
A disputa surge num grupo integralista, com a seguinte pergunta: “Pode o ateu ser integralista?”. A gravidade da questão é de mais nobre consideração, a saber, Metafísica.
O ensaio será separado em três questões: 1) O que é Deus? 2) Todo mundo possível implica um Deus? 3) Sendo ou não possível um mundo sem Deus em plano real, como seria um hipotético mundo sem Deus?
O que é Deus?
Todos temos uma vaga ideia de Deus, normalmente personificado na figura de algo antropomórfico, ou até mesmo um homem (no caso de Jesus). Mas estas noções esgotam a definição de um Deus? Com certeza não.
A noção de Deus, metafisicamente falando, é de um Ser que tem autoridade máxima, que se estende até tudo, um Ser que esgota as perfeições, que transcende a realidade, que nem pode ser conhecido plenamente por mentes imperfeitas como as que existem na criação. Tanto é essa transcendência, que Deus não é o Ser, como muitos pensam, Deus antecede o Ser, Deus é o Uno, o Absoluto, Ele é indivisível e indizível. Ou seja, Deus é um Ser transcendente, que revela certos atributos na sua criação (assim como se pode descobrir a identidade de um autor pela obra de arte). O problema aqui tratado irá girar ao redor desta noção de Deus e de Ser.
Não pretendo discorrer mais sobre atributos de Deus, pois, se Deus for considerado algo diferente disso, provavelmente (ou “com certeza”) não é Deus. Em suma, Deus é Perfeito, consequentemente Verídico e Bom. Mesmo que se faça algum jogo de linguagem sobre a relatividade do bom, sobre o bom em x possibilidades, ou coisa do tipo, seria apenas um um problema que não compete à realidade mesma; aqui estamos falando sobre um Deus real, consequentemente objetivo.
Vale dizer, que esse Ser transcendente, apesar de ter identidade (pois tudo que é, é igual a si, mesmo que seja igual a outro; principalmente Deus, que não pode haver outro igual a ele, do contrário teria de haver um Ser superior aos dois, e esse sim seria Deus), não é [necessariamente] identificável. Mas, não significa que não se possa admitir um Deus pessoal, que tenha personalidade revelada; pelo contrário, a bondade de Deus faz com que se assuma a existência de sua face revelada, seja qual for.
Todo mundo possível implica Deus?
Vejamos: todo mundo possível implica Ser, do contrário, não seria mundo. Então o mundo, para existir, mesmo que seja a única coisa que existe (como se tudo encontrasse em uma mesma identidade de mundo), seria ele mesmo, logo, seria. A existência da definição de Ser é algo impossível de não considerar, se existe x e y em um mundo possível, x é x, e y é y; e mesmo que x seja y, x é y e também é x. Ou seja, mesmo que tudo seja relativo, temos que admitir que o relativo é relativo. A noção do Ser é totalmente transcendente, não é possível conhecer algo sem identificar o Ser nesse mesmo algo; pois, se não considerarmos que o que é é, não temos como conhecer o que algo é, já que o “conhecer” é a identificação do ser da (e na) coisa (conhecer o Athos é identificar o Ser-Athos no próprio Athos, ou em algo que simbolize o Athos).
Alguns tendem a dizer que o Ser e o não-Ser são iguais. Bem, isso é evidentemente impossível. Certas considerações acerca do Ser não passam de jogos dialéticos sem correspondência com a realidade. Por exemplo: mesmo que o Ser fosse idêntico ao não-Ser, ele seria, o Ser e o não-Ser simultaneamente, porém isso calharia novamente em o Ser ser puramente o Ser. Resumindo: Mesmo que algo não fosse o que é, ele teria que ser essa negação. Sabemos então, que para a existência de um mundo, e para conhecermos esse mundo, temos que admitir o Ser.
Agora, a suma questão: Deus é o Ser? Não, Deus é diferente do Ser. O que chamamos de Ser, não é propriamente Deus; e o que chamamos de Deus, não é propriamente o Ser. Mas se o Ser é fundamento, e não é Deus, temos a possibilidade de um mundo sem Deus? Não, porque apesar de o que chamamos de Ser não ser o que chamamos de Deus, essa diferença é puramente de Razão.
Deus é aquele identificado como o Uno. O Ser é esse mesmo Uno quando entra em relação com o não-Uno. O que isso significa? Deus é o que chamamos de “Ser-em-si”, termo tão caro para a filosofia. O Ser-em-si e o Uno são idênticos; mas o Ser [puro, e quando digo “puro” me refiro ao fator linguístico], é tudo que existe que é não-Uno. Ou seja, o Uno ou Ser-em-si, é a essência de Deus, no caso, o próprio Deus. Quando esse Deus cria, emana, ou dá forma, ele faz (ou dá) o que chamamos de Ser, que apesar de todas suas qualidades, depende do próprio Uno.
Enfim, tudo isso é um problema de linguagem, já que se tratando da realidade, o Uno e o Ser são idênticos, mudando apenas em uma questão de relação (quando é considerado em relação com a criação, Ele é Ser, fundamento de tudo; quando considerado em si mesmo, é o Uno, transcendente, Ser-em-si). Por fim, sendo impossível um mundo sem o Ser, é também impossível um mundo sem Deus; se admitimos o Ser, temos que admitir que esse Ser pode ser considerado puramente, então admitiremos o Uno, ou seja: Deus!
Após essa consideração (da impossibilidade de um mundo sem Deus se tratando da realidade), temos que considerar o que aconteceria em um mundo sem Deus, mesmo que esse mundo seja um objeto de razão (apesar de que, na mera consideração já lhe daríamos certos atributos como “ser objeto de razão”, “ser um mundo hipotético”, “ser um mundo sem Deus”, etc.).

Sem Deus, não pode haver valor, bem ou dignidade
Como seria um (hipotético) mundo sem Deus?
Imaginemos então um mundo sem Deus, ou seja, sem o Ser. Bem, primeiro que isso é impossível; o que podemos fazer é considerar um mundo em que, dentro desse mundo, o Ser não seria considerado, ou que não teríamos consciência do Ser. Mas essa possibilidade será separada em três partes: Em um nível ontológico, em um nível lógico e em um nível ético.
Em um nível ontológico, a primeira coisa que teríamos é uma não identidade, pois as coisas seriam e não-seriam ao mesmo tempo; isso calharia em: ou tudo é tudo, ou tudo é nada, ou nada é nada. Isso pelo seguinte fator: se não houver identidade, ou qualquer ser é qualquer ser (tudo é tudo), ou qualquer ser não é um ser (tudo é nada), ou não há identidade e consequentemente essa não identidade não dá em nada (nada é nada). Não preciso discorrer sobre o absurdo dessas três hipóteses, prossigamos.
Se reduzirmos isso num absurdo menor, em que os homens considerassem a identidade das coisas por mera conveniência, teríamos uma não diferença entre uma pedra e um animal, pois não haveria nível ontológico. Ou seja, todas as coisas seriam iguais, ótimo, maravilhoso, correto? Não, pois a afirmação “todas as coisas seriam iguais”, não implica serem iguais entre sua própria espécie [como todo homem é igual a todo outro homem], mas iguais a qualquer coisa que exista; todas as pessoas seriam iguais a uma pedra, por exemplo.
Com essas considerações, acho que não preciso aprofundar mais nas consequências ontológicas, pois esse parágrafo anterior, não é nada mais nada menos que uma consideração específica do “tudo é tudo”. Agora, partiremos para a especificação, ou seja, o nível lógico.
Em nível lógico, a desconsideração do Ser calharia nos seguintes absurdos: O princípio de não contradição seria excluído, as coisas seriam e não seriam ao mesmo tempo; o princípio de identidade também seria excluído, como já foi demonstrado. Isso foi exatamente o que falamos nas considerações ontológicas, mas com especificações problemáticas: primeiro, não seria possível nenhuma ciência que não fosse feita por conveniência (e essa conveniência eventualmente tornaria certeza e seria considerado o Ser, enfim, impossível desconsiderar o Ser); segundo, não seria possível pensar nas coisas sem pensar em todas as coisas e sem, ao mesmo tempo, pensar no nada, pois não haveria identidade mesmo a nível de pensamento. No fim das contas, seríamos loucos.
Em nível ético se daria o seguinte: Não haveria valor, não haveria bom, e consequentemente, não haveria conveniente (já que a bondade da coisa, é a conveniência da perfeição da coisa); essa terceira sentença em específico daria no seguinte problema: Nem mesmo por conveniência poderíamos fazer algo, logo, a chance de escapatória (a conveniência) da problemática lógica seria jogada por terra. Além disso, não seria possível dirigir nossa vontade. E mais, a primeira sentença dita é pelo fato de que o valor é a ratio bonum (razão de bem) da coisa; e isso causaria o problema descrito na consideração ontológica, ou seja: O valor da vida humana seria o valor da “vida” de uma mesa; isso mesmo, a “vida da mesa”, pois (voltando à consideração ontológica), como não há hierarquia de graus de Ser, temos que vida, intelecto e simples ser, são todos idênticos.
Essas problemáticas se dão pelo seguinte fator: O Uno cria os transcendentais; o primeiro é o Ser, que dá origem à Verdade, e consequentemente à Bondade. Verdade e Bem são considerações diversas sobre o Ser; a Verdade é o juízo sobre o Ser, e o Bem é a conveniência do mesmo. O Ser puro é objeto das considerações Metafísicas, a Verdade da Lógica, e a Bondade da Ética. Quando se exclui o Ser e as considerações Metafísicas, se exclui a Verdade e as considerações Lógicas que dão origem à certeza, e consequentemente à ciência; também se exclui a Bondade, o Valor e a Beleza, que dão origem à nossa felicidade, à nossa dignidade e nossa elevação.
Logo se conclui que: É impossível um mundo sem Deus!
Athos Fabri
Ipatinga Σ MG