
Por C. Júnior
Vinte horas. Uma noite cheia de luar.
As ruas da cidade começam a ser transitadas pelos camisas-verdes que buscam o seu Templo de Orações Patrióticas [a Sede].
Hoje é dia em que vai ser transmitida [pelo rádio] a Palavra de Ordem do Grande Chefe, para o qual todo vocabulário dignificante da nossa língua já está esgotado. (Quem quiser mais palavras honrosas para defini-lo, que as invente!)
O Núcleo está regurgitando de soldados da Pátria. Nessa mesma casa é a residência do Chefe [Municipal] Távora. Diante de um berço ele sorri para um pequenino ser, com três dias de vida e três dias de fichamento!
— “ALTO! BALA NA AGULHA!” — ruge lá fora uma voz assaz conhecida dos integralistas de Maragogipe, pela sua sigmofobia.
Os camisas-verdes entreolham-se surpresos. Sem haver tempo para quaisquer deduções, assoma ao patamar da escada o Delegado de Polícia, parabelo em punho, acompanhado de praças e capangas, armados até os dentes, que invadem vandalicamente a Sede Integralista e um lar brasileiro!
Os integralistas aguardam ordem do Chefe Távora, pois só a ele reconhecem nesse momento. E o Chefe, cônscio de seus deveres de comandante dos soldados verdes de uma cidade, recomenda calma e prudência a todos os companheiros.
Os assaltantes pedem o evacuamento da sede. O Chefe ordena. Um a um, sem o menor protesto, vão descendo as escadas. Eles ficam abismados diante de tanta disciplina!
Satisfeito esse desejo, os vândalos procedem a devassa, apossando-se indevidamente dos móveis da AIB. Até as bandeiras nacionais são brutalmente arrancadas aos caixões vazios de querosene.
Não contentes ainda com a destruição material da Sede, penetram ostensivamente o quarto do Chefe Távora, com fuzis ameaçadores, onde a mãe integralista aconchega ao seio quente o fruto do seu amor! Com a coragem que Deus sabe dar aos integralistas em todos os momentos, ela, qual heroína que passa sob o fogo da metralha nos campos de batalha para salvar uma criança, permanece serena e impassível, fulminando com seu olhar de mulher ferida no seu orgulho materno, os homens sem coração que barbaramente violam a santidade do lar!
E o Chefe silencia! E eles mais irascíveis se tornam!
Cerca de 80 metros da Sede, os integralistas aguardam disciplinadamente, os resultados do assalto.
Ao meu lado, Fernando Andrade [noivo, de 19 anos], como os demais, não pode conter sua revolta. Mas, à lembrança da Palavra de Ordem do Chefe, silencia. E eu vejo lágrimas nos olhos dos camisas-verdes.
Vai passando o cortejo das “presas de guerra”: mesas, retratos, bandeiras, etc…
O nosso protesto solene se faz ouvir pela voz do silêncio. A mudez dos nossos corações só é perturbada pelas lágrimas dos homens, mulheres e crianças, chorando pela Pátria!
Isso os irrita. A sede de sangue chega ao auge na soldadesca desenfreada. A mesma voz que deu início ao saque, brada: “FOGO!”. Imediatamente desencadeia-se tremenda fuzilaria sobre os camisas-verdes, inermes e pacíficos.
Junto a mim, cai Fernando Andrade. Julgo-o safando-se das balas traiçoeiras. Consigo escapar. Fora de perigo, sinto que minhas vestes estão manchadas de sangue. Fernando estava morto! Numa noite enluarada, tombava mais um soldado pela grandeza da Pátria!
E assim, com o sangue de um seu filho, Maragogipe escreveu a primeira página gloriosa do capítulo que lhe está reservado na História do Brasil Integral.
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Por Carmela Patti Salgado
Removido o cadáver, transferido para a sua residência, repousa o nosso destemido mártir na câmara ardente, envergando a sua simbólica Camisa Verde, velado pela família e pelos amigos.
Na Bahia, se em vida não era lícito o uso da Camisa Verde, muito menos o seria em morte! E a polícia, sabedora de mais este desacato às suas irrevogáveis determinações, incontinente se dirige para o local onde aquele recalcitrante teimava em desobedecer-lhe, não satisfeito de haver já perdido a própria vida. Urgia arrancar-lhe a camisa verde do corpo inanimado…
Reproduzindo-se a façanha audaz de Soror Joaquina Angélica, que caiu varada a baionetas no portão do mosteiro em defesa da honra das donzelas à sua direção, a irmã de Fernando de Andrade corre para a porta, abre-a de um ímpeto e, inflamada de dor, qual figura leonina ali se detém. Leva a mão ao peito, a fim de conter o coração a se lhe estraçalhar de dor. Sua figura impressiona: os olhos chamejantes, fixos, vidrados, a lhe queimarem as lágrimas, o semblante contraído em sulcos profundos, os dedos crispados, a fronte ereta, toda ela hirta, arfante, lívida, na sua grande revolta. Todos a contemplam estarrecidos. Então, ela, sublime de coragem exclama, numa explosão de heroísmo e de desespero: “Para arrancarem a camisa de meu irmão, precisam primeiro passar por sobre o meu cadáver!”.
Essa atitude heroica da jovem baiana e desassombrada Blusa Verde, tocou a alma dos perseguidores do Sigma.
No primeiro momento, ficaram perplexos; depois confundidos e, em seguida, baixando a cabeça envergonhados, retiraram-se lentamente, enquanto a jovem integralista às lágrimas dos presentes reunia as suas, chorando a morte daquele que, jurando defender o Ideal Novo — Deus, Pátria e Família — diante da vida ou da morte, soubera cumprir fielmente a sua palavra como um homem novo do Brasil e um soldado destemido da Nação.