Em julho de 1932, eu residia em uma bela cidade do sul de Minas, quando, no dia 9 desse mês, o Estado de São Paulo, oficialmente, se rebelou contra o Governo Federal. Ao lado do então governo de São Paulo, todos os paulistas se enfileiraram, cheios de fé e abrasados de idealismo. Os moços e os velhos, os homens e as mulheres, os pobres e os ricos, numa confraternização estupenda, ergueram o mesmo grito de rebeldia e de coragem contra a Ditadura que dava a impressão de querer perpetuar-se no Poder.
O venerando embaixador, Sr. Pedro de Toledo, rompeu com o governo ditatorial do Brasil e assumiu a governança revolucionária, irmanando-se com o povo. A Força Pública paulista engatilhou os fuzis. E os soldados do Exército, aquartelados em terras bandeirantes, colocaram-se ao lado de São Paulo. Todos os demais brasileiros aqui residentes, com raras exceções, puseram-se sob o comando supremo de Pedro de Toledo. Os rádios da paulicéia trombetearam, valentemente, em seus detalhes, o início do grande movimento. O speaker Ladeira instabilizou-se, com os arroubos de sua eloquência arrebatadora, vibrante como um clarim.
São Paulo, em julho de 1932, de armas na mão, exigia uma Constituição para o Brasil. Por isso, a revolução se intitulou “Revolução Constitucionalista”.
Os generais Klinger e Isidoro eram os comandantes militares mais graduados. Mas outros nomes ilustres de bravos militares foram surgindo: Euclides Figueiredo, Palimércio de Rezende, Taborda e tantos outros. Em dois tempos, São Paulo mobilizou um exército de grandes proporções. Era uma verdadeira guerra o que então se iniciava. Guerra contra o Governo Federal.
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Quem, nessa ocasião, visitasse outros Estados, verificaria que, com São Paulo, estava a opinião quase unânime dos brasileiros. Estive na Capital Federal, nesse histórico mês de julho. Lá, o entusiasmo pela “Revolução Constitucionalista” era geral e empolgante. Todos desejavam, ardentemente, a vitória da revolução. Cada um fazia o que era possível fazer-se, em um ambiente tão perigoso, para auxiliar São Paulo. Em Minas, por exemplo, onde permaneci quase todo o tempo da luta, eram inenarráveis as simpatias pela revolução. E não se diga que se tratava de uma atitude platônica, porque eu assisti à loucura heroica dos mineiros, no sentido de auxiliar os paulistas. Subiu a milhares o número de mineiros que atravessaram as fronteiras e se apresentaram em São Paulo para combater. Sem falar nas dezenas de milhares de mineiros aqui residentes, que se apresentaram para a luta contra a Ditadura. Formou-se, até, o regimento de Minas Gerais.
Em julho de 1932, quase todos os brasileiros livres, de todos os Estados, estavam com a Revolução Constitucionalista, embora nem todos pudessem lutar, como desejavam ardentemente. O que dava a impressão de que não tivera eco o grito angustiado dos paulistas, era o fato dos elementos oficiais de cada Estado permanecerem fiéis ao Governo Federal. Resultou, então, que São Paulo não teve os auxílios materiais que precisava e com que poderia contar, se dependesse da opinião pública.
Os brasileiros de todos os rincões da Pátria, em esmagadora maioria, estavam com os seus patrícios de São Paulo, é verdade, mas os soldados, as armas e as munições estavam contra eles, enfeixados nas mãos dos dedicados interventores estaduais. Nós, porém, que moralmente, numa campanha heroica de intensa propaganda, arriscando, muitas vezes, a própria vida, estivemos com São Paulo, e compartilhamos das dores que dilaceraram os corações das mães, dos pais e a dos moços heroicos que lutaram de armas na mão, nós também, sofremos. Nós também, nos martirizamos. E, quando findou a luta, nós também nos sentimos derrotados. Fomos vencidos e humilhados.
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Em julho de 1932, como dissera Artur Bernardes em seu manifesto, para São Paulo se transportara a alma cívica do Brasil. Não desse Brasil, que às vezes, nós vemos de rastro, andrajoso, esfarrapado, a estudar empréstimos ao capitalismo internacional. Em 1932, a alma cívica que se transportara para São Paulo fora a alma do Brasil que fulgura nas páginas de nossa História: o Brasil de Feijó, o Brasil de Tiradentes e de Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro” que, num momento histórico, quando respondeu “que receberia à bala a esquadra estrangeira”, foi a personificação dos brios nacionais. Foi esse Brasil tradicional e glorioso que se transportara para São Paulo, em julho de 1932.
São Paulo lutou como lutaram os heróis de raça, para quem a vida é o que menos interessa. Deu tudo quanto era humanamente possível dar, para impor à Nação o ritmo da Lei e a Ordem. Deu o ouro, o sangue, a vida de seus filhos. Joias preciosas foram trocadas por simples anéis de aço, e a viuvez e a orfandade enlutaram os seus lares. Improvisaram-se fábricas de munição, e com tal eficiência, que parecia mesmo um milagre da raça. Todas as atividades morais, intelectuais e materiais dos paulistas foram postas a serviço da grande causa. Durante três longos meses de martírio, os paulistas, mais uma vez, encarnaram a bravura e a energia da raça brasileira.
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Há quem diga que a revolução de 32 foi inútil, que nada se aproveitou dessa arrancada luminosa. Outros, mais pessimistas, afirmam que o país regrediu, que tudo decresceu, inclusive o caráter dos homens. E há também quem diga, com uma convicção lastimável, que bastou o voto secreto para justificar o sangue derramado.
Para mim, cuja convicção patriótica está temperada no aço verde do Integralismo, para mim o Brasil lucrou muitíssimo com a revolução de 32. A Revolução Constitucionalista veio demonstrar, de maneira insofismável, a imensa capacidade dos brasileiros para a luta e para o sacrifício. Um povo que se manifesta tão heroicamente, como o fez em 1932, é, sem dúvida, um povo fadado a gloriosos destinos.
Para a América do Sul, a revolução de 32 foi uma categórica demonstração de que o Brasil tem imensas reservas de energia para as grandes arrancadas, com que poderá contar o Continente se, um dia, for preciso impor ao Mundo uma civilização nova, contra o materialismo bolchevista que ameaça a ordem social cristã da humanidade.
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Não podemos julgar a Revolução Constitucionalista pelo que o país ganhou ou perdeu, sob os pontos de vista político e financeiro. Nem nos devem preocupar os íntimos objetivos que teriam impulsionado os chefes desse movimento; não devemos cogitar se aqueles chefes foram inspirados por um idealismo sadio ou por mesquinhos interesses pessoais.
A Revolução Constitucionalista deve ser encarada como a manifestação de heroísmo de um povo que quer imprimir, indelevelmente, na História dos Povos, uma página gloriosa, em que se retratem as capacidades e os brios de uma raça.
Através da Revolução Constitucionalista, o Brasil provou à América do Sul e ao Mundo que os brasileiros são capazes de sacrificar-se por um ideal. E um povo que tem tanta capacidade para lutar e martirizar-se, é um povo que ainda transformará a sua pátria em uma grande Nação, potência internacional de primeiríssima ordem.
J. Venceslau Júnior
“A Offensiva”, 27 de junho de 1937