Existe hoje uma palavra mágica, empregada em todos os projetos de administração e governo, nas conferências dos eruditos, nos relatórios, nas exposições de motivos, nos discursos parlamentares de homens de Estado. É o verbo “integrar” com seus derivados “integração”, “integrado”, “integral”.

Fala-se em integração territorial, ensino e cultura integrais, integração social, integração econômica, visão integral dos problemas, concepção integral do direito, Brasil integrado, integração nacional.

Paralelamente, a exprimir o mesmo pensamento, aparecem as expressões “visão global”, “concepção de conjunto”, o que tudo significa o objetivo de não se aterem os estudiosos e os realizadores a critérios unilaterais que levam da consideração particular de determinada questão à abstração relativa a outras questões relacionadas com a que isoladamente se tomou por tema.

Plínio Salgado

Essa criteriologia da nossa atualidade tem origens, sem que muitos percebam, numa doutrina propagada em nosso país durante quarenta anos e cuja oportunidade se explica pela evidência das sucessivas conjunturas socioeconômicas e políticas decorrentes do desenvolvimento das pesquisas científicas e dos avanços da tecnologia.

A doutrina a que me refiro tem o nome de “integralismo”, ou “filosofia integral” e baseia-se nas novas concepções do universo e do homem, como resultado de novos crescentes conhecimentos científicos advindos no decorrer do século em que vivemos.

Partia da observação de que os períodos sociopolíticos assinalados pela História foram consequências das concepções do mundo predominantes em cada um deles. Assim, da astronomia de Ptolomeu e Estrabão procederam as estruturas sociais e políticas predominantes da Antiguidade e vigentes em todo o curso da Idade Média: as classes superpostas, como eram os astros; dos conhecimentos astronômicos mais tarde legados por Galileu, Copérnico e Kepler, ampliando a visão do universo vieram as filosofias racionalistas do século XVII e o naturalismo do século XVIII, do que resultaram as concepções de Locke e Rousseau, o pensamento dos enciclopedistas, determinando, após a revolução francesa, o liberalismo político e as doutrinas econômicas inspiradas na livre manifestação das chamadas “leis naturais”.

Logicamente, em nosso tempo, contemporâneos do relativismo de Einstein e da criação dessa moderna ciência que é a física nuclear, cumpre-nos interpretar a História, a Sociologia, a Economia, o Direito, segundo o velho ensinamento de Aristóteles: a unidade na diversidade. Por conseguinte, a filosofia integralista, afirmou o princípio da “correlação fenomênica”, isto é, a interligação, a conexão de todas as expressões físicas, espirituais e dinâmicas da natureza, proclamando que não há solução isolada para problemas isolados, dadas as implicações de uns sobre os outros e dos outros sobre a questão singularmente considerada.

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Entrando na crítica histórico-política do século XIX, verificamos que o critério dominante nas diversas correntes filosóficas e partidárias era inerente à própria índole daquela centúria. O século XIX, do experimentalismo científico em prosseguimento ao naturalismo filosófico do século XVIII, era analítico e se não o fosse, não poderia legar-nos o acervo de conhecimentos de que nos servimos para a realização da síntese característica do nosso tempo. Justamente por ser analítico, formou uma mentalidade de parcelamentos que tomava os fenômenos isolados, pretendendo generalizar as suas consequências nas aplicações práticas relativas aos demais ramos do conhecimento.

Dessa condição psicológica, derivaram o liberalismo, que tomava o homem apenas com um “ser cívico”, abandonando-o ao completo desamparo no campo econômico; o socialismo utópico e depois o chamado científico, ambos visando exclusivamente às necessidades materiais, com restrições às liberdades individuais; o racismo de Houston Chamberlain e Gobineau, ligado ao estatismo, que fazia ressurgir o “Leviatã” de Hobbes. Na esfera do pensamento, o super-homem de Nietzsche, inspirado nas teorias transformistas; o freudismo, unilateralizando a concepção do homem subordinado a um dos fatores da sua personalidade, o pansexualismo; o existencialismo de Kierkegaard, por sua vez deturpado pelos seus adeptos, cujas lições viriam futuramente resultar os “hippies” sem endereço na vida.

As conquistas científicas modernas evidenciam a desconformidade de tais conceitos fracionários com as realidades universais e humanas que informam a consciência do século XX. A física nuclear deu-nos a consciência da unidade da energia e da matéria nas variadas manifestações das substâncias físicas e leva-nos a uma conclusão espiritualista pela composição do átomo, obedecendo a fórmulas matemáticas segundo a harmonia universal. A fisiologia demonstrou-nos a íntima correlação dos órgãos, sobretudo das glândulas de secreção interna; da biotipologia ensinada por Nicola Pende, chegou-se à concepção da medicina integral. Pensadores e juristas, sociólogos e historiadores como Sorokin, Sciacca, Gurvitch, Burdeau, Leo Gabriel, Thibon, Toynbee, Berdiaeff, chegam a conclusões francamente integralistas.

Não é, pois, de estranhar que estejam hoje em voga e na moda as palavras mágicas: “integração”, “integral”, “integrado”. Correspondem a uma nova mentalidade, a um estado de espírito, a uma interpretação dos tempos que vivemos. É a marcha inevitável para um mundo renovado, o condicionamento da consciência aos conhecimentos adquiridos e às circunstâncias do período histórico a assinalar-se na terceira centúria.

Todas essas palavras agora empregadas e que são mágicas, derivam do verbo “integrar”, isto é, reunir, somar as partes, sem as aniquilar, como indica o “sigma”, símbolo da grande revolução do espírito.

Plínio Salgado
“Diários Associados”, 11 de maio de 1971.