A grande missão que este país tem o direito de exigir da imprensa nestes dias de confusão de valores, de desorientação doutrinária, de violentas manifestações de interesses de classes a cuja sombra agem os apetites violentos dos exploradores de situações, a grande missão que cumpre aos jornais brasileiros é, acima de tudo, doutrinar.
Doutrinar a boa doutrina, que é aquela que se origina da consideração superior dos acontecimentos, da supervisão de todo o panorama dos complexos e difíceis problemas nacionais. Insistir diariamente, sem cansaço, sem enfado, sem desfalecimentos, na repetição de algumas verdades elementares que de há multo se tornaram verdades pacíficas para todos os que ainda conservam uma pequena dose de bom senso e de sincero desejo de ver crescer e desenvolver-se este grande povo, com a garantia da paz, da harmonização de todas as forças econômicas e sociais da Nação, num rumo de superior finalidade política.

Plínio Salgado
Doutrinar sem cessar, fora do terreno das competições, à margem e acima dos partidos, dos grupos, das associações, dos conchavos e dos cambalachos. Seguir impavidamente, no meio da desatenção geral, atravessar a bruma das multidões dos heterogêneos, dos confusos, dos mistificadores, dos hipócritas, dos iludidos, dos cegos, dos surdos, dos trôpegos, dos mascarados e dos indefinidos, falando sua palavra, repetindo mil vezes a sua palavra.
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Quando no meio de todas as paixões e de todos os ódios, o interesse imediato do emprego, do cargo, da autoridade, da remuneração, do prestígio e da amizade pessoal houver entorpecido as massas, como um anestésico, mais do que nunca se torna necessária a voz nítida de uma consciência perfeita de realidades, para prevenir os incautos e mostrar através de todas as sombras de uma hora crepuscular o caminho seguro ao Brasil de Amanhã.
Se no meio de milhões de homens surdos e cegos, houver um só que escute e que enxergue, e se esse único homem ouvir a palavra teimosa, insistente e tenaz, que seja esse o primeiro prêmio ambicionado para todo o esforço que pareça inútil e para o gesto isolado que se julgou perdido.
É que a semente caiu na terra fecunda e já agora não haverá forças em contrário que evitem a sua germinação. Esse homem que escutou e compreende transmitirá para diante a palavra ouvida, e ela será como um rastilho que prosseguiu irrevogavelmente para fazer explodir um dia a dinamite que deverá extinguir o imenso formigueiro dos erros e dos dolos que estão solapando o organismo do país. E uma nova era de viva consciência nacional deverá chegar, assinalando o advento de uma geração realizadora e forte. É para essa geração que a imprensa deverá falar.
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A imprensa falhará à sua finalidade se se alistar como soldado, ou capanga, como advogado ou como orientador de grupos ou de classes, de interesses pessoais e de conclaves de ambições. Essa imprensa poderá bem servir ao egoísmo de poderosos ou às intrigas dos exploradores de situações, mas não prestou nenhum serviço à Nacionalidade. Agirá como uma deseducadora das massas populares, uma mistificadora da opinião pública, um elemento de dissolução social. Será perniciosa como o mais terrível dos parasitas e a sua atitude será a de um rastejamento mesquinho por entre os conflitos banais da politicagem desenfreada. Faltar-lhe-à autoridade, como lhe faltará moralidade. Faltar-lhe-á a força com que deverá impor-se, como lhe faltará a dignidade com que deverá apresentar-se perante os olhos da Nação.
A imprensa que se detiver unicamente na veiculação dos mil boatos circulantes nas épocas de tibieza de caráter e de crise de ideal, essa imprensa não será a diretora das massas, mas a serva humilhada das multidões. Seu ofício será o de simples recadeira ou de novidadeira vulgar, pedindo alviçaras e gorjetas no desdobramento das intrigas e dos fatos, que jamais aplacam a voracidade doentia das turbas em marcha para a franca degenerescência dos apetites e dos gostos.
O comentário vulgaríssimo das tramas vulgarissímas açula os personagens das nossas comédias partidárias e estimula-lhes o desempenho de seus papéis ridículos no vai-vem das “demarches” estéreis e das negociações e armistícios de igrejolas corroídas pelo verme de politiquice. Nada mais desolador — já notava Alberto Torres — do que verificar que as populações brasileiras se interessam mais pela mudança de um homem num cargo do que pelos problemas mais profundos da Nação. E, entretanto, o que estamos vendo todos os dias, é o cultivo desse espírito fútil pelos nossos jornais, que preferem dar à imprensa a missão de criada de servir ao público do que a de condottieri do povo nos rumos superiores do seu destino.
A imprensa não deve ser a copeira que recolhe nos grandes sacos os montes de serpentina e de confetes do carnaval ruidoso que passou. Ela tem uma missão superior, que precisa cumprir, custe o que custar. E essa missão é a de transladar para o plano doutrinário e ideológico os problemas sobre os quais hoje tripudiam as opiniões dos interessados diretos e o arbítrio dos políticos.
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Mas, pior do que a imprensa servil que leva diariamente o prato dos escândalos e dos comentários tendenciosos à voracidade de uma opinião pública desorientada e indisciplinada, é a imprensa hipócrita, que deturpa a visão dos problemas, para servir a interesses ocultos, muitas vezes tenebrosos. Essa imprensa — Deus queira que não a tenhamos! — não trepidará em vender a Nação a qualquer sindicato estrangeiro, como não porá a menor dúvida em mistificar a ingenuidade das turbas, para acobertar as mais audazes aventuras.
Ainda lá não chegamos; tratemos de sanear a imprensa, para que não seja possível a invasão dessa bubônica, que putrefaz e fulmina, empestando todo o ambiente moral de uma sociedade.
Elevemos a nossa imprensa. Elevemo-la do contato com os que agem na plana dos interesses materiais ou políticos. Isentemo-la dos perigos da convivência com as paixões cotidianas. Resguardemo-la do furor que se aninha nos corações dos partidos, do ódio surdo ou da afeição excessiva, que se oculta no íntimo dos grupos.
Salvemos a imprensa, porque ela é a coluna de fogo da Nação.
E ela poderá conduzir o Brasil para os mais negros abismos, como para as mais altas finalidades.
Plínio Salgado
Publicado originalmente no jornal A Razão nº 126, em 7 de novembro de 1931. Reeditado na edição de abertura do jornal “A Ordem”, de Natal, em 14 de julho de 1935.