Na tarde de ontem, dia 24 de julho de 2021, um grupo de vândalos denominado Resistência Periférica ateou fogo à estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato, de autoria do escultor e pintor Júlio Guerra, no distrito de Santo Amaro, na Zona Sul da Capital Paulista, num ato criminoso contra a História, a Tradição, a Memória e o patrimônio artístico e cultural de São Paulo e de todo o Brasil. Segundo tais criminosos, que nada entendem da História Pátria, Borba Gato foi um caçador de índios e negros e mesmo um genocida e, lamentavelmente, não apenas a maior parte da chamada “esquerda”, como também parte considerável da grande imprensa está reproduzindo essas absurdas acusações contra esse célebre bandeirante e mesmo compactuando com o criminoso ato perpetrado contra o monumento em memória desse magno vulto da nossa História. E dizemos que a maior parte da chamada “esquerda” está agora reproduzindo essas errôneas acusações contra Borba Gato e compactuando com o aludido crime contra a sua estátua porque há também alguns “esquerdistas” que, ao contrário da maioria, conhecem, ao menos em parte, a verdadeira História do Brasil, assim como respeitam o patrimônio público. Um de tais “esquerdistas” é o ex-Deputado Federal e ex-Ministro Aldo Rebelo, que escreveu em seu perfil no Twitter que esses vândalos são “canalhas, bandidos, assassinos da memória nacional” e que, em vez de escolher como alvo alguma das dezenas de imitações da Estátua da Liberdade espalhadas pelo País, escolheram a obra de um “artista brasileiro, um símbolo da história e da identidade da cidade de São Paulo”. A propósito, o mesmo Aldo Rebelo já proclamara recentemente a necessidade de se fazer justiça aos bandeirantes, [1] homens do passado que não podem e não devem ser julgados pelas lentes do presente e que tiveram papel fundamental na dilatação territorial do nosso Brasil.

Sim, é preciso fazer justiça aos bandeirantes em geral e em particular a Borba Gato, que, aliás, diversamente de alguns outros bandeirantes, nunca participou de qualquer uma das chamadas bandeiras de caça ao índio, partindo para os sertões sempre em busca de ouro e pedras preciosas, de modo que jamais caçou índios ou negros e muito menos praticou qualquer genocídio, palavra cujo significado, aliás, a maior parte de “nossa” “esquerda” claramente desconhece. E se é fato que Borba Gato teve escravos, como todos os homens de sua posição no Brasil de seu tempo, tal fato não o torna um símbolo do racismo e da escravidão e satanizá-lo e “cancelá-lo” por isso é tão absurdo quanto demonizar e “cancelar” Platão e Aristóteles por terem, em seu tempo e sua sociedade, julgado a escravidão como algo natural. Por fim, igualmente absurda é a condenação de Borba Gato por atos de outros bandeirantes, como as já mencionadas bandeiras de caça ao índio e os ataques a missões jesuíticas.

Os criminosos que ontem atearam fogo à estátua do bandeirante Borba Gato distribuíram papéis com a seguinte pergunta: “Você sabe quem foi Borba Gato?”. É a essa questão que ora procuraremos responder, buscando assim dar nossa humilde contribuição à luta para que um dia seja feita justiça a essa nobre figura da História Pátria.

Quem foi Borba Gato?

Descobridor das minas de ouro de Sabará e principal comandante dos paulistas na chamada Guerra dos Emboabas, esse “ilustre Manuel de Borba Gato” de que nos falou o historiador Affonso D’Escragnolle Taunay, em sua monumental História das bandeiras paulistas, [2] foi, sem sombra de dúvida, não apenas um personagem fundamental da História das bandeiras, de São Paulo e da descoberta, conquista e povoamento de Minas Gerais, como um dos personagens mais importantes de toda a nossa História.

Filho de João de Borba Gato, açoriano da Ilha Terceira, e da paulista e santamarense Sebastiana Rodrigues Paes, esse “paulista de alto mérito” foi, nos dizeres de Francisco de Assis Carvalho Franco, “um extraordinário desbravador de sertões, descobridor de minas e hábil administrador nos primeiros anos das Minas-Gerais”, que devem considerá-lo “como um dos seus maiores vultos desse período”, assim como “foi notável figura de equilíbrio na guerra dos emboabas”. [3]

Nascido em São Paulo do Campo de Piratininga, mais precisamente em Santo Amaro, que somente em 1832 se tornaria município, assim permanecendo até 1935, quando voltaria a fazer parte do Município de São Paulo, Manuel de Borba Gato era neto de João Paes e Suzana Rodrigues, que doaram para a capelinha do povoado uma pequena imagem de madeira de Santo Amaro, padroeiro dos agricultores. O nome logo se estendeu à região, que passou a ser conhecida pelo nome de Santo Amaro. [4] Segundo Maria Helena Petrillo Berardi, Borba Gato descendia também dos dois primeiros povoadores de Santo Amaro, a saber, Pedro Dias e sua esposa Terebé, filha do Cacique Tibiriçá, batizada com o nome de Maria da Grã. [5] Em nossas pesquisas genealógicas, contudo, verificamos que ele realmente descendia, pelo lado paterno, de Pedro Dias, mas não de Terebé, e sim de Antônia Gomes, com quem aquele se casou depois da morte da primeira esposa.

As Bandeiras no sertão

Casado com Maria Leite, filha de Fernão Dias Paes, o heróico “caçador de esmeraldas”, a quem Olavo Bilac dedicou um dos mais magníficos poemas épicos da nossa Literatura e da nossa Língua [6] e sobre quem Hernâni Donato escreveu um belo romance histórico, [7] Manuel de Borba Gato acompanhou o sogro aos sertões de Sabarabuçu, de 1674 a 1681, quando este faleceu, [8] julgando haver encontrado as suas tão sonhadas esmeraldas, mas na verdade tendo encontrado apenas turmalinas.

No ano de 1682, por ocasião da ida àqueles sertões do administrador das minas, D. Rodrigo de Castelo Branco, teve Borba Gato desinteligências com esse delegado d’El-Rei de Portugal, que acabou assassinado, segundo o Governador do Rio de Janeiro, D. Duarte Teixeira Chaves, numa tocaia na estrada, não se sabendo quem seriam os seus matadores, enquanto Pedro Taques sustentou que o delegado régio pereceu por ter sido atirado de uma cata abaixo por Borba Gato, com quem se altercara, e, de acordo com outra versão, teria sido abatido a tiros por dois pajens do bandeirante quando se altercava com este. [9] Em razão desse trágico evento, foragiu-se Manuel da Borba Gato para o sertão do Rio Doce, [10] e, no ano de 1699, segundo Bento Fernandes, apareceu novamente em São Paulo, aí se encontrando com o Governador Artur de Sá e Menezes e solicitando a este o perdão régio a troco do manifesto de minas de ouro de tal vulto que serviriam de grande aumento dos quintos reais. Uma vez anistiado, cumpriu ele a promessa e dentro em breve do local por ele assinalado saíam inúmeras arrobas do mais puro ouro. [11]

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Segundo narrou o Padre Andreoni, foi Borba Gato o primeiro descobridor de ouro no Rio das Velhas e na Serra de Sabarabuçu, donde logo tirou cinquenta arrobas desse valioso metal. [12]

Administrador e líder

Por provisão de 6 de março de 1700, foi Borba Gato nomeado guarda-mor do distrito de Rio das Velhas, e, por provisão de 9 de julho de 1702, superintendente das minas do mesmo rio. Nos anos seguintes, Borba Gato, que recebeu diversas sesmarias e uma carta régia pelos serviços prestados à Coroa e ao Bem Comum, ocupou diversas vezes a superintendência geral da minas e foi provedor dos defuntos e ausentes e administrador das estradas. Foi sempre extremamente rígido no cumprimento dos deveres e os contrabandistas só tinham um receio, o de encontrá-lo no caminho. [13]

Em 1708, quando recrudesciam as tensões entre os paulistas e os chamados emboabas na região das minas, tentou Borba Gato apaziguar a situação, [14] mas todos os seus esforços nesse sentido foram baldados. Estourou então a chamada Guerra dos Emboabas, em que os paulistas tiveram em Borba Gato seu máximo líder.

Em sua História secreta do Brasil, Gustavo Barroso enalteceu “o heroísmo bandeirante”, que, “além de conquistar e definir o amplo território” brasileiro, achou o ouro das Gerais, de Goiás e de Mato Grosso e também os diamantes, [15] vendo na heróica luta dos bandeirantes paulistas contra os emboabas um cunho nativista [16] e uma reação de nobres e bravos guerreiros contra mercadores e mascates, que, por fim, com sua organização, seu dinheiro e suas traições, acabaram por triunfar contra os guerreiros paulistas. [17]

Bandeirante que se conta entre aqueles de maior prol, Manuel de Borba Gato faleceu, segundo Diogo de Vasconcelos, no ano de 1718, quando exercia o cargo de juiz ordinário da Vila de Sabará, contando cerca de noventa anos de idade, afirmando o mesmo historiador que ele foi sepultado na capela de Sant’Ana, no chamado Arraial Velho do Rio das Velhas. [18]

Herói do Brasil

Fechemos este artigo. Homem de seu tempo e que assim deve ser julgado, Manuel de Borba Gato provavelmente não foi santo, mas inegavelmente foi um herói a quem São Paulo, Minas Gerais e o Brasil muito devem. É, pois, dever de todo verdadeiro patriota e nacionalista na acepção sadia, equilibrada e construtiva do vocábulo lutar para que lhe seja feita justiça e para que o monumento do escultor Júlio Guerra em sua homenagem seja restaurado e protegido para não ser alvo de novos ataques de vândalos inimigos de Deus, da Pátria e da Família.

Por Cristo e pela Nação!

Victor Emanuel Vilela Barbuy
Secretário Nacional de Assuntos Jurídicos da Frente Integralista Brasileira.

Notas:

[1] Justiça aos bandeirantes. Disponível em: https://osdivergentes.com.br/outras-palavras/justica-aos-bandeirantes/.  Acesso em 25 de julho de 2021.

[2] História das bandeiras paulistas, Tomo I, São Paulo, Edições Melhoramentos, s/d, p. 218.

[3] Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, Belo Horizonte, Itatiaia, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), 1989, p. 182.

[4] Cf. Maria Helena Petrillo BERARDI, Santo Amaro (Série História dos bairros de São Paulo, IV), São Paulo, Prefeitura Municipal-Secretaria de Educação e Cultura, 1969, p. 27.

[5] Idem, p. 28.

[6] O caçador de esmeraldas, Edição fac-similada, Rio de Janeiro, Rocco, 1951.

[7] O caçador de esmeraldas, 1ª edição, Rio de Janeiro, Nórdica, 1980.

[8] Cf. Francisco de Assis Carvalho FRANCO, Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, cit., loc. cit.

[9] Cf. Affonso D’Escragnolle TAUNAY, História das bandeiras paulistas, cit., p. 166.

[10] Cf. Francisco de Assis Carvalho FRANCO, Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, cit., loc. cit.

[11]  Cf. Affonso D’Escragnolle TAUNAY, História das bandeiras paulistas, cit., p. 218.

[12] Cf. Francisco de Assis Carvalho FRANCO, Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, cit., loc. cit.

[13] Idem, loc. cit.

[14] Cf. Affonso D’Escragnolle TAUNAY, História das bandeiras paulistas, cit., pp. 259-261.

[15] História secreta do Brasil, Primeira parte (do descobrimento à abdicação de D. Pedro I), 2ª edição, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1937, p. 113.

[16] Idem, p. 104.

[17] Idem, p. 102.

[18] Cf. Francisco de Assis Carvalho FRANCO, Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil, cit., loc. cit.

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Renato José Lima Trevisan

Muito bom artigo!

Jonas de Mesquita

Excelente texto! Anauê!

Luciano Costa

Excelente artigo! Conheci, a dois anos atrás, a casa que pertenceu à sua família, na cidade de Pitangui- MG, região centro oeste, onde hoje mora uma ex-namorada. Pitangui tem mais de trezentos anos.

Admar

Esta é a educação Paulo Freire e seu IGNOBEIS entusiastas se não fossem os bandeirantes o território nacional seria muito pobre e pequeno ,lembrem se do tratado de Tordesilhas.
Esta esquerda é de uma ignorância absurda!!!

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