
Entre todas as acusações contra o Integralismo “à luz da Doutrina Católica”, nenhuma teve mais repercussão que a de Orlando Fedeli. É dela que partem boa parte das acusações de católicos contra o Integralismo nos dias de hoje. Ao mesmo tempo, é a acusação mais medíocre e insustentável que já recebemos neste setor. Por isso, em 2019, lançamos uma resposta através das redes sociais. Agora (especialmente após termos todas as nossas contas e páginas do Facebook suspensas, em 2021), republicamos nossa resposta, muito melhorada. Fizemos acréscimos consideráveis, incluímos referências a cada citação, revisamos e corrigimos muitas informações. As respostas integralistas a Orlando Fedeli se completam com o nosso artigo Orlando Fedeli e a Vida de Jesus, publicado há poucos meses.
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Não é de nossa intenção combater o Prof. Fedeli. Os autores são católicos: reconhecemos muita validade no combate de Fedeli aos inimigos internos e externos da Igreja. Nos atemos tão somente às suas críticas desarrazoadas a Plínio Salgado e à Doutrina Integralista, da qual aquele foi o fundador. Também não entramos aqui no mérito da obra Vida de Jesus, atacada injustamente pelo Prof. Fedeli [veja-se nosso artigo especial a respeito].
Uma defesa mais minuciosa e extensa do Integralismo diante da Fé Católica deve sair em breve. Temos preparado seu texto há, pelo menos, 2 anos. [É o artigo O católico pode ser integralista?, já disponível.]
Esperamos oferecer uma resposta razoável, não ao saudoso Prof. Fedeli, que já não está mais entre nós, mas a todos aqueles que creem em suas palavras, a fim de fazer justiça à memória de Plínio Salgado e à grandeza do integralismo.
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O texto do Prof. Fedeli nasce de um pecado original: o desconhecimento absoluto da Filosofia de História ensinada por Plínio Salgado.
Plínio Salgado define a História como “a crônica do desenvolvimento e da transformação do Espírito dos Povos numa aspiração de perfectibilidade”, em busca do “Absoluto”, que é “repouso inatingível” (coisa inconcebível pro positivista). Logo após tratar do evolucionismo, do hegelianismo e do individualismo carlyleano, Plínio estabelece: “Nenhum desses critérios aprecia a jornada ininterrupta do Espírito [!] e ela me parece tão evidente como a transformação das Espécies”. [1]
Que é o dito hegelianismo de Plínio Salgado? Vimos já que, para ele, é, em história, um critério incompleto. O que significa ser “hegeliano”?
Trata-se de uma absoluta concepção dialética da história, como ele dá a indicar, acusando o Integralismo de “dialético”? Se assim for, a acusação é absolutamente insustentável. Bastará o fato de que a Primeira Humanidade — que está num contexto evolucionista, segundo Fedeli — não se encaixa em qualquer dinâmica dialética — a Segunda Humanidade é a tese, a Terceira a antítese, a Quarta a síntese… e a primeira?
E, em nota de rodapé à Quarta Humanidade, logo após uma operação dialética em sua narrativa, Plínio Salgado comenta:
Não vai nesta frase uma subordinação a Hegel. A dialética hegeliana é ainda, como as ‘verdades’ do século XIX, uma verdade parcial. Do mesmo modo como a lei de Newton não fica destruída, mas contida no relativismo de Poincaré e de Einstein, também a dialética de Hegel é um dos numerosos aspectos que o século XX totaliza, num esforço criador de sínteses integrais, supercompreendendo todos os processos de movimentos num grande sistema universal. [2]
Como nos diz, ainda em A Quarta Humanidade, Plínio Salgado, a lógica de Hegel “não é mais do que uma nova expressão dinâmica de antigos conceitos estáticos”, e cujo mundo o século XX, tendo uma maior capacidade de compreender os “conjuntos de movimentos”, coloca em “seu lugar exato, como um trecho apenas das expressões totalitárias do universo”, e, a esse tempo, “a tradição aristotélica está de pé”. [3] Afinal, embora a lei da contradição seja “imperativa como condição de movimentos”, nem tudo “se reduz à lei da contradição, como querem os fanáticos da teoria de Hegel. Porque tudo se subordina, em ultima ratio, a uma lei de harmonia”. [4] A “dialética de Hegel”, pois, tem “um caráter marcadamente século XIX”. Hoje ela “cede lugar a uma nova concepção dos movimentos”. [5]
Hegel, que “trazia as mais graves e surpreendentes consequências”, era fruto do ressurgimento no século XIX da “própria tendência ao materialismo helênico”, [6] e dir-nos-á na carta Direitos e Deveres do Homem que a dinâmica interminável de sua dialética nos levaria “até as extremas consequências da transformação social”. [7] É por isso que, em grande parte de suas obras de filosofia política, Plínio Salgado traz uma genealogia do materialismo moderno, cujo ponto de partida estabelece no idealismo de Hegel — onde traça, ainda, as fontes do nazismo. Seria tarefa das mais árduas listar todas essas obras: bastará, portanto, mencionar a própria A Quarta Humanidade.
Se “nós temos de reatar a tradição do idealismo”, ela não tem nenhum espaço senão “concebendo o mundo social como uma expressão mesma do desenvolvimento das ideias puras, atuando sobre as ideias-fatos”, e é necessário que esta atuação vá apenas até o “limite assinalado ao arbítrio do Espírito Humano” [8]. E mais: se “o único sentido totalitário do Universo”, para “nós, realistas”, [9] “é ainda aquele ao qual nos ligamos: o pensamento de Aristóteles”, [10] é preciso não tirar do idealismo “as conclusões unilaterais baseadas no absolutismo da Ideia”. [11]
E isso porque, enquanto o “mundo-ideia” “pertence aos idealistas, de um modo geral”, e o “mundo-fato” “pertence aos evolucionistas, aos materialistas históricos, aos deterministas”, aqueles que seguem o “critério realista” (“nós, realistas”) buscam “conciliá-los”. [12]
Eis porque diz Plínio (A Quarta Humanidade) que o idealismo tende a se aproximar do realismo “das correntes espiritualistas, cuja expressão dominante é a neo-escolástica”. Ora, Plínio é espiritualista, segundo lemos em O que é o Integralismo e A Quarta Humanidade. Por isso, é realista e escolástico, não idealista. [13]
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As filosofias do positivismo e do evolucionismo (que o Prof. Fedeli acusa em outra carta de ser o próprio motivo de o “integralismo” se chamar “integralismo”, [14] coisa completamente absurda e inaceitável a quem tenha lido qualquer obra sobre a Doutrina Integralista), todos eles expressões magnas da Terceira Humanidade — que adotou a palavra “evolução” como palavra mágica, como destaca Plínio Salgado —, não deixam de ser unilaterais, dentro da própria fórmula que caracteriza o tipo particular do século XIX.
Plínio Salgado escreve: “O progresso do Espírito Humano realiza-se ao ritmo das Revoluções”. [15] Mais adiante: “O Homem é […] autônomo e criador, capaz de interferir e modificar aspectos da Natureza e da Sociedade”. [16] No capítulo III de sua Psicologia da Revolução, entra a fundo no que seja o tema revolucionário, enunciando: “As revoluções [são a] interferência da Ideia-Força no sentido da recomposição de um equilíbrio social”; [17] são “o direito do espírito de intervir no desenvolvimento das forças materiais da sociedade, recompondo equilíbrios segundo um pensamento de justiça”. [18]
Ora, quão distante estamos daquela concepção do evolucionismo, que considera a sociedade enquanto movimento espontâneo (Evolução), fazendo tábula rasa da interferência do Espírito na marcha dos acontecimentos (Revolução). [19] E, parafraseando Farias Brito (Finalidades do Mundo), sublinha: “A noção mesma da evolução pode ser admitida em certo sentido. O que não pode ser admitido é a teoria da evolução como concepção do mundo; o que não pode ser admitido é a interpretação da natureza pelo princípio da Evolução”. [20] A obra da “Psicologia”, dessa maneira, que Plínio Salgado consideraria ainda em 1974 a “obra básica de meu pensamento” [21] e que foi com efeito o primeiro livro integralista a ser publicado, nascia no sentido de erguer uma construção conceitual capaz de responder as teorias evolucionistas. Assim, quem diz que Plínio Salgado pudesse ser evolucionista desconhece todos os conceitos e pautas de sua obra mais importante, desconhecendo, destarte, o próprio Plínio Salgado.
Eis porque Plínio Salgado escrevia, em Psicologia da Revolução, que o Estado Integral “nada tem a ver […] com o evolucionismo transformista que só considera o desenvolvimento das formas, não considerando a essência espiritual do homem”. [22]
A Quarta Humanidade, em cujo mérito pretendemos adentrar mais adiante, é essencialmente revolucionária, e não o produto espontâneo das reações mecânicas da natureza em sua marcha histórica. Por isso, apesar da pressão do meio físico impondo as condições que permitam a intromissão do livre-arbítrio no sentido da Quarta Humanidade (e isso lemos na parte I da Psicologia da Revolução), o que Plínio Salgado faz é concitar os jovens a construir no Brasil uma nova civilização. A Quarta Humanidade é um ensaio que, não fazendo profecia do rumo normal da história, é convidativo e revolucionário: quer interferir na marcha da História pela interferência deliberada do Homem. Isso lhe permite dizer: “No Brasil, o homem […] desfralda a bandeira do Sigma. Essa bandeira afirma a suprema síntese e desdobra-se num largo sentido humano e universal” — a Quarta Humanidade. [23] Um produto da bandeira desfraldada pelo homem.
Aliás, era exatamente essa sua grande resposta ao marxismo: o marxismo nascia evolucionista, proclamando em bom tom que a evolução das forças materiais levaria à sociedade comunista; mas, a partir de Lênin, tornou-se militante, operando processos revolucionários de interferência no curso da sociedade: “[A obra do marxismo] se opõe à sua própria tese porque exprime a insurreição do pensamento contra o processo natural da evolução capitalista. O marxismo interfere na história e golpeia uma civilização. E, em 1918, Lênin demonstra objetivamente o valor da Ideia, chocando-se com a marcha normal da história”. [24] Isso, segundo ele, porque o materialismo evolucionista é inválido, negando os “impositivos do Espírito”, que são uma realidade. Sua grande crítica ao marxismo era, portanto… uma crítica ao evolucionismo.
É por isso que, em entrevista publicada em 25 de março de 1935 no Diário de Notícias, O Integralismo na Inteligência Brasileira, chamando Darwin e Lamarck de “animalizadores da criatura humana”, Plínio Salgado afirma taxativamente: “Somos uma revolução que se opõe ao que o século XIX chama evolução”.
Nenhuma palavra será suficiente para demonstrar a nossa estupefação pelo fato de que Orlando Fedeli tenha, sinceramente, acusado Plínio Salgado de evolucionista. É absolutamente impossível acreditar, com isso, que Fedeli tenha lido qualquer um de seus livros.
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É por esse pecado original sobre o evolucionismo que Fedeli faz parecer que em algum momento Plínio Salgado gloriasse a Terceira Humanidade. Pelo contrário: para ele, essa “cruel civilização” [25] é verdadeira tragédia. Não houve uma evolução positiva de uma para outra: houve uma involução, uma revolução moralmente negativa.
“Que doloroso quadro o dessa triste humanidade!” [26]
“Sobre a Terra inflamada de ódios comburentes, perpassa o gemido do Homem! Atravessando os espaços planetários, a Terra leva consigo, pelos roteiros gelados do Infinito, a tragédia do Pensamento e o desespero dos corações. É a flor da vida, que sobre os escombros e as dores de um inverno melancólico, renasce numa misteriosa primavera de angústias…” [27]
É por isso, ainda, que afirme Fedeli que, na Terceira Humanidade de Plínio,
os homens conhecendo pela razão e pela ciência a explicação dos fenômenos naturais destruíram as crenças primitivas e fizeram a idade da razão.
Mas, pelo contrário, pergunta-se Plínio, explicando a Terceira Humanidade:
De que prova rigorosamente científica, parte o materialismo para negar a Deus e ao Espírito? [28]
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Não vamos nos aventurar muito a desmentir as acusações de Fedeli sobre um nazismo de Plínio Salgado: são todas infundadas. Nem Fedeli se propõe a defender o que diz.
Mostraremos, porém, mais uma vez, que Orlando Fedeli não leu o livro criticado. E isso porque em A Quarta Humanidade está escrito:
O Integralismo, pois, no Brasil […] diferente é, por outro lado, não só do racismo alemão, cuja tese da superioridade étnica exprime um prejuízo de cultura […] [29]
Em nosso site, temos uma seção, Fascismo e Nazismo, em que expomos citações de Plínio Salgado e de quase todos os escritores integralistas sobre o nazismo entre 1932 e 1938.
No entanto, suponhamos que ainda assim se insistisse no nazismo de Plínio Salgado. As objeções de Pio XI ao nazismo eram as que seguem: divinização da raça e do sangue e consequente supremacia; sobreposição do Estado à Igreja; perseguição do Estado aos católicos; negação do Direito Natural; subtração da juventude à Família e à Igreja; imanentismo, negação da Providência e negação do Antigo Testamento. [30] Mas Plínio Salgado nunca advogou nada disso.
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Escreve Orlando Fedeli:
Quando Roma uniu o mundo conhecido, fundiu todos os deuses num só. Surgiu então o monoteísmo e a Segunda Humanidade. Jesus Cristo seria a fusão de Zeus, Baco e Venus. Imaginou você blasfêmia e mentira maior?
Mas, se dessa fusão saiu o monoteísmo, não entendemos por que Plínio Salgado escreveria, usando o método da distinção das três humanidades, em Vida de Jesus, livro que Fedeli tanto e mais extensamente criticou, e, vê-se mais uma vez, sem ler:
O monoteísmo judaico era a verdade essencial, o conhecimento fundamental […]. Todos os erros, todas as loucuras [do politeísmo] não seriam sinais reveladores de uma verdade imortal? Uma verdade de múltiplos efeitos, que o Homem perdeu na sua queda e que o Cristo vinha restituir pela obra da Redenção?
O politeísmo não era o Homem no desamparo e procurando por si mesmo a interpretação do Universo e de si próprio? [31]
É evidente que Plínio Salgado não entendia houvessem ou tenham havido deuses além do Deus Uno e Trino. E torna-se, a nós, muito mais evidente quando lemos, em A Quarta Humanidade — leu-o Fedeli realmente? —, que “o totem traz consigo uma interpretação da ideia revelada quando o Homem ainda não se havia degradado em consequência do pecado original”. [32]
E escrevia, também em Primeiro, Cristo!, sobre o paganismo:
Decaído da Graça, o Homem procurava na interpretação politeísta da natureza, o segredo do seu destino além da morte.
Na dissolução dos costumes conservavam os pagãos uma crença dos deuses, qualquer coisa como reflexos do verdadeiro Deus que lhes ainda não fora revelado. [33]
Dizia o Pe. Ludovico Kauling com maior extensão do termo “fusão” da Segunda Humanidade que esta era a “fusão de todos os planos epistemológicos”. [34] A Segunda Humanidade não “funde” quaisquer deuses senão do ponto de vista epistemológico e humano. É notável que, no plano estritamente humano, na consciência religiosa, os multíplices deuses, as multíplices causas, viravam Um. Esse fato é perfeitamente reconhecível e uma importante assertiva de psicologia histórica.
A distorção do que diz Plínio Salgado sobre o paganismo, esta religião de “deuses falsos”, como nos diz o próprio autor, [35] é a prova mais cabal das más intenções do crítico Fedeli.
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Fedeli continua:
Plínio […] pretendia trazer para o mundo a Quarta Humanidade, a Humanidade Integral, isto é, a somatória de todas as idades anteriores, ecumenicamente reunidas sob o comando integralista que dialeticamente admitiria o sim e o não, o marxismo e o nazismo, o socialismo e o capitalismo, o internacionalismo e o nacionalismo ufano da antropofagia [refere-se, aqui, ao Movimento Antropofágico da Semana de Arte Moderna de 1922; desconhece, porém, que, insurgindo-se contra a antropofagia, Plínio Salgado fundou dois movimentos literários opostos…].
A Quarta Humanidade é a humanidade da somatória? Ora, no arcabouço conceitual pliniano, a idade da somatória é, como o próprio Fedeli reconhece anteriormente em seu texto, a Primeira Humanidade: a “mera adição dos conhecimentos”, na palavra do Pe. Ludovico, que esclarece que, caracterizando-se pela síntese, a Quarta Humanidade esforça-se “para chegar a um conhecimento total, integrando e não suprimindo os aspectos do problema”. [36] A Quarta Humanidade é a idade do método integral, em que todas as causas e os fenômenos são totalizados, uns em relação aos outros, numa síntese social. Da dispersão da Soma, passa-se à unidade da Síntese. Muito claro está isso na própria ideia central de A Quarta Humanidade.
Eis porque Plínio Salgado diz (na mesma Quarta Humanidade) que a ação do Integralismo, diante das filosofias do século XIX, é “delas aproveitar os fragmentos de verdade”, considerando-as “simples anotações subsidiárias ao novo pensamento construtor”. [37]
Esse pensamento, a propósito, está muito claro no romance O Cavaleiro de Itararé, de 1933:
Tudo o que você viu não é verdadeiro, embora contenha a verdade. Pois a mentira se caracteriza exatamente pela incapacidade de ser absoluta. Ela se funda sempre em fragmentos da verdade. A verdade é a matéria-prima da mentira. [38]
Diz o professor Fedeli no texto supracitado que a Humanidade Integral caracteriza-se pela admissão dialética do Sim e do Não. Esse absurdo só pode vir do completo desconhecimento da obra A aliança do Sim e do Não, de Plínio Salgado, onde se diz: “Erguemo-nos para proclamar um sentido nítido e definitivo da vida. […] Para separar o trigo do joio, a luz das trevas, rompendo corajosamente com os deprimentes compromissos de uma mentalidade que se caracteriza pelo conúbio aviltante da afirmação e da negação, do Sim e do Não”. [39] “São chegados os tempos de nos erguermos por Cristo como se ergueram os anunciadores do Anticristo, optando definitivamente, ou pelo Sim ou pelo Não. […] Queremos dizer um basta a toda essa confusão de afirmar ou negar. Sermos de Cristo ou de Satanás, mas definirmo-nos de uma vez por todas”. [40]
Miguel Reale é meridiano quando diz: “[chega-se] ao absurdo de separar duas verdades só porque uma foi defendida por Santo Tomás e a outra por Karl Marx”. [41] O que se busca é o conhecimento integral da realidade, considerando todas as contribuições dos pensadores desorientados dos últimos séculos.
Essa é a técnica de Santo Tomás, que buscou nos gregos e nos árabes os subsídios da verdade, sem “somar” uns e outros. A síntese integralista precede ontologicamente todas as partes. Sobre o pensamento integralista, cabe dizer o mesmo que disse o Padre Leonel Franca sobre o tomismo:
O tomismo não é um ecletismo, é um sintetismo. O sintetismo compõe, o ecletismo justapõe. O respingador eclético arvora em princípio a coexistência e a correção mútua de doutrinas irredutíveis; o gênio sintético, após um longo trabalho de reflexão e elaboração pessoal feito à luz da verdade absoluta dos grandes princípios, caldeia de um jato toda a estrutura solidamente compacta de seu sistema. Lá uma seleção de ideias que se agregam por vínculos externos e postiços; aqui, um trabalho criador do pensamento que, utilizando elementos aparentemente heterogêneos, sabe fundi-los na integração homogênea da verdade. No ecletismo a inteligência descobre um destes agregados artificiais, um destes seres de unidade casual ou fortuita — unum per accidens; no sintetismo achamo-nos em presença de um ser essencialmente uno, como um organismo vivo, unum per se. [42]
E Dom Alexandre Amaral, futuro Bispo de Uberaba, apreciando em 1937 as acusações de Dom Gastão Liberal Pinto e Plínio Corrêa de Oliveira, escrevia, sobre o mesmo erro que Fedeli cometeria depois:
A síntese que faz o Integralismo não é ecletismo, porque é retorno ao sentido totalitário, que precede o esfacelamento e não vice-versa. Uma coisa é voltar ao todo primitivo unindo as partes desmembradas posteriormente, a outra, querer fazer das partes que precedem, o todo que é posterior. Do contrário, seria impossível refutar a objeção racionalística, que vê na doutrina católica um ecletismo das verdades esparsas nas outras religiões. Não seriam antes estas as deturpações daquela? [43]
A distinção fundamental entre “integração” e “ecletismo” teve especial atenção tanto por Plínio Salgado quanto por Gustavo Barroso e Miguel Reale, que estudou profundamente, em O Estado Moderno (obra parafraseada por Fedeli), a síntese, a integração e a análise. [44] O ecletismo, para Plínio Salgado, é “uma expressão de inferioridade intelectual e moral”. [45]
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Em correspondência ao ex-Presidente da Frente Integralista Brasileira, o Dr. Victor Emanuel Vilela Barbuy, Orlando Fedeli o desafiava a provar que a Quarta Humanidade seja uma síntese, e não uma soma (!), como forma de refutá-lo. O desafio era inacreditável. Lamentavelmente, essa correspondência precedeu em pouco o seu falecimento: e, assim, o próprio nunca pôde retificar seus comentários originais.
E em que resultará essa síntese, segundo o próprio prefácio de Plínio Salgado à Quarta Humanidade, obra que, prova-se mais uma vez, Fedeli nunca leu? O que sairá desse “amálgama”, dessa Humanidade que pegará o nazismo, o marxismo, o ateísmo, o paganismo e tudo o mais? Qual será, enfim, o produto da “somatória de todas as idades anteriores, ecumenicamente reunidas”?
Será — diz o prefácio — “uma Nova Humanidade em que se realiza o ‘Homem Integral’ penetrado no sentido profundo do Cosmos, como a Primeira Humanidade; iluminado pelo Verbo Divino, como a Segunda; Senhor dos elementos, como a Terceira”. [46]
Por si só, esta passagem desmontaria todas as acusações que fossem feitas à obra. Essa é toda a síntese de Plínio Salgado. Diante da Terceira Humanidade, o que o Integralismo faz é se aproveitar do “subsídio de conhecimentos naturais”. [47]
Não negamos a possibilidade de se discutir a teoria da Quarta Humanidade, importante contribuição para a Filosofia Perene segundo o Pe. Ludovico Kauling, [48] teoria nunca abandonada por Plínio Salgado, que, ainda em 1974, considerava-a algo “oportuníssimo para os dias atuais”. [49] O que se contesta é a malícia.
E esperamos que, com estas linhas, mais brasileiros possam ler e compreender, bem-compreender, a Quarta Humanidade, fora das grades mentais de toda a sorte de toscos anti-integralistas que pululam no futuro Império do Último Ocidente.
Matheus Batista
Coordenador de Propaganda e Editor-Chefe de Redes Sociais da Frente Integralista Brasileira
Referências:
[1] Plínio Salgado. Psicologia da Revolução [de agora em diante PR]. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1953. p. 15.
[2] Plínio Salgado. A Quarta Humanidade [de agora em diante QH]. Obras Completas: 5. São Paulo: Editora das Américas, 1955. p. 36.
[3] QH, 91.
[4] Ibid., 25.
[5] Plínio Salgado. Capitalismo e comunismo (artigo publicado em 1934). In: Madrugada do Espírito. Lisboa: Pro Domo, 1946. pp. 98-99.
[6] QH, 90.
[7] Plínio Salgado. Direitos e Deveres do Homem. Obras Completas: 5. São Paulo: Editora das Américas, 1955. p. 237.
[8] PR, 145.
[9] Ibid., 146.
[10] QH, 102.
[11] PR, 145.
[12] Ibid., 173-176.
[13] QH, 91.
[14] “O movimento se chamava integralismo, porque ele aceitava uma concepção evolucionista da História”.
[15] PR, 13.
[16] Ibid., 22.
[17] Ibid., 31.
[18] QH, 78.
[19] PR, 57.
[20] Ibid.
[21] Plínio Salgado. Discursos parlamentares [de agora em diante DP]. Perfis Parlamentares: 18. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. p. 308.
[21] PR, 56.
[22] QH, 78.
[23] PR, 14.
[29] QH, 83.
[30] Mit Brennender Sorge.
[31] Plínio Salgado. Vida de Jesus [de agora em diante VJ]. Lisboa: Editorial Ática, 1945. p. 404.
[32] QH, 21.
[33] Plínio Salgado. Primeiro, Cristo!. Obras Completas: 6. São Paulo: Editora das Américas, 1955. p. 141.
[34] Padre Ludovico Kauling. In: Cônego Emílio José Salim. Sciencia e Religião [de agora em diante SR]. II. Rio de Janeiro: Escolas Profissionais Salesianas, 1937. p. 167.
[35] VJ, 422.
[36] SR, loc. cit.
[37] Ibid., 86-87.
[38] Plínio Salgado. O Cavaleiro de Itararé. Tomo II. Obras Completas: 14. São Paulo: Editora das Américas, 1955. pp. 39-40.
[39] Plínio Salgado. A Aliança do Sim e do Não. Obras Completas: 6. São Paulo: Editora das Américas, 1955. p. 72.
[40] Ibid., 82-83.
[41] Miguel Reale. O Estado Moderno. Obras Políticas: II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983. p. 42.
[42] Padre Leonel Franca, A História da Filosofia na Doutrina de S. Tomás de Aquino, in Revista de Cultura, Ano I, n. 5, maio de 1927.
[43] Apreciação das “Impressões sobre a Ortodoxia da Doutrina Integralista perante a Igreja Católica”, de S. Excia. Revma. D. Gastão Liberal Pinto. Fundo Plínio Salgado, 103.007.016, pp. 11-12.
[44] Em Psicologia da Revolução e Palavra nova dos tempos novos, Espírito do século XX e O Estado Moderno, respectivamente.
[45] Plínio Salgado. Política e Administração. In: A Razão, São Paulo, 27 de setembro de 1931.
[45] QH, 11.
[46] QH, 78.
[47] SR, loc. cit.
[48] DP, loc. cit.