Este artigo tem uma relevância singular, no tema da religião no movimento integralista. Em primeiro lugar, porque seu autor, Emilio Otto Kaminski, é um dos principais nomes protestantes da história do Integralismo, filiado à Igreja Evangélica Luterana do Brasil, e um dos nomes mais proeminentes da Ação Integralista Brasileira e seu sucessor Partido de Representação Popular no Rio Grande do Sul. Em segundo lugar, porque, redigida por um protestante, é uma resposta a um dos principais anti-integralistas do meio católico, Ernani Fiori. Em terceiro lugar, porque elucida temas importantes sobre a união entre pessoas de várias vertentes religiosas no Movimento Integralista.
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Na Estrela do Sul desta data, o Sr. Ernani Fiori, umas das figuras representativas do Catolicismo desta capital, houve por bem, aliás muito acertadamente, pedir esclarecimento a respeito do meu artigo publicado pela Revolução de 15 do corrente.
Não me é possível, pois, fugir a este convite de defender os meus pontos de vista contidos naquele citado artigo.
I
Continha este o seguinte trecho, refutado pelo Sr. Fiori: “Não cabe a nós, entes humanos, arvorarmo-nos em juízes árbitros das religiões, papel que somente se reconhece a Deus”. Esta minha afirmação suscitou dúvidas em meu antagonista, que por isto mesmo chega à conclusão que eu queria dizer que o homem, sendo incapaz de discernir uma religião verdadeira da outra falsa, seria levado a nenhuma prática religiosa.

Emilio Otto Kaminski
Em primeiro lugar devo confessar que este trecho, destacado como foi, pode originar desconfiança quanto ao pensamento que interpreta, caso tomarmos o termo “religião” no seu sentido lato. Mas o exato é que da leitura de meu artigo, de fundo totalmente cristão, poderia se aferir que não me referia, por exemplo, ao budismo, maometismo, fetichismo, etc., e sim, às religiões cristãs.
Sob este aspecto julgo, que o Sr. Fiori não poderá excluir do termo “religião” o Protestantismo, para citar o que me interessa particularmente. Acho conveniente a esta altura frisar que sou protestante, e por conseguinte, que tenho fé absoluta no que rezam as Sagradas Escrituras, creio na Santíssima Trindade, na Paixão de Cristo, enfim, em tudo o que forma a consciência de um cristão: espiritualismo, nacionalismo, etc. Tenho, logicamente, plena convicção de que abracei a religião que para mim é a que se identifica totalmente com a Bíblia. É a que “confere comigo”, como o Integralismo conferiu com estas milhares de consciências que o abraçaram por terem chegado à conclusão de que a doutrina integralista representava o seu próprio pensamento.
Portanto, para mim a “verdadeira” religião a que alude o Sr. Fiori, é o protestantismo. Não posso, pois, absolutamente ser propenso ao indiferentismo religioso, nem afirmei que o Integralismo se reveste deste caráter.
Indiferente, agnóstico, em matéria religiosa é o Estado Liberal, como bem esclarece o Sr. Fiori. Para esse Estado, Cristianismo, Paganismo, Materialismo, tudo se confunde. O Integralismo é antimarxista, anti-ateísta, antimaterialista. Logo não pode ser indiferente, porque se baseia essencialmente no espiritualismo. Daí, entretanto, a oficializar ou tornar “oficiosa” determinada religião vai um grande passo que o Integralismo não procurou encetar, porque um movimento que pretende revolucionar um Continente não pode basear-se no que este ou aquele acham que “deveria ser” e sim, no que efetivamente “pode ser”.
II
O Chefe Nacional, que é profundamente cristão e merece o acatamento e a confiança de todos os cristãos precisamente porque jamais se desviou em artigos, ou discursos da pura linha de nossa doutrina, ante a anarquia e o caos que se preveem para todo o mundo e especialmente para o Brasil, em virtude da corrupção das almas pelo vírus marxista, fez o que um gênio é obrigado a fazer, se quiser ser vitorioso nesta luta, ou seja, apelou para a alma cristã de nosso povo. Obrigou a todos os brasileiros que quisessem ingressar no Integralismo, o juramento por um Deus. Buscou o movimento na trilogia: Deus, Pátria e Família. Criou esta “Frente Espiritual” que conseguiu o milagre do entendimento e respeito dos adeptos de uma Igreja Cristã pelos seus patrícios filiados a uma outra Igreja, ou mesmo para com qualquer espiritualista, coisa que até esta data não fora possível realizar. Não posso ver nisto nenhum mal, por mais que me esforce.
Julgo ter com as linhas precedentes desde logo destruído a acusação de que a “religião” para mim ou para o Integralismo é uma questão secundária. Quero penitenciar-me de ter dado, de um certo ponto, margem a que fizesse tal julgamento aquele que não estivesse filiado ao nosso movimento, e que não tivesse conhecimento de umas tantas coisas que lhe tornariam bem claras as verdadeiras intenções da citada proibição do Chefe Nacional.
Esclareço, pois: Para o Integralismo, o fenômeno espiritual está, sem dúvida, acima do moral, acima do social, acima do econômico e do político, como aponta com felicidade meu nobre antagonista. No entanto, o que o Integralismo considera secundário, como doutrina “político-social” (e não religiosa), são as divergências das interpretações das Escrituras entre os vários ramos do Cristianismo. Aproveito o ensejo para assegurar ao Sr. Fiori que folgaria imensamente, como por certo todos os cristãos, em ver as Igrejas Cristãs todas unidas numa só, como fiel expressão do pensamento divino. Entretanto, tal não é possível, porque todas se mantêm irredutíveis nos seus pontos de vista, afirmando a sua exatidão, e ademais, já foi profetizado que esta união não se efetuaria jamais. Deus disse que haveria sobre o mundo dissídios, discordâncias, lutas, até o juízo final.
Ora, o Integralismo, como já afirmei, não podia deixar o concreto, o que de fato existe, para procurar alicerce no abstrato.
Invoco em meu favor a este respeito os brilhantes artigos de Octávio de Faria, publicados pela revista Panorama n° 12, e pela Anauê n° 15, que recomendo ao Sr. Fiori, porque não é possível alongar tanto esta tréplica. Ainda aproveito, porém, para submeter à apreciação do meu antagonista o artigo do catolicíssimo escritor Everardo Backheuser, “Frentes Populares e Antifascismo” [Jornal do Brasil, 25 de abril de 1937], no qual o autor, entre outras considerações, escreve o seguinte: “A hora é de união contra o inimigo mais forte e mais astuto. Este é insofismavelmente aquele que do Kremlin canaliza o ouro que alimenta as guerras civis em todos os países, que provoca as revoltas em toda parte, que inocula veneno em todos os organismos políticos nacionais. Contra ele deveria estar arregimentada toda gente que tem amor a Deus, à Pátria e à Família. E entretanto, estes procuram futriquinhas para brigar”.
III
Por uma questão de opinião pessoal, embora sendo protestante, portanto não particularmente interessado no caso, reafirmo que considero o espiritismo umas das interpretações do Cristianismo, mesmo que eu divirja de sua doutrina.
Naturalmente o Integralismo não coloca em igualdade de condições uma religião cuja prática contrarie o sentido da moral, que, como consequência da própria posição do Estado Integral diante do fenômeno espiritual, será muito mais expressivo e por isto o Integralismo proíbe o culto das religiões que constituam ameaças à paz e à harmonia social (parágrafo XVIII das Diretrizes Integralistas).
“O Integralismo, visando promover o aperfeiçoamento moral e espiritual da Nação, declara-se pelo espiritualismo contra todas as correntes materialistas de pensamento e de ação, que, acobertadas pelo liberalismo, vêm exercendo a sua obra nefasta de desintegração de todas as forças vivas da Pátria” (parágrafo XVII das Diretrizes Integralistas).
IV
Este item [do artigo do Sr. Fiori] fica ipso facto anulado, porque o Integralismo não ficará com a “orientação nitidamente liberal esboçada pelo Sr. Kaminski”, mas, sim, com a orientação verdadeiramente cristã, que manda amar-nos uns aos outros.
Por fim, devo frisar que o meu artigo era dirigido, em particular, aos meus companheiros camisas-verdes, em vista de certos desvios que me haviam sido informados, e, por este motivo, revestiu-se de uma forma toda particular, especialmente destinada a determinado ponto, não tratando a questão de um modo geral, caso em que, naturalmente, teria ocasião de tecer maiores comentários a respeito. Não voltarei mais no assunto, no caso de novo bilhete do Sr. Fiori, porquanto o Chefe Nacional proíba polêmica sobre matéria doutrinária. Existem dezenas de livros para conhecer-se a doutrina integralista.
Julgo ter respondido com a mesma sinceridade com que o Sr. Ernani Fiori, a quem particularmente estimo, escreveu o seu rápido bilhete amistoso.
Emilio Otto Kaminski
20 de maio de 1937. Publicado em “Revolução”, Porto Alegre.