Este texto foi escrito por Ziegler de Paula Bueno (da Câmara dos 400), como recuperação de um discurso de Plínio Salgado, na forma explicada pelo autor dentro das próximas linhas. Apesar de introdutório, incompleto e defasado em certos aspectos, o artigo A revolução da Moeda tem seu mérito na recuperação do pensamento monetário de Plínio Salgado nos anos 30.

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Os integralistas do 3º setor da capital de São Paulo, foram, há alguns dias, honrados com a visita do Chefe Nacional e tiveram a ocasião de ouvir um de seus mais notáveis discursos.

Não tendo sido publicado um resumo dessa peça, como era de se esperar, providenciei-me a fazer nas linhas abaixo, de memória, um resumo dos conceitos econômicos emitidos pelo Chefe nesta oração, a fim de que os integralistas e estudiosos que não a tenham ouvido, não fiquem privados dessa magistral lição de Integralismo.

Esse discurso girou em torno do momentoso problema de nosso século e possui o dom de esclarecer em palavras simples a confusão que lançam sobre o assunto as inumeráveis teorias em curso.

Um ângulo da questão social

De início, o Chefe abordou a questão operária, criticando a unilateralidade do marxismo, que subordina todos os problemas sociais à situação do proletariado a fim de iludir o próprio proletário e evitar que ele veja quem são os seus algozes. Reafirmou o princípio integralista que nega ao proletariado o direito de fazer uma revolução de classe assim como nega à burguesia e às outras classes o direito de conduzir o país ao sabor de seus próprios interesses. A Revolução Nacional não poderá ser feita nem pelo proletariado, nem pela burguesia, nem pelos militares, enfim, por nenhuma parcela da Nação, isoladamente; o direito de revolução só pode ser conferido à Nação Brasileira, por todas as suas classes ativas.

Ao contrário do comunismo, que promete o paraíso na terra, o Integralismo oferece à mocidade um ideal de lutas e solicita todos os sacrifícios em prol da grandeza da Pátria.

Nenhum problema nacional será resolvido, se for encarado isoladamente. Mentem ao povo aqueles que prometem salvar o Brasil por meio de uma revolução de classe. Um escritor socialista, já afirmou contra a tese marxista que “nem tudo é questão operária”; os problemas de uma Nação são de tal forma entrelaçados que a sua solução só poderá ser feita em conjunto.

Assim a situação dos trabalhadores está diretamente subordinada ao problema da moeda. A solução desse problema, a par de outras medidas que só poderão ser tomadas pelo Estado Integralista, elevará o proletariado brasileiro das cidades e dos campos a um nível de vida muito superior ao atual e a uma situação de lisonjeira independência. Isso não será seguido por decretos ou por legislação nacional apenas. Essa melhoria será resultante do bom funcionamento do sistema econômico e do ressurgimento geral do País por efeito da expansão do meio circulante.

O Integralismo nada promete que não possa ser cumprido. Para execução do seu programa os seus técnicos já têm em estudos o plano que, revolucionando as teorias caducas dos economistas do século passado, criarão a economia do século XX. Esse plano não será revelado de uma maneira completa, a não ser depois da nossa vitória, e então para ser aplicado. Isso para evitar que as forças ocultas da finança internacional, interessadas em manter a escravidão no Brasil, por meio das falsas doutrinas espalhadas pelos seus jornais iniciem desde já a sua obra de sabotagem, como o fizeram ao plano de estabilização do Sr. Washington Luís.

Esse plano era errado nos seus fundamentos, esclarece o Chefe, mas continha um princípio indispensável ao desenvolvimento econômico de uma Nação: o princípio da estabilidade do câmbio.

Tal princípio tem o dom de irritar os especuladores internacionais que contra ele açulam os seus cães de fila, por intermédio da imprensa, pois a instabilidade cambial é a sua maior fonte de lucros. Com tal instabilidade, os especuladores atentam contra o princípio de propriedade e bolchevizam o mundo.

Quero aqui citar um caso recente, como exemplo esclarecedor: Faliu há pouco tempo uma grande companhia industrial. Trata-se de indústria escandalosamente protegida pelas tarifas e cujo produto tem larga saída. Qual o motivo dessa falência? O motivo foi um empréstimo contraído em moeda estrangeira. Advindo a derrocada do câmbio, a companhia teve os seus compromissos de juros e amortizações formidavelmente multiplicados. Resultado final da falência: os bens e negócios da companhia passaram às mãos dos credores privilegiados do estrangeiro.

O Padrão-Ouro

Mas o ponto sensível da questão está no sistema universal em que se assenta ainda hoje a moeda internacional: o padrão-ouro.

Esse sistema delimita uma etapa do desenvolvimento das relações econômicas. Representa um aperfeiçoamento sobre os antigos padrões usados, que por sua vez representavam um avanço em face do regime das trocas em espécie que substituíram.

Diversas razões influíram para adoção do ouro como padrão universal. São elas:

  1. A inalterabilidade desse metal;
  2. a facilidade de transporte;
  3. a identidade de qualidade;
  4. a dificuldade de falsificação; e
  5. a divisibilidade perfeita.

A facilidade da circulação exigiu a criação do papel-moeda. Surgiu então o lastro-outro, sobre o qual devem ser feitas as emissões de papel-moeda.

Tal sistema foi suficiente para regular as relações econômicas de uma época em que a produção tinha um desenvolvimento normal em proporção ao desenvolvimento da produção do ouro.

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Entretanto, tudo se transformou em nossos dias, menos os sistemas monetários. Desse fato resultaram os desequilíbrios, as crises de superprodução, quando não há superprodução e sim falta de poder aquisitivo.

Esse último princípio orienta a reforma de Roosevelt nos Estados Unidos, comenta o Chefe, mas não pode ser aplicado em um país liberal. [1] Verifica-se isso com a impopularidade crescente daquele chefe de Estado graças à surda campanha que lhe moveram os magnatas das Finanças que dominam a imprensa.

É um estranho absurdo o que se verificou no mundo das Finanças. Ao passo que a técnica de produção foi completamente revolucionada pela alta potencialidade dos mecanismos modernos, a moeda continua a ser regida por princípios dominantes na época do trabalho manual e da pequena indústria.

O que devemos fazer, então? Suprimir a máquina para acabar com a superprodução? Ora, o desenvolvimento e a facilidade da produção só podem ser um bem. O homem poderá trabalhar menos e encontrará no mercado facilidade para abastecer-se das suas necessidades. Não se trata de suprimir a máquina. O que se precisa fazer é a criação de um novo sistema monetário capaz de atender às novas circunstâncias criadas pela máquina e pelo desenvolvimento geral das ciências.

O padrão-ouro está sendo gradativamente abandonado. Há pouco o famoso bloco ouro sofreu mais uma deserção com a reforma financeira do novo gabinete belga. Ainda assim, esse sistema conta muitos partidários. A chamada imprensa conservadora ainda o defende com unhas e dentes. Mas isso se explica.

O ouro do mundo se acha hoje concentrado nas mãos de meia dúzia de banqueiros, que com isso reinam soberanamente sobre as Finanças internacionais. Eles dispõem da imprensa e das fontes de informações e tratam de defender os seus interesses. Pois quanto mais se desenvolve a produção, mais se valoriza o ouro.

O sistema monetário de nossa época terá que considerar um novo elemento: a dinâmica da produção. Se o ouro contém todas as qualidades citadas, ressente-se, entretanto, de uma, que o torna imprestável para construir a base da moeda do nosso século. O ouro é relativamente estático, ao passo que a produção é essencialmente dinâmica. Amarrar-se a produção a uma moeda estática é deflagrar crises de superprodução e miséria. [2]

O Crédito e Outros Problemas

Abordando este assunto, o Chefe esclarece que “o crédito é um substituto do dinheiro”. O problema principal é o da boa circulação.

No Brasil, o crédito constitui um excelente negócio para os bancos nacionais e estrangeiros. Melhor ainda para estes, que operam com um capital diminuto, auferindo lucros fabulosos com o capital brasileiro que é depositado nas suas agências. O crédito precisa ser nacionalizado e regulado pelo Estado, a fim de torná-lo acessível a todas as classes.

Neste ponto, comparando os lucros dos bancos do Estado de São Paulo, que atingem cerca de 600.000 contos por ano, com o total dos impostos arrecadados pelo Estado que não chegam a 400.000 contos, o Chefe demonstra a incrível fraqueza do Estado, em face dessas poderosas organizações particulares.

Conclusão

O discurso do Chefe foi longo e abordou outros pontos da atualidade brasileira e mundial. Num esforço de memória, eu quis apenas reproduzir os seus conceitos doutrinários sobre o problema econômico-financeiro, do qual depende o bem-estar material de todos os brasileiros e principalmente das classes obreiras. Providências correlatas já fazem parte da nossa doutrina, como sejam, o salário familiar, o ajustamento dos preços pela limitação dos lucros do capital, a disseminação da propriedade, medidas essas que exigem a transformação do Estado e a revisão das doutrinas econômicas que têm presidido a administração pública.

O Chefe Nacional, nas suas palavras, como suprema encarnação da doutrina integralista, reduz o problema da moeda aos seus verdadeiros termos e abre aos estudiosos um vasto campo de estudos e pesquisas desse assunto, cuja importância não é preciso ressaltar.

Ziegler de Paula Bueno
“A Offensiva”, 17 de agosto de 1935.

Notas do Site

[1] Escreve Plínio Salgado, em A Quarta Humanidade: “O recente discurso de Daladier na abertura da Conferência de Londres foi expressivo. Diminuição das horas de trabalho e unificação da moeda, propôs o primeiro-ministro francês. À primeira vista, é um remédio simples; porque, na realidade, não existe superprodução de mercadorias e sim incapacidade de poder aquisitivo. Facultada a aquisição a milhões de homens hoje sem trabalho, parece evidente que a situação do mundo melhoraria. Entretanto, a Conferência de Londres não passou de uma assembleia de medíocres, e isso pelos motivos expostos por Oliveira Salazar, quando afirmou que de nada valeria assentar medidas quando os governos não têm autoridade para cumpri-las. O mundo moderno está enfermo por falta de autoridade”.

[2] Idem: “A velha economia, baseando-se ainda numa concepção estática da moeda, não pode conter o dinamismo da produção, que a técnica acelera numa progressão geométrica. É o carro de bois querendo apostar corrida com o automóvel. A organização financeira do mundo atual é um contraste ridículo com a organização econômica. A moeda insuficiente para as consequências da racionalização e taylorização das indústrias, insuficiente para as consequências dos progressos técnicos, torna-se um entrave ao sistema das trocas”.