar o valor do Brasil e de tudo que é útil e belo, nos hábitos e nos costumes brasileiros.
Unam-se os Brasileiros. Tapuias amazônicos, sertanejos do Norte e do Centro, jangadeiros, caiçaras e piraquaras; vaqueiros, boiadeiros e tropeiros; calus, capixabas, calungas e paroaras; mineiros e garimpeiros; colonos, camaradas, sitiantes e rendeiros; pequenos artífices; seringueiros e ervateiros, gaúchos dos pampas, campeiros do sertão; operários de todas as fábricas; trabalhadores de todas as estradas; funcionários de todas as repartições; moços de todas as escolas; agricultores, comerciantes e industriais; homens de todos os ofícios e de todas as profissões liberais; soldados, marinheiros e aviadores — sintam a sinceridade de nosso apelo todos os que ainda têm no coração o amor de seus maiores e o entusiasmo pelo Brasil.
Unam-se os brasileiros autênticos dentro do Brasil autêntico, para que a Pátria, grande, livre e forte, cumpra o seu destino histórico.
DEUS
Toda a nossa doutrina funda-se na própria natureza das coisas. E, como não podemos admitir efeito sem causa, reconhecemos que, em última análise, toda a nossa doutrina é inspirada por Deus, a Causa da natureza.
Proclamamos que Deus é o Primeiro Princípio, a Causa Suprema, a Fonte Inicial das ordens políticas legítimas. Dele dimanam os direitos naturais, a liberdade justa, a dignidade da pessoa humana. Dele decorrem a legitimidade dos governos, a autoridade do Estado, o poder dos governantes.
Aos céticos, que declaram absurda e inaceitável a ideia de Deus, por julgá-la um postulado insuscetível de demonstração, respondemos que Deus se revela na natureza, como a causa se revela no efeito; e, replicando, afirmamos que absurda e inaceitável é, pelo contrário, a doutrina que nega a existência do Criador, uma vez que se funda num postulado incompreensível, qual seja o da possibilidade de um efeito sem causa.
Somos, pois, espiritualistas. E não somente espiritualistas mas também cristãos, porquanto nos ensinamentos do Evangelho encontramos a chave da felicidade humana, dos governos justos e da paz entre os homens e as Nações.
Convencidos de que o problema político dos povos é, antes de tudo, um problema religioso, entendemos que não poderá haver homens conscientes de sua responsabilidade, nem governos justos, se homens e governos puserem de parte a consideração da origem e da finalidade sobrenatural da criatura humana.
Em Deus pomos o princípio e o fim de nossa doutrina política. Em Deus pomos o supremo destino de nossas aspirações. E opondo nossa clara doutrina a todas as formas do materialismo, ficamos com o Cristo, com Ele e por Ele marchamos, convencidos de que Ele é, realmente, a Luz do Mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida. E confiados nesta Fé, que nos abrasa, proclamamos, mais uma vez: Deus dirige o destino dos povos.