O pensamento integralista tem assumido gradativamente, no seu desenvolvimento cultural, três aspectos distintos, que convém assinalar: a) filosofia humanística; b) método de especulação teórica das realidades e problemas sociais; c) doutrina política. [1]
Como filosofia humanística, o pensamento integralista segue a linha da filosofia de Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás, Francisco Suárez e Leonel Franca, no que tange ao dualismo irredutível da natureza humana ao mesmo tempo animal e espiritual, se bem que una e indivisível. Abebera-se na fonte inexaurível da doutrina cristã. Tira o máximo proveito das indagações e dos estudos, levados a cabo pelos biotipologistas, psicólogos, sociólogos e etnólogos modernos. Com todo esse vastíssimo cabedal de conhecimentos antropológicos, vai aos poucos constituindo-se a antropologia integralista, ou seja o estudo do homem integral.
Como método de especulação científica, o Integralismo se contrapõe ao particularismo. Pois, não se limita, como este, à análise de um aspecto particular da realidade estudada. Mas procura sempre encarar a totalidade dos aspectos, os mais das vezes muito complexos, que apresentam as realidades sociais. O Integralismo emprega simultaneamente a análise e a síntese, a indução e a dedução, a intuição e o raciocínio, a concepção a priori e a conclusão a posteriori, a teoria e a prática, a observação própria e a autoridade alheia, a hipótese provisória e a tese definitiva.
É porém, como doutrina política, que o pensamento integralista assumiu maior relevância na cultura brasileira. Foi também, como doutrina política, que o Integralismo melhor se constituiu como um sistema de ideias consistentes, coerentes e permanentes, porque verdadeiras. Foi sobre a doutrina política do Integralismo que se escreveram muitos artigos, ensaios e livros. Foi também contra essa doutrina, que tamanha ressonância encontrou na alma popular, que investiu a crítica desleal e maldosa dos adeptos do liberalismo, do socialismo, do comunismo, do anarquismo, do materialismo, da burguesia, da maçonaria, da demagogia e da madraçaria. Eis porque se pode dizer que o pensamento integralista constitui principalmente uma doutrina política. Cumpre, porém, notar que a doutrina política do Integralismo não é apenas uma teoria geral do Estado, nos moldes clássicos. Pois, para o Integralismo, a política não consiste tão somente na renovação dos mandatos, na nomeação de funcionários públicos, na gestão rotineira dos negócios governamentais. Para o Integralismo, a política não é apenas a arte de administrar a coisa pública e de montar a máquina estatal. Mas é a ciência normativa que visa conservar e preservar a cultura tradicional do povo, e que procura orientar e estimular a organização social da nação.
A cultura tradicional de um povo é aquilo que a moderna sociologia denomina “herança social”. Eis como o Prof. Donald Pierson, abalizado lente de sociologia e antropologia social da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, define a herança social ou cultura: “Sistema dinâmico e funcional de língua, ‘folkways’, ‘mores’, instituições, ideias, atitudes, sentimentos, pontos de vista e técnicas, transmitidos, de geração a geração, e que tende a impor-se ao indivíduo, desde o nascimento, através da interação com outras pessoas; varia de grupo para grupo e de época para época; cresce e muda”.
Conservar a cultura tradicional do povo não consiste absolutamente em impedir que ela se renove e cresça; consiste em não deixar que ela se deturpe e desapareça.
Preservar a cultura tradicional do povo consiste em não permitir que o cosmopolitismo degenerado, ambíguo, amoral, pragmatista, apátrida, incrédulo, negativista, contamine a pureza da alma popular, e perverta o caráter das pessoas, de modo a converter a sociedade civil numa massa promíscua de indivíduos, sem ideias na mente, sem crenças na alma, sem afetos no coração, sem rumo na vida, sem dignidade no caráter. Quando a cultura se envilece, degenera e desaparece, o povo deixa de ser povo, isto é, grupo social coeso, harmônico e cônscio dos seus deveres e direitos. Transforma-se numa massa amorfa, inconsciente, inconstante e desorientada, ou seja, num conglomerado de indivíduos oportunistas e interesseiros. Nesse rebanho de gado humano, que apenas vive para os reclamos do estômago e do sexo, não há lugar para o santo, para o sábio, para o herói, para o homem de bem. Tudo é vulgar, ordinário, inexpressivo, rasteiro e raso.
O povo que se deixa privar da sua cultura tradicional, esquece por completo o seu passado nacional e renuncia inadvertidamente ao próprio destino histórico. Já não tem consciência da sua unidade, da sua honra e do seu valor, e por isso, é sempre facilmente manobrado pelos demagogos e dominado por qualquer tirano prestigioso. O Santo Padre Pio XII põe isso em relevo, com grande maestria e clareza, na sua mensagem de Natal de 1944, quando estabeleceu a distinção, que já se tornou clássica, entre povo, que é um todo orgânico, e massa, que é um ajuntamento desordenado.
Para certos juristas de formação liberal, e para os sabedores da teoria geral do Estado, vazada nos moldes clássicos do demoliberalismo, esse nosso modo de conceber a ciência política deve talvez parecer uma heresia jurídica, à luz do Direito Constitucional, senão um disparate doutrinário insustentável. Eu acredito que esse possível desencontro de ideias decorre da inversão do processo mental, empregado pelo cientificismo racionalista, em relação àquele de que se serve o realismo integralista.
O cientificismo racionalista fiel às normas do fenomenismo positivista e do positivismo jurídico, para interpretar e ordenar a sociedade, parte do Direito, isto é, pretende enquadrar as realidades jurídicas e sociais, dentro dos esquemas preestabelecidos das ciências jurídicas e sociais. O realismo integralista faz o contrário. Parte da concepção da natureza do homem integral, considerado animal e espírito, para fundamentar e estruturar as ciências normativas, que visam orientar os fatos sociais, de acordo com os fins superiores do bem comum. Por um contrassenso chocante, os teoristas do materialismo partem do mundo ideal para o mundo real. Ao passo que nós, que somos espiritualistas, vamos do mundo real para o mundo ideal. Isso acontece porque o cientificismo positivista deliberadamente abdica de investigar a natureza das coisas em si, e rejeita o conhecimento suprassensível. Por isso, funda o precário edifício das ciências cosmológicas e neológicas, na base movediça dos fatos que se sucedem, e não na essência estável das coisas.
O realismo integralista, pelo contrário, procura dar ao seu sistema de conhecimentos, uma sólida e persistente base somente numa hábil e consistente fenomenologia.
Assim, pois, para o pensamento integralista, a sociologia não se fundamenta apenas no fato social, nem a psicologia no fato psicológico, nem o direito no fato jurídico, nem a política no fato político, nem a economia política no fato econômico, nem a pedagogia no fato pedagógico e nem a ética no fato ético. Mas todas essas ciências humanas se baseiam na natureza humana, porém não na natureza humana do homem animal, tal como o cão é o indivíduo da espécie canina. Para o realismo integralista, a base ontológica das ciências humanas está na concepção totalitária e não fragmentária do homem integral, ao mesmo tempo animal perecível e espírito imortal. Só essa concepção é real e válida, para os verdadeiros espiritualistas.
Convém, todavia, que fique assinalado aqui, que o humanismo integral do Integralismo brasileiro não coincide nem se entrosa com o humanismo integral de Jacques Maritain. O humanismo maritainista é integrado pelos múltiplos contingentes fragmentários das ciências humanas, mais ou menos retocadas, adaptadas e coordenadas pelo seu espiritualismo mais intelectualista do que realista.
O humanismo integralista é íntegro, uno e indivisível, do mesmo modo que a natureza real do homem integral é indivisível, una e íntegra, tanto na sua essência, como na sua existência.
Creio que por ora basta essa distinção.
O realismo integralista repudia o dogma absurdo do materialismo que afirma gratuitamente, como principal ponto de fé do seu credo negativista, que o homem não passa de um animal como outro qualquer, sujeito ao determinismo cego das leis físicas e biológicas.
A dignidade da pessoa humana e a cultura da nossa sociedade, iluminada pela doutrina cristã, não admitem essa atitude estúpida do cientificismo agnóstico que enclausura o nobre Homo sapiens, dentro da classe dos mamíferos, que é, ao meu ver, um dos campos de concentração do Reino Animal, despoticamente governado por El-Rei Leão, inconsciente soberano dos irracionais…
Semelhante atitude do cientificismo positivista, tacitamente apoiada pelo positivismo jurídico, reduz o Direito Privado e o Direito Público exclusivamente à desordenada legislação, criada a seu bel talante pelos poderes públicos, e faz da nobre ciência política uma espécie de zootécnica teórico-prática que ensina a cuidar do gado humano, do modo mais conveniente e vantajoso para o Estado Soberano, bem como para os seus felizardos donos e gerentes…
O humanismo integralista não é apenas parcialmente espiritualista, no que tange diretamente à religião. Essa é a atitude acomodatícia e utilitária do falso humanismo liberal. O humanismo integralista é totalmente espiritualista. Ele é espiritualista não apenas na vida privada das famílias, mas também na vida civil da sociedade, bem como na vida pública, que de acordo com a tradição da cultura luso-brasileira, deve ser um Estado Cristão, inspirado na ortodoxia da doutrina cristã, segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que foi pregado nesta Terra de Santa Cruz, por Nóbrega e Anchieta e seus dignos êmulos e sucessores. O humanismo integralista não dissocia nem separa completamente o Reino de Cristo do Reino de César. Ele, apenas, distingue e delimita a competência de cada um deles, deixando para a Igreja a mais completa autonomia, nos assuntos de ordem religiosa, e reservando para o Estado os negócios de ordem política. Todavia reconhece que ambos se devem coordenar na vida social do povo, na tradição cultural da nação, bem como no progresso moral, dos homens que legitimamente aspiram à perfeição de sua vida tanto natural, como sobrenatural. E reconhece também que ambos estão igualmente subordinados à Lei Soberana de Deus, expressa não apenas nos mandamentos da Revelação Bíblica, mas ainda nos ditames da Lei Natural.
O sábio cientista Alexis Carrel, num livro famoso, mostrou o desacerto surpreendente das ciências humanas do cientificismo positivista, que, encarando a complexa natureza humana, pelos seus pontos de vista unilaterais, acabaram por reduzir a figura maravilhosa do Homem Integral, nítida como aparece no pensamento de Santo Agostinho e de Santo Tomás, a esse ser exótico, disforme e desnaturado ao qual ele chama, com muita propriedade — o Homem, esse desconhecido.
O emérito jurista e grande estadista brasileiro Rui Barbosa, depois de cinquenta anos de estudos do Direito e de lutas pela Justiça, chegou à triste e acabrunhadora conclusão de que, na falida democracia liberal, irrefletidamente implantada no Brasil, não há lei, mas apenas vigora a legislação arbitrária, manipulada por uma oligarquia de alguns mandões, mais hábeis nas manobras políticas, do que capazes na administração pública. Eis o que ele escreveu, na sua memorável Oração aos Moços, em 1920, cerca de dois anos antes de sua morte: “Ora, senhores bacharelando, pesai bem que vos ides consagrar à ‘lei’, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento de ‘Maioria’, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem e dispõem, as que mandam e desmandam em tudo; a saber: num país, onde verdadeiramente ‘não há lei’ — não há, moral, política ou juridicamente falando”. Sim, tem Razão Rui Barbosa. No Brasil, não há lei — moralmente falando —, porque a nossa política está inteiramente divorciada da moral cívica e da moral cristã. No Brasil, não há lei — politicamente falando —, porque os nossos políticos, com raras exceções, são egoístas e interesseiros, jamais tendo em mira o bem comum. No Brasil não há lei — juridicamente falando —, porque os nossos improvisados legisladores, na sua maioria, muito pouco entendem de Direito, Economia e Finanças, e, assim sendo, são incapazes de fazer boas leis — sábias e justas, para serem realmente boas. O notável filósofo brasileiro, Padre Leonel Franca, no seu livro intitulado A Crise do Mundo Moderno, publicado em 1941, demonstra que a decadência da nossa civilização e as angústias do mundo moderno decorrem da progressiva desintegração da sua cultura tradicional. Primeiro a ciência se apartou da fé, depois a filosofia rompeu com a teologia. A política sobrepôs-se à moral. O Estado separou-se da Igreja. A educação desprezou a instrução religiosa, esquecendo-se que “a alma da educação está na educação da alma”. A economia, preocupando-se só com o lucro, divorciou-se da justiça distributiva. A liberdade rebelou-se contra a autoridade. A moral desligou-se da religião. Por isso, ela deixou de ser cristã e humana, para ser pagã e desumana. De humanitária, que era, induzindo os homens ao sacrifício de si próprios, pelo bem comum, tornou-se utilitária, isto é egoísta e interesseira, induzindo os homens, ao sacrifício do bem comum, em benefício de si próprios.
É por isso que nós integralistas, verdadeiramente cristãos e patriotas, queremos a integração restauradora de todos os valores espirituais da nossa cultura tradicional, como fator necessário para a unidade nacional de nossa pátria. É por isso que a nossa doutrina política visa, antes de tudo e acima de tudo, preservar e conservar a nossa “herança social”, que constitui o nosso mais valioso patrimônio nacional — a nossa inestimável riqueza espiritual.
Francisco Galvão de Castro
“Os quatro pontos cardeais do Integralismo”, Enciclopédia do Integralismo, Suplemento, 1960.
Nota do Site:
[1] Veja-se o texto Os fundamentos doutrinários, de Plínio Salgado, sobre os três aspectos da doutrina integralista.