Esta Carta foi divulgada em 5 de maio de 1945, convidando a Nação Brasileira a provar as acusações então repercutidas contra o Integralismo. Escrita por Gustavo Barroso, recebeu milhares de assinaturas. Alguns dos pretendentes à subscrição não puderam comparecer devido à sua incorporação à Força Expedicionária Brasileira, estando nos campos da Itália. Apesar de citar nomes e cargos e de ser publicada em todos os órgãos da grande imprensa, a Carta não recebeu réplica em nenhum dos seus tópicos. Uma Exposição-resposta foi feita; para a surpresa de todos, apenas incluiu insígnias e objetos da Ação Integralista Brasileira, não provando as acusações. Até atualmente, a Carta jamais foi respondida. Meses após sua publicação, os ex-membros da Ação Integralista Brasileira fundaram o Partido de Representação Popular.
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Os abaixo assinados — brasileiros tão dignos e patriotas quanto os que mais o sejam —, membros da extinta Ação Integralista Brasileira dissolvida em dezembro de 1937 pelo Governo Nacional, cumprem o imperioso dever de vir perante a Nação, defender seu passado contra a obstinada e injusta campanha, sistematicamente feita, no sentido de infamar aquele movimento e, em consequência, todos quantos, sincera e honestamente, dele participaram.
Perante os homens de bem de nosso país protestam com dignidade e altivez, de consciência limpa, contra a teimosa repetição de calúnias, que repousam unicamente sobre palavras, sem uma prova, sem um fato concreto, a aboná-las, e que se destinam a apontá-los à opinião pública como verdadeiros réus de lesa-pátria.
Neste momento de graves angústias e inquietantes apreensões, provenientes da grande crise que assoberba o mundo, mais do que nunca se torna necessária a união de todos os brasileiros em torno do Brasil, com esquecimento de ódios e prevenções, que porventura as lutas, os dissídios, as competições do passado tenham gerado e nutrido. Não se justificaria, pois, a exclusão da vida nacional deste ou daquele grupo, por este ou aquele motivo, menos em virtude tão somente de levianas e gratuitas afirmações.
A fim de que elas não passem em julgado sob silêncio, usando do direito de defesa, que tem todos os acusados, os signatários desta carta desafiam de público os acusadores da extinta Ação Integralista Brasileira a apresentarem suas provas, apelando para o juízo sereno de todos os brasileiros conscientes.
Refutemos, uma por uma, as principais dessas injuriosas e caluniosas imputações.
I — A extinta Ação Integralista Brasileira recebia auxílios financeiros de países estrangeiros
Veiculou-se em 1937, um dos principais diários matutinos do Rio de Janeiro. Chamado a juízo e compelido a exibir as provas, viu-se na contingência de uma retratação pública e notória.
Continua-se, todavia, a reeditar a infamante aleivosia.
O Governo Nacional interveio nos Bancos, Empresas e Firmas dos países do Eixo; devassou-lhes as escrituras, sequestrou-lhes os arquivos; apossou-se da sua correspondência particular; mas nunca achou vestígio de qualquer quantia fornecida à extinta Ação Integralista Brasileira por potências estrangeiras.
Venham a público os dignos civis e militares, investidos das funções de interventores e fiscais nesses institutos bancários e estabelecimentos comerciais, dizer se algum dia encontraram qualquer elemento probante de operações financeiras, que pudesse justificar uma simples suspeita.
Entre eles, brasileiros podem ser citados como incorruptíveis e independentes, tais o Sr. Ministro Ataulfo de Paiva, o Dr. Virgílio de Melo Franco, o General Xavier Pais de Barros, o Coronel Gélio de Araújo Lima, o Tenente-Coronel Olinto França e o Major Orlando Rangel Sobrinho, para não nomear outros. Apelamos para o testemunho desses honrados concidadãos.
A extinta Ação Integralista Brasileira viveu sempre da espontânea contribuição dos inscritos, das dádivas dos companheiros mais bem aquinhoados da fortuna, da contribuição dos seus simpatizantes, das suas campanhas financeiras e de empréstimos internos publicamente realizados.
Nada justifica, portanto, que a seus antigos participantes — que tantas provas públicas deram de renúncia, de sacrifício, de constância no sofrimento, de paciência nas tribulações e de amor ao Brasil — irrogue quem quer que seja, sem provas, sem documentos, contra as comezinhas regras de ética, a infamante pecha de vendidos ao estrangeiro.
Assiste, pois, aos acusados, mais do que um direito, o dever de exigir que as provas dessa acusação sejam apresentadas de público e raso.
II — A extinta Ação Integralista Brasileira também recebeu armamentos de países estrangeiros
Desafiamos seja apresentada uma só prova dessa insultosa imputação. As Polícias Federal e Estaduais varejaram e deram busca em cerca de 4.000 núcleos integralistas em todo o país e nunca apreenderam armas fornecidas por países estrangeiros. Nem tão pouco em milhares de residências urbanas, suburbanas e rurais dos componentes da referida Ação. Que o digam os dignos e honrados brasileiros que exerceram cargos de Chefe de Polícia, sobretudo na Capital do País, Srs. Tenente-Coronel Dr. Filinto Muller, Coronel Alcides Etchegoyen, Coronel Nelson de Melo, Dr. Coriolano de Góis e Ministro João Alberto.
Que se exibam essas armas. Que se demonstre onde, como e quando foi possível passar nas alfândegas nacionais esse perigoso contrabando. Pois não é público e notório que a importação de armas e munições está sob o controle imediato do Ministério da Guerra?
Apelamos para o eminente Sr. Ministro General Eurico Gaspar Dutra, a fim de que informe a Nação Brasileira se algum dia as autoridades militares tiveram conhecimento da apreensão de armas e munições fornecidas por potências estrangeiras, em poder da Ação Integralista Brasileira.
III — A extinta Ação Integralista Brasileira tinha ligações políticas com potências estrangeiras
As sedes dos núcleos e as próprias residências particulares dos integralistas, sobretudo em fins de 1937 e começo de 1938, foram varejadas e seus arquivos confiscados pelas Polícias do Rio de Janeiro e dos Estados. Nunca, no entanto, apareceu um documento que provasse essa ligação. Não se aponta um fato, que a possa demonstrar. Não se conheceu em tempo algum qualquer interesse manifestado pelos países do Eixo em favor da extinta Ação Integralista Brasileira.
Antes muito pelo contrário, sobretudo no sul do Brasil, onde a ação nacionalizadora do integralismo foi sempre combatida pelas organizações nazistas. [1] Em Santa Catarina os quistos raciais germânicos, sistematicamente se opunham ao ingresso da mocidade teuto-brasileira nos quadros da extinta Ação Integralista.
Em 1938, o governo do Reich proibiu terminantemente a distribuição e venda dum livro do Sr. Hunsche, editado na Alemanha, sobre o integralismo. Mandou, depois, destruir a edição. [2]
Integralistas emigrados na Itália, tais como Lauro Barreira, Jair Tavares, Hermes Lins de Albuquerque, Caruso Gomes, sofreram da parte das autoridades fascistas o mais cruel tratamento que se possa imaginar, vendo-se privados até mesmo de passaporte para se retirarem do país.
Exibam, pois, os acusadores suas provas.
IV — A extinta Ação Integralista Brasileira é totalitária e sua doutrina é nazi-fascista
Somente a má fé e a ignorância de tudo quanto se escreveu sobre a Ação Integralista, no Brasil e fora dele, o que não foi pouco, pode permitir uma clamorosa afirmação dessa ordem. A palavra totalitário, que a injúria desconhece na sua verdadeira significação, tornou-se um slogan quase com o significado de “hostes” romano, do “bárbaro” grego e do “tapuia”, tupi — o inimigo. Esse é o conceito daquele ódio, que odeia injustamente o que não conhece, como dizia Tertuliano, defendendo os cristãos e concluindo: “Se condenais, por que não vos informais? Se não vos informais, por que não absolveis?”
A doutrina integralista, fundamentalmente cristã, sempre foi irredutivelmente contrária aos regimes totalitários, como o comprovam centenas de textos de seus manifestos, cartilhas e livros publicados até 1937. [3]
A pessoa humana, com todos os seus direitos naturais, é absolutamente intangível no conceito da doutrina integralista, que afirma o princípio de sua dignidade, liberdade e inviolabilidade.
O Estado Totalitário — fascista, nazista ou comunistas — forma os homens. O Estado Integral é formado pelos homens, constituindo uma Democracia Orgânica e não um Estado absorvente. Seu alicerce é doutrinariamente: no âmbito individual, a liberdade de associação; no âmbito econômico, a liberdade de trabalho; no âmbito político, a liberdade municipal, isto é, a plena autonomia da célula mater da Nação, de acordo, aliás, com a velhíssima tradição brasileira, peninsular e romana, sem nenhuma eiva de exotismo.
Estado Totalitário — definamos para os ignorantes e também para os incautos — é aquele que absorve o homem totalmente, ou como peça de um maquinismo destinado ao mesmo fim de produção (Estado Comunista), ou para modelá-lo e formar completamente no corpo e na alma (Estado Fascista), ou para ser a essência e fim de sua personalidade e dignidade (Estado Nazista).
Ora, Santo Tomás de Aquino afirma segundo a lição da Igreja: “Homo non ordinatur ad communitatem politicam secundum se totum et secundum omnia sua”. O homem não foi destinado a submeter-se no todo e em tudo o que é propriamente seu, ao organismo político. Porque é uma pessoa com dignidade própria e liberdade ou livre-arbítrio dado por Deus, para o qual tem deveres espirituais mais altos e fortes do que deveres temporais para com César, isto é, para com o Estado. As doutrinas totalitárias querem que tudo o que for humano não possa existir fora do Estado.
A doutrina integralista sempre afirmou que a pessoa humana, seus direitos naturais e suas projeções no tempo e no espaço estariam livres do constrangimento do Estado, que as defenderia, garantiria e tutelaria como essência ou substância de sua própria dignidade de criatura de Deus.
Onde as provas do totalitarismo da extinta Ação Integralista Brasileira? Onde sua semelhança doutrinária com o fascismo e nazismo? Nas camisas? Nos gestos? Ora, camisa, gesto e grito de “anauê” usavam os nossos escoteiros, longos anos antes do aparecimento do nazismo e do fascismo. Por que afirmar que imitamos os Camisas Pardas e Negras e não o que já era nosso? Isso nunca passou de exterioridade para efeito de identificação coletiva. A CAMISA ESTÁ NO CORPO, A IDEIA VESTE A ALMA.
V — A extinta Ação Integralista Brasileira é anti-americanista
Exigimos mais uma vez dos nossos acusadores provas dessa falsa asserção.
Em numerosos trechos dos livros, folhetos e publicações do extinto movimento deparam-se louvores à grandeza da América, verdadeiras profecias do papel que ela está necessariamente destinada a representar no mundo.
Pode-se mesmo dizer que a América, o sentido americano das coisas, o pensamento americano dos homens, a solidariedade e comunhão das Américas são verdadeiras constantes no desenvolvimento dos estudos políticos, sociais e doutrinários da extinta Ação Integralista, isso em épocas afastadas, quando era absolutamente imprevisível a marcha que tomariam os acontecimentos mundiais, até à tragédia da hora presente.
Muitos dos brasileiros, que sincera e honestamente, pertenceram aos quadros da extinta Ação Integralista, estão oferecendo, nesta hora de tragédia universal, nos campos de batalha da Itália, incorporados às fileiras da nossa FEB, seu sangue e sua vida na defesa do ideal comum das Américas. Um deles, mutilado pelas balas inimigas, havendo regressado ao Brasil, já agora aureolado pelo heroísmo do seu sacrifício, é um dos signatários deste documento.
Capituladas as principais acusações e respondidas com verdade, lealdade, serenidade e dignidade, ficam os signatários à espera de que se produzam provas documentais em contrário.
Sua consciência está tranquila.
O INTEGRALISMO É UM ACONTECIMENTO, QUE HOJE PERTENCE AO DOMÍNIO DA HISTÓRIA. [4]
Ninguém afirma que fosse um movimento sem defeitos, sem erros, vez que o compunham homens de todas as condições. É lícito criticá-lo; mas profundamente injusto querer, à força da repetição e da reedição de calúnias, expô-lo à aversão nacional e infamar os que dele fizeram parte.
PERANTE A NAÇÃO BRASILEIRA COMPARECEM OS ACUSADOS E OS ACUSADORES.
TÊM ESTES, AGORA, A PALAVRA PARA PRODUZIREM SUAS PROVAS.
(Seguem-se milhares de assinaturas, incluindo as de Gustavo Barroso, Alberto Cotrim Neto, Alcebíades Delamare, Álvaro Henriques de Carvalho, Amaro Lanari, Américo Ribeiro de Araújo, Antônio Coelho Branco, Antônio de Andrade Lima Filho, Archimedes Memoria, Aristóbulo Soriano de Melo, Arthur Nunes da Silva, Arthur Thompson Filho, Carlos de Faria Albuquerque, Carlos de Freitas Henriques, Cristóvão Pereira Devoto, Conrado Van Erven, Everaldo Leite, Fernando Cochrane, Fernando de Oliveira Mota, Francisco de Paula Queiroz Ribeiro, Francisco Lopes Filho, Gaston Luiz do Rego, Gil Guatimosim, Henrique de Britto Pereira, Henry Leonardos, Jaime Ferreira da Silva, Jamil Féres, Jerônimo Furtado do Nascimento, João Carlos Fairbanks, Joaquim de Araújo Lima, Jorge Brisola, José Loureiro Júnior, José Vieira da Rocha, Rocha Vaz, Lauro Barreira, Leopoldo Pedro da Silva, Manoel Ferreira, Manuel Câmara, Mauricio da Silva Telles, Maurílio de Melo, Marcel da Silva Telles, Milton Ferreira de Carvalho, Olbiano de Mello, Ordival Gomes, Oscar Machado, Osolino Tavares, Othon de Barros, Paulo Fleming, Paulo Japiassú, Paulo Lomba Ferraz, Raimundo Barbosa Lima, Ranilson de Sá Barreto, Rodolfo Josetti, Sérgio Silva, Tasso da Silveira, Vicente Meggiolaro, etc.)
Notas e referências:
[1] No artigo O Integralismo e o Hitlerismo na Colônia, publicado na Revista Panorama nº 7, de julho de 1936, escrito por Mário Ferreira de Medeiros, que durante algum tempo foi Chefe Provincial da Ação Integralista Brasileira no Rio Grande do Sul, além de um dos maiores nomes da imprensa do Sigma nos pampas, consta o seguinte: “Eis porque homens como o Dr. Wolfram Metzler veem no hitlerismo um dos maiores inimigos do movimento integralista, dentro da zona colonial. Tudo acontece bem ao contrário do que espalham as agencias telegráficas e os jornais que nos combatem. O Integralismo não encontra nenhum apoio no hitlerismo. Pelo contrario, é combatido por ele”. Para maiores informações sobre as relações entre o Integralismo e o nazismo nos anos 30, veja-se o artigo Integralismo e nazismo: o Sigma em oposição à Suástica.
[2] É a obra Der Brasilianische Integralismus, de Carlos Henrique Hunsche, que circulou por apenas 15 dias, tendo seu recolhimento determinado por Joseph Goebbels. Em 1940, a obra Plínio Salgado, o criador do Integralismo Brasileiro, na Literatura Brasileira, de D. Arnoldo Nicolau de Flue Gut, publicada em Munique, também foi confiscada das livrarias, com o autor sendo deportado.
[3] Para se certificar disso, veja-se nossa coleção de citações sobre Estado Totalitário.
[4] O Integralismo é uma doutrina imperecível, como fica demonstrado pela atuação posterior de quase todos os subscritores da carta, na militância pela doutrina integralista no Partido de Representação Popular e em vários movimentos integralistas, como a Confederação dos Centros Culturais da Juventude e a Cruzada de Renovação Nacional. Por outro lado, a Ação Integralista Brasileira obedeceu a uma circunstância histórica, sendo um movimento temporal.